Este foi um episódio vergonhoso que ficará na História do Jornalismo em Portugal: quando os media mainstream se uniram para espalhar uma notícia falsa e difamar um jornal independente que acabara de nascer. E como recusaram todos publicar o direito de resposta previsto na Lei. Correu-lhes mal.
Dez meses depois, é certo, ainda não foi reposta a verdade e nem todos os media mainstream corrigiram uma notícia falsa que divulgaram. Um deles, o Público, lutou até aos tribunais para evitar ter de acrescentar o direito de resposta à sua notícia falsa.
Mas o director do jornal Público foi esta semana derrotado em Tribunal. Aliás, toda a direcção do jornal, e também a sua editora de Sociedade, a qual teve um papel na publicação de uma notícia falsa e difamatória contra o PÁGINA UM. A juíza não teve dúvidas e não cedeu às pretensões do jornal que queria escapar à publicação de um direito de resposta do director do PÁGINA UM.
A atitude do director do jornal Público é simplesmente uma lástima. Uma vergonha para o jornal (onde anda a Sonae?).
Mas neste episódio vergonhoso, o director do Público não é o único protagonista. A questão principal até é esta: como é que diretores de jornais, da Lusa, de TVs, de rádios, de revistas e de media online aceitaram executar a distribuição de uma notícia claramente falsa e difamatória contra um jornal que nascera dois dias antes?
Em primeiro lugar, analisemos a forma como foi lançada a campanha de difamação contra o PÁGINA UM, em Dezembro de 2021. Foi pouco ou nada original, convenhamos. Aliás, foi mesmo muito vulgar. Vem nos “livros”. Os ingredientes usados para tentar “fritar” o alvo foram os que estão em manuais dos sem carácter, para quem todos os meios justificam os seus lucrativos fins e que mexeram os cordelinhos para orquestrar uma campanha que visava matar um jornal à nascença. E não se tratava de um jornal qualquer.
É um jornal liderado por um jornalista com vasta experiência, e que era visto como uma ameaça. Porquê? Porque andava a investigar médicos comprometidos com a indústria farmacêutica, com óbvios conflitos de interesses. E andava a investigar as sociedades médicas. E a poderosa e temida Ordem dos Médicos.
Portanto, em 23 de Dezembro do ano passado, dois dias após o nascimento do PÁGINA UM, uma suposta “cacha” caiu “por milagre” no colo da recém-estreada CNN Portugal. E logo num estagiário. E parecia fantástica. E era falsa. Mas, rapidamente, para sustentar a falsidade, “surgiram” vários médicos, prontinhos, com agenda disponível, a prestar depoimento, a dar a cara contra o “alvo” a abater. Uma coincidência. Ou melhor, uma providência. Uma “sorte”!
Para a CNN Portugal, para não queimar jornalistas tarimbados, foi só pôr um estagiário a fingir que ouvia o “alvo”, para dizer que até o contactaram. Mas era a fingir. Tudo o que o alvo dissesse seria para ignorar – como foi –, porque estragava a “cacha” que consistia nisto: uma página negacionista anti-vacinas expôs dados clínicos de crianças online. Grande “cacha”. Só que não.
Como o estagiário da CNN Portugal apurou junto do “alvo” (o diretor do PÁGINA UM), tratou-se de uma notícia publicada por um jornal online registado na Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC), fruto de uma investigação jornalística e elaborada por um jornalista com carteira profissional. Os dados eram anonimizados, respeitando a Lei e a deontologia. E o resultado da investigação comprometia o imaginado “consenso” sobre o impacte da covid-19 nas crianças, e portanto devia vacinar-se tudo o que mexesse.
Mais. A CNN Portugal além de saber tudo isto, também tinha a posição da Comissão Nacional de Proteção de Dados que confirmou que não havia problema nenhum na notícia do PÁGINA UM.
Mas mesmo sabendo que a notícia era falsa, a CNN Portugal avançou. Tinha, por milagre, cinco (CINCO!!!) médicos prontinhos a falar. E não era uns quaisquer. Era o presidente do Conselho Regional do Sul da Ordem dos Médicos. Era a presidente da Sociedade Portuguesa de Cuidados Intensivos Pediátricos. Era o presidente do Sindicato Independente dos Médicos. Era um pediatra do Centro Materno Infantil do Norte. Era o director do Serviço de Humanização e Ética do Hospital de S. João.
E voilá: com este naipe, a notícia falsa e difamatória ficou pronta a divulgar. E foi isso que a CNN Portugal fez em destaque, várias vezes ao dia, nos seus noticiários e no site. Em loop. Em replay. Dois dias depois de nascer o PÁGINA UM. Dois dias, apenas.
Convenientemente, e apesar de a CNN Portugal saber que tinha sido um jornal a publicar a notícia e não uma qualquer “página no Facebook”, a estação de TV mentiu. E cobardemente omitiu sempre o nome do jornal e do jornalista em questão. Um “truque” sujo que ajudaria a evitar um processo judicial com a desculpa de que não se queria fazer publicidade à tal página “negacionista”.
