Somos um país de gente que adora sofrer. Que exibe o seu sofrimento como se de um acto de heroísmo se tratasse.
Fazemos alarde das nossas dificuldades procurando, sempre, deixar evidente que os nossos problemas, todos causados por motivos a que somos alheios, são superiores aos de quem quer que nos escute.
O português é masoquista e gosta de o ser.
Nas salas de espera dos hospitais, as conversas sobre as doenças de cada um levariam a ataques cardíacos qualquer estrangeiro que ali passasse.
Nenhum português tem doenças normais.
Todos passaram por intervenções cirúrgicas complicadas, todos sofrem de doenças consideradas incuráveis, todos enfrentam a morte a cada momento.
E todos se queixam do péssimo atendimento, do desleixo de médicos, enfermeiros e auxiliares, dos preços dos medicamentos, das listas de espera.
Porém, ninguém se dispõe a ir além dos lamentos para tentar alterar o que condena com veemência.
Nos cafés, as conversas limitam-se ao aumento do custo de vida, do desemprego, da impossibilidade de pagar todas as contas necessárias à vida de uma família normal.
A revolta termina quando, cabisbaixos, regressam a casa.
Se confrontados com a possibilidade de lutarem pela mudança as respostas são, sempre, as mesmas:
– “São todos iguais, isto não tem solução!”
– “Temos de ter fé. Melhores dias virão!”
A aceitação deste “fado” é algo que nunca consegui compreender e que me repugna enquanto cidadão.
Entramos num supermercado e tomamos consciência de que os preços aumentam, diariamente, de forma escandalosa.
Todos os problemas a nível mundial servem para “justificar” esses roubos.
A pandemia da covid-19 fez parar o mundo. Os preços subiram 15 a 20 por cento.
A Rússia invadiu a Ucrânia, o que causou problemas com a falta de energia. Os preços aumentaram 20 a 25 %.
O povo deixa de poder comer carne e peixe todos os dias, reduz o número de viagens, deixa de poder comprar todos os medicamentos e não goza férias.
Inexplicavelmente, as grandes superfícies aumentam os seus lucros em centenas de milhões de euros, tal como as companhias petrolíferas e, claro, o Estado no que concerne a impostos.
O Povo, sereno, vangloria-se das suas desgraças.
As autoridades ajudam colocando-se ao lado dos mais fortes, na tentativa da recolha de migalhas que caiam da mesa dos ricos.
O polícia prende (e bem) o José, ou a Maria, que rouba uma lata de atum de um supermercado, mas perdoa, com um sorriso nos lábios (“veja lá se para a outra vez tem mais cuidado!”), o rico que conduz acima da velocidade permitida, na estrada.
O Juiz condena (e bem), com uma ordem de despejo, a família que não paga a renda, mas amnistia o “empresário” que deixou de pagar uns milhões de imposto.
Os ricos, todos sabem, nunca passarão pelas cadeias.
Os magistrados regem-se por Códigos escritos de um modo que seja inexistente essa possibilidade.
Um banqueiro, que é responsável por um roubo de um valor superior à soma de todos os levados a cabo em Portugal, desde que existem prisões, nunca entrará numa delas, enquanto recluso.
Provavelmente nem sequer chegará a ser julgado.
É mais do que certo que os processos se irão arrastar até prescreverem.
Não, muitas das vezes, por culpa dos juízes que, masoquistas também eles, se esforçam para cumprirem o seu dever contra tudo e contra todos.
Só que, por um lado há dezenas de bandidos a roubarem latas de atum e leite nos supermercados, e, como há que acabar com esse flagelo, gastam-se centenas de horas com esses casos.
Depois, a falta de dinheiro para a compra de papel para os mandados de busca tem impedido essas diligências como reconheceu, recentemente, o Presidente da Associação Sindical dos Juízes.
Queixou-se, até, que em Lisboa, na nossa capital, os magistrados têm de levar, de casa, o seu papel higiénico, porque a verba dos tribunais não permite esse gasto.
Eu, no lugar deles, resolvia dois casos ao mesmo tempo, limpando-me aos processos parados.
Às tantas já houve outros com despachos semelhantes e ninguém se atreveu a contestar.
Vítor Ilharco é secretário-geral da APAR – Associação Portuguesa de Apoio ao Recluso
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