Tabaqueira tentou contornar proibição através de conteúdos patrocinados

Jornal de Notícias, Diário de Notícias e Dinheiro Vivo também sob a “mão pesada” da Lei do Tabaco

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A Tabaqueira “brincou com o fogo” e tentou contornar a Lei do Tabaco, que proíbe taxativamente a publicidade directa e indirecta aos produtos do tabaco. Este ano multiplicou-se em pagamentos de conteúdos comerciais a vários órgãos de comunicação social. A Entidade Reguladora para a Comunicação Social já concluiu que, em quatro conteúdos de periódicos da Global Media, houve ilegalidade. Seguem-se agora processos para aplicação de coimas que podem ascender aos 250 mil euros por cada infracção. O Público ficou entretanto hoje também sob a alçada punitiva do regulador.


Dias difíceis para as parcerias entre os grupos de media e a Tabaqueira. Na mesma semana em que a Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) revelou ao PÁGINA UM a abertura de um “procedimento” por alegada violação da Lei do Tabaco, foi também ontem divulgada uma deliberação que custará quatro processo de contra-ordenação devido a publicidade a produtos de tabaco a três jornais da Media Capital: Jornal de Notícias, Diário de Notícias e Dinheiro Vivo.

Em causa, de acordo com a deliberação ERC/2022/296, estão dois conteúdos patrocinados pela Tabaqueira no Jornal de Notícias (nas edições de 20 e 29 de Abril deste ano), um no Diário de Notícias (2 de Junho) e outro no Dinheiro Vivo (20 de Abril), onde se faz promoção da marca Tabaqueira e dos seus produtos, quer directa quer indirectamente, o que viola a Lei do Tabaco.

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A publicidade aos produtos de tabaco em toda a imprensa, de forma directa ou indirecta, está proibida desde 2005, embora nas televisões e rádios remonte a 1980. Outras restrições em termos de divulgação de marcas, incluindo em provas desportivas, foram sendo implementadas a partir daquele ano. Contudo, nos últimos meses, recorrendo a parcerias comerciais, extremamente dúbias, a Tabaqueira foi lançando uma imagem de empresa preocupada com a saúde e o ambiente, e na vanguarda da Ciência, enquanto aborda os seus novos produtos, designadamente os cigarros electrónicos e o tabaco aquecido.

A ERC analisou, nesta fase, dois artigos patrocinados do Jornal de Notícias, intitulados “Investir em ciência para construir um mundo sem fumo” e “’Gaia não é um Cinzeiro’ procura limpar da cidade as beatas dos cigarros”.

No primeiro artigo reflecte-se sobre o desenvolvimento da Ciência em prol dos consumos tabágicos menos nocivos, anunciando que substituir “os cigarros tradicionais por novos produtos menos nocivos é o grande objetivo da Philip Morris International, que investiu mais de 8,1 mil milhões de dólares nesta missão”, adiantando-se que próximo passo será uma aposta no sector da saúde e do bem-estar.

Conteúdos comerciais da Tabaqueira são publicidade proibida mesmo que não se promova directamente produtos.

No segundo artigo, é dada uma visão de marketing social desenvolvido entre a Tabaqueira e a Câmara de Gaia para benefício geral da comunidade e ambiente, mas onde também surge a promoção aos novos produtos da empresa, supostamente “substanciadas por evidência científica”.

No artigo do Dinheiro Vivo, intitulado “Como a inovação está a ajudar a Philip Morris International a transformar o seu negócio”, é feita, segundo a ERC, uma retrospectiva do percurso da Philip Morris International (PMI) na venda de produtos de tabaco e a inversão das campanhas promocionais, que apelam a um consumo sem fumo. ERC exemplifica com o seguinte excerto: “A inversão oficial da estratégia da empresa deu-se em 2016, quando anunciou que iria comercializar produtos alternativos, mais modernos e com redução dos riscos do tabaco. ‘Dissemos que conseguíamos reduzir drasticamente os malefícios do tabaco e que podíamos ter um produto que retira 95% dos elementos tóxicos do fumo de tabaco’, afirmou o empresário polaco, que assumiu a gestão do grupo em 2021. O grande objetivo passa pela substituição dos cigarros a combustão por produtos de tabaco aquecido sem fumo.”

O argentino Marcelo Nico, director-geral da Tabaqueira, tentou contornar a Lei do Tabaco, fazendo parcerias com grupos de media para publicar conteúdos comerciais para dar boa imagem à empresa. A ERC diz agora ser proibido.

Por fim, no Diário de Notícias, através do artigo pago (e assumidamente identificado como publicidade) intitulado “Uma jornada de transformação para a construção de Um Amanhã Melhor”, é feita, também seguindo a síntese da ERC, uma apologia aos novos produtos de tabaco sem combustão, pela British American Tobacco (BAT), em que se defendem valores da marca socialmente responsáveis, evidenciando-se as seguintes características, «[a] marca de tabaco aquecido da BAT, o glo, é composta por um dispositivo eletrónico portátil que contém uma bateria de iões de lítio que alimenta uma câmara de aquecimento. Por fim, os produtos modernos orais, que incluem bolsas de nicotina sem tabaco, são igualmente uma das novas categorias da marca. Sendo que também incluem produtos orais tradicionais, como os tabacos húmidos ‘snus’ e ‘snuff’.”

