A apresentação de uma reflexão sobre a Humanidade, escrita pelo vice-presidente da Fundação Portuguesa de Cardiologia, Jacinto Gonçalves, acabou por ser o mote para um debate sobre a gestão da covid-19. Nós, os Humanos, foi apresentado este sábado na sede da Ordem dos Médicos, é uma obra que constitui uma síntese da História da Humanidade e também um alerta para a necessidade da defesa do Planeta. No debate de apresentação do livro, no auditório da Ordem dos Médicos, falou-se da pandemia, da liberdade de expressão e de opinião, das farmacêuticas e também da ingerência dos políticos em questões de Medicina.
Com o subtítulo “Quem somos, de onde vimos, para onde vamos?”, o novo livro de Jacinto Gonçalves, Nós, os Humanos, apresentado no sábado passado, é sobretudo uma “reflexão sobre a História da Humanidade e sobre os momentos marcantes da nossa evolução”, explicou o autor ao PÁGINA UM.
“Precisamos mudar de rumo no respeito pela vida e pelos valores humanos em que acreditamos”, defende o autor. Sobre a influência da sua longa carreira como médico e professor na criação do livro, Jacinto Gonçalves diz que o livro constitui o resultado de 23 anos de ensino e de falar em público. “Temos de tornar as noções complexas em noções simples que sejam facilmente transmitidas e captadas”, diz.
Uma das preocupações mostradas por Jacinto Gonçalves, em jeito de conclusão no seu livro, prende-se com a Revolução Industrial, que está a “provocar uma destruição maciça de ecossistemas e redução da biodiversidade”. Para o autor, o livro constitui um alerta para “a necessidade de as pessoas terem uma intervenção, se for possível, política, para defenderem o planeta”.
António Pedro Machado, um dos convidados na apresentação desta obra, considera que o livro de Jacinto Gonçalves revela “a metodologia de um pedagogo e a escrita de um homem muito culto, que dedicou a vida não só à Medicina e aos doentes como também à Cultura, o que é próprio da sua geração”.
Para este especialista em Medicina Interna, Nós, os Humanos é um livro que faz a cronologia dos acontecimentos, “mas que volta-e-meia faz-nos mergulhar naquilo que eu chamo um poço onde descemos milhares, por vezes, milhões de anos e depois faz-nos subir”. E acrescenta que “à medida que subimos no tempo, vamos relacionando fenómenos onde vamos percebendo melhor a evolução das coisas”.
A apresentação do livro contou também com a presença da psicóloga Joana Amaral Dias, que aproveitou para revelar uma “inconfidência” sobre como conheceu o médico Jacinto Gonçalves. “Foi num período bastante crítico na minha vida no que diz respeito à minha consideração, confiança e respeito pela classe médica.”
A psicóloga relembra que “no meio da crise de gestão da covid-19, fiquei perplexa porque apareceu-me um médico já de alguma idade, mas que era extremamente jovem, no sentido mais completo da palavra”. Joana Amaral Dias diz que foi graças a Jacinto Gonçalves e a outros médicos que restabeleceu essa confiança.
Sobre a abordagem ao livro e ao seu autor, Joana Amaral Dias considerou que “não é a cultura, não é o conhecimento, não é o dinheiro que faz de nós humanos; é o serviço à Humanidade”. E explicou que “a ética da Medicina, mostrada por Jacinto Gonçalves, e que me fez restaurar a consideração pela classe médica, é por revelar que essa Medicina não está ao serviço do dinheiro”. E concluiu: “A Medicina é, por vezes, uma serva, uma sabuja de grandes poderes económicos”.
Embora o livro aborde uma temática global sobre o percurso da Humanidade, a pandemia acabou por interferir de uma forma indirecta, concedendo a Jacinto Gonçalves mais tempo para a escrita. Mas também para a reflexão sobre a gestão da crise sanitária, que considera ter “amputado liberdades e garantias”.
Para este cardiologista, que exerce há mais de meio século, diz manter as suas posições críticas à forma como o SARS-CoV-2 se tornou omnipresente nas nossas vidas. “Daqui a seis meses, a covid-19 já passou, e já arranjaram outra coisa para nos entreter”, salienta, para acrescentar que, na sua opinião, foi “um meio, tal como sucederá com as alterações climáticas, para procurar controlar as pessoas”.
Num auditório para mais de meia centena de assistentes, Jacinto Gonçalves garantiu ser “um homem para todas as estações. Não mudo de opinião na Primavera”, lamentando ainda que os médicos se tenham “acomodado excessivamente ao poder político”, como sucedeu durante a pandemia. “Houve erros na gestão, principalmente na parte pré-hospitalar, porque se apostou numa única forma de combater a doença, que é a vacina”.
E confessando ter levado as duas primeiras doses da vacina contra a covid-19, o também vice-presidente da Fundação de Cardiologia diz agora que, com este tipo de vacinas, não está “disponível para continuar a levar reforços de seis em seis meses.” E critica também “a atitude impensável de juntar a vacina da gripe, com a qual eu concordo plenamente, com um reforço da covid-19”, assegurando que “se anda a brincar aos feiticeiros”.
Sobre a liberdade de expressão, que foi coarctada durante a pandemia, Jacinto Gonçalves lamenta que muitas opiniões válidas tenham sido “ocultadas ou impedidas de serem divulgadas”, e que poderiam ter sido implementadas. E exemplifica: “o primeiro grande erro foi o da prevenção, ao não utilizar-se medicamentos que são baratos e seguros, como é o caso da ivermectina. E depois foi o erro na fase pré-hospitalar, pois se um doente fosse testado positivo era mandado para casa com paracetamol; eu acho que isso foi criminoso”.
Sobre a indústria farmacêutica, Jacinto Gonçalves considera também que “houve ganhos que foram pouco honestos sobre a promoção excessiva de um único meio”, exemplificando como a vacina rendeu milhões. “As acções da Pfizer aumentaram cinco vezes”, destaca. Contudo, o médico não pretende contribuir para diabolizar esta indústria “tantas vezes denegrida”, relembrando o seu papel extraordinário na melhoria das condições de saúde.
Para o cardiologista, “houve uma enorme evolução dos anos 50 para os anos 90; em cada década aparecia uma nova classe de medicamentos”, graças às farmacêuticas, defende Jacinto Gonçalves. “Não foram os organismos estatais que conseguiram essa evolução, mas sim as empresas farmacêuticas, que, obviamente têm de dar lucro”, acrescenta.
Mas quanto aos políticos Jacinto Gonçalves não poupa críticas: “Lavam sempre as mãos como Pôncio Pilatos”, mostrando a sua preocupação por “a emergência sanitária estar a ser empurrada pelos poderes políticos, não só nacionais, como supranacionais”.
“Os direitos, liberdades e garantias que estão salvaguardados na Constituição desaparecem quando uns senhores quaisquer da Assembleia da República determinarem que há uma emergência sanitária. E isso não pode suceder”, adverte.