Vértebras

Filipe Froes, esse Grandessíssimo Cara-de-Pau

Vértebras

por Pedro Almeida Vieira // Novembro 1, 2022


Categoria: Opinião

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Este texto fez-se sozinho. Ou quase. Ou melhor dizendo, fez-se com citações ipsi verbis de uma palestra do pneumologista Filipe Froes no passado dia 23 de Outubro na Visão Fest – uma “feira de vaidades” da revista Visão, sempre com competentes patrocínios empresariais, nomeadamente da Janssen (tem de haver agora sempre uma farmacêutica), da Tabaqueira (que anda empenhada em vender saúde), da Delta Café (porque fica sempre bem um cafezinho), da McDonalds (que o fast food é uma boa dieta) e da EPAL (ter uma empresa pública a apoiar serve como bênção do Governo).

Podia destacar o papel de nigromante de Filipe Froes – que também é –, ao anunciar que virá aí, no futuro, nova pandemia que será causada pelo “vírus influenza, sobretudo de origem aviária, talvez o H2; [ou por] um novo coronavírus; ou [por] um agente X, um micro-organismo que ainda não identificámos”.

Filipe Froes, um dos médicos portugueses com mais ligações à indústria farmacêutica, mantém-se como consultor da DGS e com intenso palco mediático.

Podia destacar o papel de vendilhão de Filipe Froes – que também é –, ao anunciar que “precisamos de um programa nacional para o long-covid”, porque vivemos um “pandemónio” depois da pandemia, sabendo-se que a sua amiga Pfizer anda a tentar convencer as autoridades norte-americanas a aprovarem o Paxlovid como panaceia (ou trapaceia) dessa nova condição de saúde, da qual potencialmente padecem os mais de 600 milhões de seres humanos que tiveram covid-19 e sobreviveram.

Mas prefiro destacar o papel de grandessíssimo cara-de-pau de Filipe Froes – que sobretudo é –, através desta passagem integral da sua alocução, a partir do minuto 2:43, na dita Visão Fest. Atentem:

É habitual nós falarmos – quando um médico é convidado para uma sessão destas –, que lhe é atribuído cerca de 20 minutos, apresentarmos os nossos conflitos de interesse. Nós nunca temos conflitos de interesses. Eu não tenho qualquer conflito de interesses. Mas eu pus este slide para vos mostrar que os principais conflitos de interesses são aqueles que muitas vezes não são revelados. E em Ciência há dois conflitos de interesses que são extremamente importantes, e que vão condicionar muito o futuro que nós vamos encontrar: são os chamados conflitos científicos. O primeiro conflito científico é o preconceito – isto vem numa revista médica. O conflito de interesses mais enraizado em Medicina é a dificuldade em reverter uma opinião prévia. Nós temos a nossa opinião, e tudo fazemos para encontrar aquilo que a gente procura para justificar a nossa opinião. E esse é o segundo conflito de interesses, também identificado por Stephen Hawking, que é ‘escolher as cerejas’, cherry-picking, que é eu escolho aquilo que me dá jeito e não mostro aquilo que põe em causa o que quero. E, portanto, estes é que são os conflitos de interesses mais frequentes em Ciência: o preconceito e a ‘escolha das cerejas’. E o que nós estamos a viver cada vez mais é uma pandemia que resulta destes dois conflitos de interesses, como eu vos vou mostrar.

Filipe Froes apresentando um slide na sua apresentação na Visão Fest, onde revelou que “não tem conflitos de interesses”.

Para contextualizar os mais distraídos, Filipe Froes recebeu 41.474 euros de farmacêuticas em 2020, mais 56.097 euros em 2021 e este ano vai já em 38.692 euros. Desde o início da pandemia contabiliza 136.263 euros de financiamentos de 15 distintas farmacêuticas, entre as quais a Pfizer, a Merck Sharp & Dohme, a AstraZeneca e a Gilead, todas com interesses comerciais muito directos no tratamento da covid-19, sendo que Froes integra a comissão da Direcção-Geral da Saúde que define as terapêuticas. Na última década, Froes recebeu 419.524 euros de 24 empresas farmacêuticas.

A promiscuidade faz-se ao mais alto nível. Ao nível rasteiro da própria Ordem dos Médicos que, sendo uma mera associação privada, se tem arvorado de inquisidor-mor sobre a independência dos profissionais de saúde, ameaçando e cerceando opiniões divergentes. Froes é um peão feito torre, que agora assume a patética função de coordenador do Gabinete Estratégico para a Saúde Global, uma invenção do urologista Miguel Guimarães, circunstancial bastonário, criada ao arrepio dos colégios da especialidade deste outrora respeitável grémio.

E perante isto ainda tem ele, Filipe Froes, o desplante de dizer que não possui conflitos de interesses, e de o dizer num encontro organizado por um (suposto) órgão de comunicação… E, ainda por cima, sabendo que lhe baterão palmas e lhe darão também palmadinhas nas costas, e convicto fica ele de novos convites per omnia saecula saeculorum, aproveitando a lábia de nigromante e de vendilhão; tudo isto com a mesmíssima cara-de-pau com que nos tem brindado nos últimos dois anos e meio. Haja paciência! E haja vergonha!

P.S. Consta que, no próximo dia 7, Filipe Froes apresentará no Grémio Literário, um livro sobre a pandemia, “editado” por um conhecido Diário e “patrocinado” por uma farmacêutica, como convém. E tendo como convidado especial uma figura grada de alta patente militar que garantiu ter derrotado o vírus no ano passado. Nada de novo no “reino da Dinamarca”.

Nota: A palestra integral de Filipe Froes na Visão Fest, enquanto estiver disponível, pode ser visionada aqui.

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