Uma sentença do Tribunal Administrativo de Lisboa negou provimento ao Público de uma providência cautelar para suspender uma deliberação da Entidade Reguladora para a Comunicação Social que concedia o direito ao PÁGINA UM a exercer um direito de resposta a um artigo difamatório. O jornal da Sonae, que acumula prejuízos de quase 13,9 milhões de euros no último quinquénio, justificou o artigo que publicou em Dezembro do ano passado por ser necessário criar um “consenso social” para a vacinação contra a covid-19. Após trânsito em julgado, o Público terá 48 horas para publicar o direito de resposta do director do PÁGINA UM.
O jornal Público, que assumiu ter publicado uma notícia difamatória contra o director do PÁGINA UM, Pedro Almeida Vieira – por este jornalista alegadamente ter tomado “posições claramente atentatórias contra a necessidade de se criar consenso social em favor de vacinação” contra a covid-19 –, viu o Tribunal Administrativo de Lisboa negar-lhe provimento à providência cautelar, com a qual pretendia evitar a publicação de um direito de resposta.
Em causa estava a tentativa do jornal do grupo Sonae – com um capital social de 6,5 milhões de euros – em anular os efeitos de uma deliberação de Agosto passado da Entidade Reguladora para a Comunicação Social que concedera ao director do PÁGINA UM – cuja empresa detentora tem um capital social de 10 mil euros – o “direito de resposta” a um artigo difamatório do Público, no passado dia 23 de Dezembro, enquadrada numa “campanha difamatória” iniciada pela CNN Portugal e reproduzida, no mesmo dia, em outros órgãos de comunicação social.
Com efeito, após a publicação de uma investigação jornalística do PÁGINA UM sobre os verdadeiros impactes da covid-19 nas crianças, tanto a CNN Portugal como o Público (e outros media mainstream como o Observador, o Expresso e a Lusa) faziam crer que não se estava perante uma notícia de um órgão de comunicação social, mas sim de “dados clínicos de crianças (…) expostos numa página de negacionistas anti-vacinas no Facebook”.
O Público remetia mesmo, com um link, para a notícia da CNN Portugal onde se dizia que a “página onde consta a publicação é feita por um jornalista com carteira profissional e pretende tornar-se num jornal digital sustentado por ‘crowdfunding’, donativos”, acrescentando ainda que “desde o início da pandemia, tem lançado críticas a vários investigadores que falam publicamente sobre a covid-19.”
Apesar de o PÁGINA UM e o seu director nunca terem sido citados nas notícias – de forma propositada, numa tentativa de condicionar eventuais consequências legais, e para não se expor que se tratava meramente de um “ataque” a um órgão de comunicação social que tinha acabado de nascer –, o Tribunal Administrativo de Lisboa não teve dúvidas sobre a quem o artigo do Público se estava a referir.
De acordo com a sentença da juíza Sara Ferreira Pinto, “analisando o teor da notícia em questão [do Público] é possível concluir pelo caráter ofensivo da notícia de uma forma objetiva passível de ser formulado em relação a qualquer profissional não só porque se refere à publicação do Contrainteressado [director do PÁGINA UM] como ‘página de negacionistas anti-vacinas no Facebook’, mas também o identifica como tratando-se de ‘jornalista com carteira profissional e pretende tornar-se num jornal digital sustentado por crowdfunding, donativos’”.
Para a juíza, tanto a CNN Portugal como o Público tornaram possível identificar o Contrainteressado [Pedro Almeida Vieira] e a publicação Página Um”, salientando mesmo que “os Requerentes [Público] expressamente reconhecem nos artigos 22, 23 e 30 do requerimento inicial”.
Saliente-se que, nesse requerimento da providência cautelar, o advogado do jornal da Sonae – empresa que em 2021, em plena pandemia, apresentou lucros de 268 milhões de euros, um acréscimo de 45,6% face ao ano anterior – , garantiu que “a omissão do nome da página do Facebook ou do jornal que a alimenta [ PÁGINA UM] foi uma decisão deliberada da Direcção Editorial do jornal PÚBLICO e da editora da secção da Sociedade que, com sentido de responsabilidade, não quiseram dar publicidade à publicação que, manifestamente, tinha tomado posições claramente atentatórias contra a necessidade de se criar consenso social em favor da vacinação, algo que o jornal assumiu e defendeu desde a primeira hora”.
