Afinal, Portugal terá já gastado mais de 660 milhões de euros (e não 500 milhões) em vacinas contra a covid-19. Embora o Ministério da Saúde remeta para a Direcção-Geral da Saúde a divulgação dos contratos, assume que foram compradas 45 milhões de doses desde finais de 2020. Contas feitas, entre vacinas tomadas, doadas e revendidas, o stock actual é de 9,5 milhões de doses que valerão pelo menos 140 milhões de euros. Entretanto, com a previsível redução do “consumo”, a Pfizer prepara-se para quadruplicar o preço das vacinas para o próximo ano. O negócio tem de continuar.
Desde Dezembro de 2020, Portugal já comprou quase 45 milhões de vacinas contra a covid-19 e tem um stock actual de cerca de 9,5 milhões de doses, mesmo se a adesão da população aos reforços esteja a ficar muito aquém das expectativas. Quase todos os contratos relativos a essas compras ainda não constam do Portal Base de contratação pública, sem que a Direcção-Geral da Saúde dê qualquer explicação.
O número total de doses já adquiridas pelo Estado português foi transmitida esta semana ao PÁGINA UM por fonte oficial do Ministério da Saúde, que indicou que até ao dia 14 deste mês, “Portugal recebeu 44,9 milhões de vacinas”, tendo doado 7,8 milhões de doses, sobretudo aos PALOP, e revendido 2,6 milhões de doses.
O Ministério da Saúde acrescenta ainda que “até 17 de Outubro foram administradas cerca de 25 milhões de vacinas”, pelo que restam assim 9,5 milhões de doses em armazém. O número de vacinas administradas fica, porém, aquém do número estimado esta semana pelo PÁGINA UM (quase 26,8 milhões de vacinas administradas), calculado em função da cobertura vacinal por grupo etário indicada semanalmente pela DGS. O site Ou World in Data aponta para a administração de 25.965.516 doses em Portugal até 14 de Outubro.
Deste modo, considerando um custo médio unitário de 14,7 euros – valor dos lotes financiados pela União Europeia através do Compete 2020 –, Portugal já terá afinal despendido cerca de 660 milhões de euros em vacinas contra a covid-19, e o stock actual (9,5 milhões de doses) terá um valor de quase 140 milhões de euros. Na semana passada, o PÁGINA UM tinha avançado que teria sido gastos 500 milhões de euros, mas desconhecia ainda a quantidades de doses em stock agora confirmado pelo Ministério da Saúde.
A questão, neste momento, é saber se a procura por vacinas contra a covid-19 justificara a compra de tantas doses, quando se observa a nível mundial uma redução da adesão sobretudo nas idades mais jovens na toma de reforços.
Em Portugal, a campanha de reforço em curso – denominada de “sazonal”, embora seja a quarta ou quinta dose para a maioria dos casos – foi iniciada na primeira quinzena de Setembro, foram “alcançadas”, por agora, pouco mais de um milhão de pessoas.
De acordo com os dados ontem divulgados pela DGS, 60% dos maiores de 80 anos tinham recebido esse reforço, sendo que essa taxa descia para os 30% no grupo etário dos 65 aos 79 anos. Essas percentagens representam cerca de 407 mil e 485 mil pessoas, respectivamente. Abaixo dos 65 anos, a DGS diz que tomaram reforço sazonal 5% das pessoas com idades entre os 50 e 64 anos e 1% das pessoas com idades entre os 25 e os 49 anos, ou seja, um total de pouco mais de 140 mil pessoas.
Embora o coordenador do programa de vacinação, Penha Gonçalves tenha adiantado, anteontem, ao Público que 1,27 milhões de pessoas acima dos 60 anos tinha tomado já dose de reforço, e que “a vacinação está a decorrer dentro daquilo que está planeado”, as expectativas de se repetir um ritmo similar ao ano passado – que incluiu a vacinação de jovens e de crianças – parecem baixas.
Sendo certo que entre 3 de Setembro e 14 de Outubro deste ano se vacinaram, de acordo com o OurWorldinData, quase tantas pessoas como em período homólogo do ano passado (1.052.968 pessoas vs. 1.070.286), até agora, nesta fase, foram abrangidas sobretudo os mais idosos, incluindo os residentes em lares. Porém, enquanto ao longo do Outono de 2021 e Inverno de 2021-2022, houve uma grande adesão da população portuguesa – entre Setembro do ano passado e Março deste ano foram administradas quase 8,5 milhões de doses –, incluindo de adolescentes e jovens adultos, agora não parece ser muito previsível a repetição desse fenómeno.
Com efeito, face à vacinação primária – que a DGS garante ter sido de 100% acima dos 25 anos e de 98% entre os 12 e os 24 anos –, a adesão ao primeiro reforço foi bastante mais baixa, sobretudo abaixo dos 50 anos. Entre os 25 e os 49 anos foi de 68% e entre os 18 e os 24 anos apenas de 55%. A DGS não recomendou, ao longo dos primeiros nove meses de 2022, o reforço para os menores de idade. Recuperou recentemente o apelo, através de declarações de Graça Freitas, embora sem a existência de uma justificação científica.
Esta tendência de recusa dos reforços estará também relacionada com a percepção de um muito menor risco da Ómicron – que já atingiu quase metade da população portuguesa este ano, atendendo aos casos positivos acumulados –, que tem efectivamente uma taxa de hospitalização e de letalidade muitíssimo mais baixa do que as variantes anteriores. Além disso, a confirmação de que a imunidade natural dá garantias fortes de protecção, sobretudo às pessoas mais novas e saudáveis, pode ainda afastar mais as pessoas de optarem pelo reforço vacinal.
Além disso, a falta de transparência – e mesmo obscurantismo – em redor das vacinas tem resultado num aumento da desconfiança alimentada pela “fadiga vacinal”. Aliás, existe um receio de que, com tanta pressão para se vacinar contra a covid-19, as pessoas mais vulneráveis à gripe possam até recusar a vacina contra esta doença.
Em Portugal também não tem ajudado a postura das autoridades de Saúde, que aparentam estar sobretudo a defender os interesses das farmacêuticas e a proteger decisões políticas polémicas. Recorde-se, por exemplo, que o Infarmed continua a recusar o acesso ao Portal RAM, que cataloga os efeitos adversos das vacinas contra a covid-19, estando o processo de intimação ainda a decorrer no Tribunal Administrativo, por iniciativa do PÁGINA UM.
Entretanto, esta semana soube-se que a Comissão Técnica de Vacinação contra a Covid-19 terá funcionado à margem da lei, sem sequer registar a sua actividade em actas, como agora alega a Direcção-Geral da Saúde, que poderá também estar, na verdade, a sonegar informação comprometedora.
Neste cenário, as farmacêuticas preparam já uma eventual descida do “consumo” para não perderem uma “receita” comercial de sucesso. Na sexta-feira passada, a agência Reuters anunciou que a Pfizer tem um plano para quadruplicar o preço nos Estados Unidos a partir do próximo ano, para valores entre os 110 e os 130 dólares por dose. Esta decisão, que deverá ser acompanhada pelas outras farmacêuticas, terá um impacte favorável das receitas da Pfizer de até três mil milhões de dólares por ano, segundo analistas.