Recensão: Guia para 50 personagens da ficção portuguesa

Um cartão de visita à leitura

por Pedro Almeida Vieira // Outubro 19, 2022


Categoria: Cultura

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Título

Guia para 5o personagens da ficção portuguesa

Autor

BRUNO VIEIRA AMARAL

Editora (Edição) 

Guerra & Paz (Setembro de 2022) 

Cotação

15/20

Recensão

Entre 2013, ano da edição original deste Guia para as 50 personagens da ficção portuguesa, e o presente ano, o da sua reedição, Bruno Vieira Amaral transformou-se num dos mais respeitados escritores portugueses, com uma estreia auspiciosa que não tem esmorecido.

O seu romance de estreia, As pequenas coisas, publicado então nesse ano de 2013, lançou-o logo para o estatuto de escritor “amadurecido”, arrebatando logo o Prémio Fernando Namora e o Prémio PEN Clube Narrativa, e dois anos mais tarde, o Prémio José Saramago, então para autores com menos de 35 anos – Bruno Vieira Amaral nasceu em 1978.

Quatro anos mais tarde, o seu segundo romance Hoje estarás comigo no paraíso, recolheu o segundo lugar no Prémio Oceanos (Brasil) e foi finalista do Prémio Correntes d’Escritas, seguindo-se dois livros de contos e a biografia do escritor José Cardoso Pires (1926-1998), Integrado marginal, publicado no ano passado.

Mas Bruno Vieira Amaral não nasceu literariamente em 2013. Nesse ano, trabalhava como assessor de comunicação da editora Quetzal e como crítico literário, sobretudo da revista Ler. E leria, leria muito, por certo.

Na verdade, só quem for um leitor compulsivo se mostra capaz da ousadia de seleccionar meia centena de personagem de romances (e um conto, Léah, de José Rodrigues Miguéis), percorrendo todo o espectro literário português desde o século XIX até à actualidade, incluindo todos os movimentos artísticos, géneros e sensibilidades.

Seguindo, como modelo assumido, o Livro dos seres imaginários, de Jorge Luis Borges e Margarida Guerrero, e o Dicionário dos lugares imaginários, de Alberto Manguel e Gianni Guadalupi, esta obra de Bruno Vieira Amaral é despretensiosa.

E é despretensiosa no sentido de não ambicionar ser um ensaio nem sequer uma crítica literária, antes sim é uma “mostra”, um convite, através de personagens, à leituras de obras de ficção que, se não já lidas pelos leitores de maior “consumo literário”, pelo menos estarão com quase todos eles familiarizados, pelos títulos e autores.

Assim, não surpreende que Bruno Vieira Amaral não apresente grandes surpresas na escolha de personagens (e romances e autores), sobretudo quando abrange o século XIX e a primeira metade do século XX. Revela apenas os “clássicos”, que constituem o cânone, e nada mais.

O século XIX surge representado por nove obras / personagens, mas apenas de cinco escritores: Eça de Queirós (O primo Basílio; O crime do Padre Amaro; Os Maias; A relíquia), Camilo Castelo Branco (Amor de perdição; A queda dum anjo), Júlio Dinis (A morgadinha dos canaviais; Uma família inglesa); Alexandre Herculano (Eurico, o presbítero) e Almeida Garrett (Viagens na minha terra).

A primeira metade do século XX – que, apesar da crescente alfabetização da população, e concomitantemente da oferta de livros, foi de certa pobreza literária – encontra-se ainda menos representada. No primeiro quartel, Bruno Vieira Amaral escolheu somente Lúcio Vaz, de As confissões de Lúcio, de Mário Sá Carneiro, publicado em 1914, e António Malhadinhas, de O Malhadinhas, de Aquilino Ribeiro, de 1922. Depois, só duas obras do neorrealismo, quase óbvias: Gaibéus (1939), de Alves Redol; e Esteiros (1941), de Soeiro Pereira Gomes.

Mau tempo no canal (1949), de Vitorino Nemésio, é a antecâmara de um período literário que aparentemente agradou bastante a Bruno Vieira do Amaral, porquanto na década de 50 encontramos as personagens principais de Uma abelha na chuva (1953), de Carlos Oliveira; A sibila (1954), de Agustina Bessa Luís; de Seara de vento (1958), de Manuel da Fonseca; de Léah, (1958), de José Rodrigues Miguéis; de Bastardos do sol (1959), de Urbano Tavares Rodrigues, e de Aparição (1959), de Virgílio Ferreira.

Mais romances, portanto, do que aqueles que surgem desde a década de 60 até ao fim do Estado Novo. Neste período, Bruno Vieira Amaral apenas nos mostra quatro personagens de obras de Marcello Mathias, Fernando Namora, Natália Correia e José Cardoso Pires.

No período democrático, e pela proximidade geracional, não faltam, até ao final do século XX, personagens de obras dos escritores mais emblemáticos deste período, como José Saramago (com Baltasar e Blimunda, em Memorial do convento; e um dos heterónimos de Fernando Pessoa, em O ano da morte de Ricardo Reis), Jorge de Sena, Fernando Assis Pacheco, Dinis Machado, David Mourão Ferreira, Fernando Dacosta, António Alçada Baptista, José Cardoso Pires (que repete a sua presença, desta vez com Alexandra Alpha, de 1987), João Aguiar, Baptista Bastos, Lídia Jorge, João de Melo, Mário Zambujal e Clara Pinto Correia, apenas surgindo aqui dois (então) jovens escritores: José Riço Direitinho (com Breviário das más inclinações, publicado em 1994, aos 29 anos) e Manuel Jorge Marmelo (com Portugués, guapo y matador, em 1997, ao 26 anos).

Embora a obra de Bruno Vieira Amaral distribua os personagens e as obras que eles enchem de forma aparentemente ao correr da pena – ou seja, sem ter uma linha cronológica nem alfabética –, as obras de autores do presente século são justificadamente escassas. Estão aqui assim personagens de romances de Miguel Sousa Tavares (Equador), Mário de Carvalho (A sala magenta), Hélia Correia (Lillias Fraser), J. Rentes de Carvalho (A amante holandesa), Miguel Real (A ministra) e Francisco José Viegas (Um crime capital).

Haverá, por certo quem possa identificar falhas ou injustiças, ou aqui e ali julgar ser exagerado a inclusão de uma ou outra personagem nesta colectânea ou antologia, mas, como se disse, esta obra de Bruno Vieira Amaral é despretensiosa – e, acrescentar-se-ia, de grande honestidade e até generosidade, constituindo-se sobretudo como um cartão de visita à leitura.

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