Depois, por outro “milagre”, rapidamente chegou aos ouvidos dos outros media que a CNN Portugal tinha publicado a notícia “chocante”. Em tempo recorde, a notícia falsa estava plasmada nos principais órgãos de comunicação social em Portugal.
Atenção: a própria Comissão Nacional de Protecção de Dados indicava que não havia problema nenhum com a notícia, porque não havia dados nominativos expostos; estava tudo anonimzado. Ainda assim, e apesar disso, a notícia falsa espalhou-se.
E note-se: na semana anterior, a directora-geral da Saúde tinha revelado a condição vacinal (um dado pessoal) de uma jovem com síndrome de Dravet, identificada pela comunicação social com nome e residência, e que alegadamente terá morrido em consequência de complicações por covid-19. Isto sim era revelar dados pessoais, mas nenhum dos médicos que quis participar na farsa da CNN Portugal deu um pio sobre aquilo que a Direcção-Geral da Saúde fez. Nem nenhum media mainstream.
Se o modus operandi seguido é vulgar e até amador, neste caso, não me espantou. Qualquer agência ou gabinete de comunicação (com maus princípios) dá conta do recado. “Facilita” informação. “Agiliza” nomes a entrevistar. Na sombra ou às claras.
Assim, a grande surpresa, para mim, foi mesmo a rapidez com que tantos directores de órgãos de comunicação social em Portugal acataram o “esquema” lançado inicialmente através da CNN Portugal.
Aquilo que o director do Público indicou agora ao Tribunal traz alguma luz e pode responder à questão. Os directores dos media trabalhavam para contribuir para “um consenso social” em torno do tema da vacinação.
O próprio Público assume a difamação! Ou seja, em nome do “consenso social”, valeu tudo: desinformação, mentiras, falsidades, fake news, destruição da reputação do “alvo” e assassinato de carácter. Mafia style.
Jornalismo? Código Deontológico? Estatuto do Jornalista? Tudo para a gaveta!
Só a ideia, na perspectiva do Jornalismo, é grotesca e aberrante. É o anti-jornalismo puro.
De resto, sabe-se que o que não existia era “consenso” em torno da vacinação, sobretudo de crianças e jovens.
O tal “consenso social”, imaginado pelas cabeças de directores de jornais e media em geral, só existiu devido à sua sede de agradar ao poder, aliado à baixa literacia científica existente na classe jornalística portuguesa. Mas não explica tudo. Os laços estreitos dos media mainstream com anunciantes e financiamento estatal deram uma ajuda.
Enfim, derrotado, o jornal Público, depois da CNN e do Observador terem feito o mesmo apenas após deliberações da ERC, vai ter agora de publicar o direito de resposta do PÁGINA UM na sequência da notícia falsa e difamatória que publicou em Dezembro do ano passado.
Mas note-se bem: o director do jornal, além de ter permitido a publicação da notícia falsa e difamatória, e conhecendo o trabalho do director do PÁGINA UM, tentou manter a difamação. Perdeu. Perdeu ele, o Público e o jornalismo. Porque é inaceitável este comportamento, ainda mais por parte de um director de um jornal como o Público.
Foram assim 10 meses de luta para tentar publicar um direito de resposta. A Sonae estará atenta ao seu jornal? Tempo gasto. Dinheiro gasto. E a reputação do Público a ser arrastada na lama pelo seu director que admitiu, perante o Tribunal, que defende que o jornal, que por agora dirige, deve contribuir para um “consenso social”. Saberá o que é Jornalismo?
Espero, sinceramente, que da próxima vez que a CNN Portugal divulgue uma notícia falsa para fazer uma campanha de difamação, alguém no Público actue para que o director do jornal não a copie para ajudar a criar… um “consenso social”. A desinformação e a difamação nunca foram artes de fazer jornalismo.
Mas espero também, pelo menos, que, se não aprenderem com os erros e os atropelos ao jornalismo (não só deontológicos), os media mainstream encontrem os leitores que merecem. E o futuro que merecem.
Aqueles que forem a tempo de aprender e de mudar o rumo, desejo boa sorte.
Mas, digo já, em tom de desabafo, que tenho pouca esperança de que algum tenha aprendido. Até porque os directores se manterão, os mesmos para quem valeu tudo nos últimos anos, até notícias falsas e difamação. Além de campanhas de ódio – que as houve – e de apoio ao regime de segregação e discriminação, sem qualquer base científica.
Por isso tudo, desejo o melhor, sim, mas ao PÁGINA UM, que após 10 meses de luta contra gigantes, continua a desempenhar o seu papel de investigar, de publicar notícias e de lançar o debate em temas cruciais para os portugueses. São já 10 meses de luta contra os Golias nos media, no poder político e no poder económico. São 10 meses de luta contra golpes baixos. Contra a ignorância, contra os conflitos de interesses, contra a opacidade e contra a corrupção.
Contra as pressões internas, incluindo as da ERC e da Comissão da Carteira Profissional de Jornalista.
Bem sei que os Golias podem ser muitos e às vezes aparentar serem avassaladores. Mas, de direito de resposta em direito de resposta; de processo em processo; de notícia em notícia, este David avança.
É uma ameaça para estes Golias? Sem dúvida. E ainda bem.