VISTO DE FORA

Faz sentido pagar impostos em Portugal? Eu respondo! 

person holding camera lens

por Tiago Franco // Outubro 9, 2022


Categoria: Opinião

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Uma das coisas que tenho aprendido com esta colaboração no PÁGINA UM é que nem todos apreciam que se exponha uma opinião. Vejo nos meus textos, ou de outros colegas, pedidos para uma “opinião isenta”. Não sei bem o que é uma opinião isenta, mas presumo que entre na mesma categoria da água em pó ou bolas de Berlim sem açúcar. No fundo, alguns de nós não procuramos ler visões diferentes seja do que for. Queremos é a nossa opinião reproduzida nos órgãos de comunicação social. E se não for assim, enfim, então não é isenta.

Serve este preâmbulo para dizer que espero continuar a ser merecedor da vossa leitura, em especial quando não concordam com o que aqui é escrito. É para isso que existem colunas de opinião, para que possamos debater e não para alimentarmos caixas de ressonância. 

person wearing black framed sunglasses

Portanto, vamos a isto. Hoje acordei a pensar nos impostos que cada um de nós tem de pagar em Portugal. Isto numa altura em que se discute uma possível baixa para as empresas e ajuste nos escalões de IRS. Parece ainda que o Governo está interessado em conseguir um aumento de 5% para os salários médios e uma subida para 900 euros no salário mínimo em 2026. Sem saber o que dará a concertação social, diria que não é uma proposta muito má. O perigo está na inflação estimada (4%) que é manifestamente optimista.

Os impostos que todos pagamos são importantes; na minha opinião, absolutamente basilares numa sociedade civilizada. E é por isso que me pergunto, ao dia de hoje, se continuam a fazer sentido em Portugal.

Esclareço a inversão de pensamento.

Sempre defendi um modelo de sociedade solidário, assente em impostos progressivos. Ou seja, quem tem mais, paga para quem tem menos, tentando-se de alguma forma equilibrar a distribuição de riqueza, mas, essencialmente, financiar um conjunto de serviços que são a marca de qualquer país desenvolvido, que procure a justiça social e se insira no Primeiro Mundo. A saber: educação, saúde e solidariedade social.

person using black computer keyboard

Tudo o resto pode e deve ser discutido, mas, na minha opinião, são estas as três áreas prioritárias onde se deve investir o dinheiro dos contribuintes. Não quer dizer que o Estado Social termine aí – quer apenas dizer que deve começar aí.

Esta é uma forma de quem paga, quem no fundo suporta o Estado, ver o retorno dos seus descontos. Começa nas creches gratuitas e em quantidade suficiente para todas as famílias, segue na assistência médica, seja um pediatra ou um dentista, e termina no apoio ao desemprego ou nas pensões garantidas. Se estas premissas estiverem garantidas, então o sucesso na gestão do erário público está garantido. O contribuinte vê de facto o retorno e sente que a carga fiscal faz sentido.

Onde vivo a maior parte do ano, esta é a realidade. O Estado Social não termina aí, vai muitíssimo mais longe, mas estes três pilares estão garantidos há décadas. Foram agora um pouco abanados nas últimas eleições, e há notícias que o apoio ao desemprego poderá ser alterado, mas, até ver, a realidade é que a maioria dos habitantes na Suécia ficam contentes por pagarem impostos.

Ao fim de quase 18 anos aqui ainda não conheci uma pessoa que dissesse o contrário. Portanto, é possível ter uma carga fiscal alta e, mesmo assim, ficar contente depois de a pagar.

pink pig coin bank on brown wooden table

Em Portugal entrámos numa fase em que, honestamente, estamos cada vez mais longe da realidade. O Serviço Nacional de Saúde (SNS) tem vindo a ser completamente desbaratado desde 2012, e durante a pandemia levou o golpe de misericórdia. Creches gratuitas são uma gota no oceano e todo o percurso escolar tem um custo elevado para as famílias. Um casal que queira ter filhos em Portugal acaba a fazer contas de quantos filhos pode ter. Ou se pode sequer ter algum. Isto num país envelhecido e com uma urgência assinalável em ter jovens que engrossem o mercado de trabalho.

