VISTO DE FORA

É tempo de ir para a rua 

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por Tiago Franco // Outubro 17, 2022


Categoria: Opinião

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Quando ouvi António Costa a anunciar as linhas gerais do Orçamento de Estado fiquei com alguma expectativa. Escrevi, nessa altura, que o cálculo da inflação parecia muito optimista, mas a subida do salário mínimo para 900 euros, num espaço de três anos, mostrava alguma abertura ao diálogo.

Quando Medina assumiu as rédeas da apresentação, no dia seguinte, já fiquei mais inseguro. Por um lado, ele anunciava protecção às famílias com créditos à habitação, enquanto, ao mesmo tempo, dizia que os bancos apenas seriam obrigados a responder a pedidos de renegociação de crédito. Ora, uma “obrigação de responder” é uma mão cheia de nada e limitar-se-ia a confirmar, por escrito, o futuro das famílias.

Fernando Medina, ministro das Finanças, a entregar formalmente o Orçamento de Estado para 2023 ao presidente da Assembleia da República, Augusto Santos Silva…

A banca continuaria protegida. À medida que toda a Oposição foi detalhando o Orçamento, ficou mais claro o que ali estava. E se dúvidas tivesse, ficaram desfeitas com a rapidez com que os patrões chegaram a um acordo na concertação social.

Alguns produtos alimentícios sofreram aumentos reais entre 9 e 18%. Material escolar subiu em cerca de 16%, combustíveis à volta de 17% e a energia mais de 20%. Portanto, nesse cenário, o acordo significa apenas que os reformados e os funcionários públicos com vencimentos acima do salário mínimo vão, na realidade, perder, e muito, poder de compra.

Já vários partidos da Oposição se manifestaram contra o Orçamento. Da esquerda à direita, ninguém parece muito interessado em votar a favor, ainda que por razões diferentes. Segue-se o esperado pela parte de quem não assinou este acordo, a CGTP, e a contestação, que agora recomeçou este fim-de-semana, já tem novas datas marcadas. A rua voltará a trazer a voz do descontentamento.

… e que teve uma inopinada queda em directo para as televisões.

Se a realidade dos preços mostra que a inflação estimada pelo Governo é um sonho de uma noite de Verão, torna-se relativamente simples perceber que sem aumentos na casa dos dois dígitos, dificilmente a classe média conseguirá recuperar o poder de compra. E quando digo classe média refiro-me a qualquer pessoa que receba 1.000 euros, aquilo a que na Europa do Primeiro Mundo se designa por “pobre”.

Portanto, já estamos com a fasquia incrivelmente baixa, mas corremos o risco de a ver descer ainda mais. E por lá ficar longos anos.

Há, no entanto, algumas coisas, raciocínios bastante simples, que favorecem o argumento de quem está na rua a lutar por aumentos reais dos salários. É um facto que os preços aumentaram e que, em virtude disso, não só o lucro das empresas cresceu como, por consequência, o Estado arrecadou um jackpot de impostos à boleia da inflação.

Portanto, o dinheiro existe, está lá. Saiu em maior quantidade da carteira dos trabalhadores para pagar a escalada de preços, transformou-se em lucro das corporações, e daí passou a imposto extraordinário para o Estado. Certo? Até aqui ainda não precisamos de um Nobel da Economia.

Agora, o verdadeiro problema começa quando o Governo não quer devolver o que arrecadou, ainda por cima se considerarmos a urgência que as famílias vivem. É que aqui não existem grandes hipóteses para quem quer manter a decência e ajudar os trabalhadores no mundo real, não apenas num mar de intenções escarrapachado num PowerPoint.

O Governo pode baixar os impostos às empresas e garantir que estas transferem esse dinheiro para os aumentos dos salários, e deve, como empregador que é, usar os impostos extraordinários que recebeu e aumentar os salários dos funcionários públicos, na exacta medida da inflação.

Ao não fazer, a fundo, nenhuma destas medidas, o que o Orçamento de Estado está a conseguir é, na prática, transferir o dinheiro dos trabalhadores (salários) para o capital (lucros das empresas), e depois a usar os impostos arrecadados para, na melhor das hipóteses, abater dívida pública. Ou, na pior, distribuir pelas clientelas do costume.

Traduzindo por miúdos, este Orçamento vai empobrecer uma população que já é pobre, vai enriquecer (mais) quem já é rico e vai criar um fundo de maneio bem jeitoso para alimentar a elite que vive na órbita do Estado.

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Ainda por cima, os economistas da praça já nos avisaram que, ao contrário do que nos foi vendido, a inflação não será passageira. Uma vez que a população se reajuste para pagar preços escandalosamente altos, as corporações não os trarão para o valor pré-guerra. Poderão não ficar tão altos como hoje, mas certamente que a adaptação será feita do nosso lado. Os mercados, os famosos mercados, não reduzem preços; quando muito não os aumentam tanto.

Portanto, quando os funcionários públicos vão gritar para a rua e exigir que o dinheiro arrecadado (a eles) volte em boa parte para eles, estão a assumir uma luta justa, lógica e a única que não nos deixará ainda mais pobres. No fundo estão a disputar uma batalha, esta sim, que diz respeito a todos os portugueses que trabalhem por conta de outrem. Era bom que por uma vez percebêssemos onde devem estar as nossas prioridades.

Tiago Franco é engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)


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