Segundo a ERC, os quatro artigos pagos pela Tabaqueira às três publicações da Global Media “têm um carácter eminentemente institucional de posicionamento das empresas e marcas associadas a produtos de tabaco e a cigarros eletrónicos, em que se defendem valores sociais relevantes como sejam a saúde e o ambiente.”

Entidade Reguladora para a Comunicação Social “ameaça” aplicar multas ao Jornal de Notícias, Diário de Notícias e Dinheiro Vivo, e também Público, por receberem patrocínios da Tabaqueira em violação à Lei do Tabaco.

No procedimento aberto pela ERC, a Global Media veio defender que aqueles artigos publicitários tenham tido “por efeito direto ou indireto a promoção de cigarros eletrónicos”, alegando, por exemplo, que os textos do Jornal de Notícias tinham um “cariz e estilo informativo”, designadamente sobre o Fórum Económico de Delfos, na Grécia, realizado em Abril de 2022, em que se “reporta a ciência sobre o tabaco sem fumo, o investimento que uma empresa está a fazer em inovação, os objectivos”.

Por outro lado, o grupo de media liderado por Marco Galinha – que se tem especializado em parcerias mediáticas com todo o tipo de empresas e entidades públicas, incluindo autarquias e Governo – diz que, algumas daquelas publicações se enquadravam no conceito de “brandstory”.

Segundo a Global Media, “as designadas ‘brandstories’ afastam-se do fenómeno publicitário qua tale, já que, originariamente, constituem a criação de textos em torno da história de determinada marca e da sua identidade”. E acrescenta que, nesta lógica peregrina, se “procura comunicar a identidade da marca, englobando todas as definições da sua construção, como a personalidade, o propósito, os valores, a cultura, a missão e a visão.”

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A ERC mostrou-se, contudo, pouco favorável à argumentação da Global Media, até porque a Lei do Tabaco é muito clara. Com efeito, esse diploma legal dizer ser “proibida a comunicação comercial em serviços da sociedade da informação, na imprensa e outras publicações impressas, que vise ou tenha por efeito direto ou indireto a promoção de cigarros eletrónicos e recargas, com exceção das publicações destinadas exclusivamente aos profissionais do comércio de cigarros eletrónicos e recargas, e das publicações que sejam impressas e publicadas em países terceiros, se essas publicações não se destinarem principalmente ao mercado da União Europeia.»

Para o regulador, com a publicação daqueles textos no Jornal de Notícias, Diário de Notícias e Dinheiro Vivo, existe a finalidade de promover uma marca [Tabaqueira], uma imagem [responsabilidade social, defensora do ambiente, promotora da Ciência através de tecnologia para consumo de tabaco supostamente menos lesiva] e, consequentemente os produtos/ serviços por esta distribuídos, promovendo o engagement do leitor com a marca.”

Na deliberação, encabeçada pelo juiz conselheiro Sebastião Póvoas, acrescenta-se que “ainda que se possa considerar que o conteúdo ali veiculado não é promovido através de publicidade tradicional, não deixa de ser um conteúdo patrocinado por uma marca que visa a distribuição e venda de produtos de tabaco.”

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E a ERC não tem dúvida que se trata de publicidade, ainda que encapotada. “Quando uma empresa que tem como atividade principal, a venda de cigarros, com ou sem combustão, promove incessantemente campanhas em prol da saúde, está a promover, ainda que indiretamente, um produto cuja comunicação comercial é proibida, a pretexto de promover um debate que confunde os leitores e os induz a práticas de promoção e consumo, com o subterfúgio de não se estar a promover um produto”, salienta o regulador na sua deliberação.

Saliente-se que as tabaqueiras têm usado estratagemas para convencer os consumidores de que o uso dos novos produtos, como o tabaco aquecido, não são prejudiciais à saúde, A própria Organização Mundial de Saúde acusou em Maio de 2020 “a indústria do tabaco de usar um milhão de dólares por hora a tentar vender os seus produtos e de querer viciar cada vez mais jovens em cigarros eletrónicos como se fossem doces.”

O passo seguinte desta deliberação ERC será a “instauração de processo contraordenacional contra a Global Notícias”, a empresa da Global Media detentora daqueles três periódicos. Em princípio, serão abertos quatro processos de contra-ordenação, tantos quanto as ilegalidades cometidas, ademais face ao facto de estarem em causa três periódicos distintos. Além disso, a ERC determinará ainda se a aplicação das coimas, que podem atingir os 250 mil euros cada, será também paga pela Tabaqueira.

Recorde-se que hoje o PÁGINA UM noticiou que a ERC iniciou um “procedimento” contra o Público com vista à aplicação de um processo de contra-ordenação pelos mesmo motivos.

O PÁGINA UM tentou ter a opinião sobre estes processos junto da Tabaqueira, mas sem sucesso.

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