Uma realidade que existe em vários países é a da manutenção da posse dos terrenos e o usufruto das construções apenas se se der uso, e este se mantiver digno. Em Portugal, isso aplica-se, por exemplo, nos cemitérios.
Assim, se possuir um jazigo e não lhe fizer obras, não o limpar, a Câmara Municipal pode retomar a posse e colocar em hasta pública a edificação por cima da terra, pois a terra é sempre da Câmara.
Esta tradição de nunca vender o terreno tem tradição na Holanda e na Inglaterra – e, portanto, terminados os sinais de vida, acrescido um prazo tido por de bom senso, o Estado faz-se gestor de tudo o que está sobre os seus terrenos.
Esta ideia devia mostrar-se válida também para os terrenos abandonados há décadas – as florestas, os campos, e claro, propriedades espalhadas por todo o Portugal. Devemos acrescentar as edificações herdadas, e sobre as quais as famílias desavindas deixam degradar e que se desfazem sem qualquer resolução.
Também há os terrenos de instituições do Estado que vão ficando abandonadas. Conheço dezenas de antigos quartéis, escolas decadentes e em estado de vergonha – Anadia é um exemplo maior –, e velhos hospitais, e antigas instalações de colégios.
Portugal insiste em construir em terrenos nunca antes construídos para evitar as decisões de expropriação compulsiva, ou mesmo a retoma dos terrenos pela governação.
Às autarquias também compete o levantamento do edificado e o conhecimento dos seus proprietários. E a elas compete notificar os proprietários sobre a degradação e insalubridade. Se não se faz nada por incapacidade financeira, pode-se decretar a venda, ou envolver-se em negociações de parceria. O abandono é intolerável.
Nos cemitérios, sabe-se que o terreno nunca é pertença do dono do edificado. No final, não é ele realmente dono; é sim usufrutuário sob condições contratuais e de tradição. Todos os anos inúmeros jazigos vão para a hasta pública e são comprados.
A verdade é que as Câmaras têm departamentos de conservação e organização dos cemitérios que permitem a sua persistência ou muitos eram lugares sombrios e impossíveis para visitas. Nos cemitérios ainda não estão os sem abrigo a fazer companhia aos que dormem a eternidade. Ninguém joga cartas ou fala das janelas, não se pedem pequenos-almoços e não é frequente ver restos de alimentos.
Porém, infelizmente, os cemitérios vivem a decadência do desinteresse, da falta do valor da tradição e, portanto, estão a empobrecer as suas construções, a perder o emocional e o romântico das obras que durante centenas de anos foram gáudio de famílias abastadas e outras esforçadas.
A tradição destas instituições pode ser uma boa estratégia para salvar os centros das cidades, para trazer população para a zona antiga. Portugal precisa de governação que inove, que cumpra com uma visão de navegar ao longe. A política do dono da terra pode ser importante para muitas coisas e há muita experiência que nos vem dos mortos – podia lá eu imaginar!
Diogo Cabrita é médico
N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.