Para negar a providência cautelar, a juíza também ponderou sobre a probabilidade da acção principal intentada pelo Público – que regista prejuízos acumulados de quase 13,9 milhões de euros no último quinquénio – ser bem sucedida. Em relação a esse aspecto relevante, a sentença diz que, “não podendo concluir[-se] pela existência de uma probabilidade forte de a ação principal vir a proceder”, então “tem de ser recusada a requerida suspensão da eficácia da Deliberação do Conselho Regulador da Requerida Entidade Reguladora para a Comunicação Social por não se verificar um dos requisitos cumulativos de que a lei faz depender a sua concessão (fumus boni iuris)”.
Após o conhecimento formal da sentença, o Público terá 48 horas para publicar o direito de resposta do director do PÁGINA UM, sob pena de multa. O director do Público, Manuel Carvalho, pode sempre decidir, em seguida, ordenar a retirada de linha do seu difamatório de 23 de Dezembro do ano passado, embora tal não se apague das “páginas da vergonha” da História do Jornalismo português.
N.D. Este processo PÁGINA UM vs. Público demonstra como desiguais são as armas de um jornal independente e as de um jornal da imprensa mainstream que pode até dar-se ao luxo de apresentar 13,9 milhões de euros de prejuízo em cinco anos e, mesmo assim, continuar a desbaratar pontos de credibilidade ao assumir-se como um órgão doutrinário em prol de um “consenso social”.
E não tendo, nessa “tarefa”, sequer escrúpulos em usar o seu poderio comunicacional para denegrir a imagem de um jornalista que o seu director sabia ser independente e rigoroso, tanto assim que o Público chegou a acolher alguns artigos de opinião.
Não me queixo dessa luta desigual, porque o PÁGINA UM quis assumir-se como um projecto independente de acesso livre, sem publicidade nem parcerias comerciais com o Estado e empresas, valendo-se somente do valor intrínseco das suas notícias e outros textos.
Sabíamos que, por esse motivos, a nossa dimensão será pequena. E que seríamos um alvo a abater pelo descomprometimento e desassombro. Talvez tenha ficado surpreendido por nem sequer nos terem dados mais de dois dias de vida, antes do primeiro soez ataque de 23 de Dezembro passado.
Hoje, sabemos que valemos aquilo que os nossos leitores nos reconhecem. E assim será sempre.
Em todo o caso, olhamos para este alegre desenlace – uma sentença favorável; com a sensação de que se fez Justiça – também me merece uma profunda tristeza. Esta sentença não é uma vitória do jornalismo; é uma derrota.
Foi triste assistir às acções e reacções da comunicação social mainstream durante este processo. Idem em relação à ERC e à Comissão da Carteira Profissional de Jornalista (CCPOJ).
Particularmente, para mim, como jornalista e leitor, entristece-me a postura de um jornal (Público), que, reconheço, teve, durante cerca de 30 anos, um papel determinante na nossa vida democrática.
E a tristeza advém também porque, para se fazer Justiça – e porque o PÁGINA UM tem parcos recursos –, foi necessário um esforço quase hercúleo durante largos meses. Recordo que, após a publicação do artigo difamante do Público, e da sua recusa em publicar o meu direito de resposta – que “encerraria” a questão, porque esclareceria logo os leitores –, foi depois necessário apresentar queixa formal na ERC, em seguida ainda elaborar uma reclamação a uma primeira deliberação estranhamente desfavorável, e agora gastar mais tempo a argumentar (como parte contra-interessada) junto do Tribunal Administrativo de Lisboa.
Foram infindáveis horas gastas a escrever e a argumentar (na parte final apenas com a ajuda do nosso incansável advogado Rui Amores), mais as taxas de justiça.
Perdemos sobretudo horas irrecuperáveis, que poderiam ser dedicadas a fazer jornalismo.
Já Manuel Carvalho, circunstancial director do Público, apenas continuou serenamente a fazer o “seu jornalismo” em prol do “consenso social”. E, neste processo em concreto, só teve necessidade de puxar pelo livro de cheques da Sonae para pagar ao seu advogado.
Esta talvez seja a razão pela qual o Público é hoje o jornal que reconhecemos… ou que já nem conhecemos.
Todos os encargos do PÁGINA UM nos processos administrativos, incluindo taxas de justiça e honorários de advogado, têm sido suportados pelos leitores e apoiantes, através do FUNDO JURÍDICO. Até ao momento, o PÁGINA UM está envolvido em 13 processos de intimação, quatro dos quais em segunda instância, e ainda em duas providências cautelares. Até ao momento foram angariados 11.653 euros, um montante que começa a ser escasso face à dimensão e custos envolvidos nos processos. Saliente-se que o PÁGINA UM tem de garantir uma “provisão” para as situações em que possa ter sentenças desfavoráveis, o que acarretará o pagamentos de custas que podem ser elevadas por cada processo perdido.