Devo dizer, a título de comparação, que nunca comprei ao meu filho qualquer livro escolar, computador ou material de apoio. Não faço ideia sequer quanto custam. A Segurança Social está constantemente debaixo de suspeita no que concerne à sua sustentabilidade e os apoios no desemprego, pequenos como os salários, seguem uma burocracia pouco aconselhável e desesperante.

Temos, no entanto, as melhores estradas da Europa, as maiores parcerias público-privadas (PPPs) que nacionalizam o prejuízo e privatizam o lucro, uma banca que vive do erário público e uma infindável clientela que vagueia em torno dos sucessivos Governos do centrão. É mais ou menos simples perceber que as prioridades portuguesas na gestão do dinheiro dos contribuintes não são aquelas que se espera de um país que se quer civilizado. Daí a pergunta, se valerá a pena pagar tantos impostos?

Cada vez mais pessoas aderem aos seguros de saúde, quase todos pagam uma renda para deixarem os filhos na creche e, caso percam o emprego, trocam o baixo salário por um baixíssimo subsídio de ajuda.

Esta realidade é preocupante porque mostra o falhanço dos sucessivos Governos e abre espaço para o populismo de alguns partidos políticos que aproveitam para cavalgar a onda. Com a demagogia da preocupação com o povo, exigem a redução de impostos vendendo a ideia de que tudo será mais fácil com mais dinheiro do salário no bolso.

Aquilo que na verdade eles querem fazer é que aquele dinheiro que é entregue ao Estado e que deveria ser utilizado em serviços para todos nós, passe a ser entregue aos grupos privados. Sejam eles de hospitais, seguradoras, colégios ou planos de poupança e reforma. Nós ficamos com o mesmo dinheiro ou, provavelmente, com menos. Mas os grupos privados que apoiam e financiam estes partidos ficam bem mais ricos.

A abertura para este tipo de discurso acontece exactamente porque os nossos governos, todos, têm sido péssimos gestores dos fundos europeus e dos impostos dos portugueses. Somos cada vez mais pobres, pagamos cada vez mais impostos, recebemos cada vez menos serviços. Portanto… como não perceber a subida dos partidos populistas assentes no descontentamento da população?

gray pen beside coins on Indian rupee banknotes

Em vez de uma rede nacional de creches optámos por uma rede nacional de auto-estradas (já lhes perdi a conta). Nunca um país tão pequeno viu tanto alcatrão a gerar dinheiro para as clientelas. Começou com a maioria do Cavaco e nunca mais acabou. Rios e rios de dinheiro entregues às construtoras, à banca, aos gabinetes de advogados, às empresas dos amigos que fazem estudos para aeroportos. Uma elite que atravessa gerações e que já fez da distribuição dos fundos comunitários uma profissão de sucesso.

Entretanto, a classe média continua com salários médios que rondam os 1.000 euros, e, ainda há poucos anos, o salário mínimo andava nuns vergonhosos 500 euros. Agora estima-se que possa chegar a pouco mais de 700 euros em 2023. Portanto, andamos sempre a substituir miséria por pobreza. E daqui não passamos.

Portanto, quando nos perguntamos se faz sentido a carga fiscal em Portugal, para continuar a alimentar corrupção e amigos do regime, a resposta é não, não faz. É preferível que cada um fique com o salário no bolso e entramos numa selva de individualismo.

two Euro banknotes

E é esse o modelo sustentável no longo prazo? Não, também não. É olhar para o norte da Europa e perceber que não.

Aquilo que faz falta, mesmo, é ter governantes honestos e que, por uma vez, coloquem o bem-estar da população à frente das clientelas. Alguém que nos faça pensar que pagar impostos em Portugal não é um exercício de masoquismo. Parece ser uma utopia, bem sei. E talvez seja mesmo.

Tiago Franco é engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)


N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

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