O Serviço Nacional de Saúde (SNS) precisa de reformas urgentes, que tentarei de forma sucinta identificar nestas linhas.
1) A relação da saúde com a tecnologia carece de uma reforma de mentalidade e de modo de actuar. Muitos contactos com o Serviço Nacional de Saúde (SNS) poderiam fazer-se por WhatsApp ou sistemas similares como o Skype, ou o Signal, ou Telegram, onde a presença com imagem se tornaria mais apelativa e diagnóstica. A massificação deste método permitiria poupar milhares de deslocações e reduziria listas de espera. Com uma conversa que seria olhos nos olhos estava construída uma relação de proximidade e com muitas características de modernidade, pois as análises, os exames complementares podiam ser realizados à distância e vistos e repassados por técnicos de saúde e doentes.
2) Uma melhor aposta na literacia em saúde em vez de um investimento absoluto no rastreio. Devemos ensinar os sinais de perigo de muitas doenças e devemos ensinar a conviver com pequenos problemas e pequenas lesões, sem drama, sem acrescento de ansiedade. O saber não ocupa lugar, e isso retiraria muita gente das urgências por lesões de lana caprina. Os rastreios não se mostraram melhores que a prevenção ganha por literacia em saúde. Ver e palpar a mama, e reconhecer o que é anormal.
3) A prevenção passa por educar para uma vida mais saudável, que recusa os excessos alimentares, que reduz os consumos, que responsabiliza as escolhas dos cidadãos. Temos de intervir na dieta da população, educando, negociando com as produtoras de hidratos de carbono e de comida que não é alimento. Responsabilizar pelos excessos de lixo e de hidratos e proteínas animais, criando impostos assertivos, dirigidos, para premiar os que optam pela sustentabilidade e a alimentação saudável.
4) Investir na redução de lixo dos hospitais. As quantidades enormes de consumíveis e de objectos não reutilizáveis foi uma filosofia e uma ideologia que premiava o negócio mais do que a sustentabilidade. A quantidade de lixo produzida por embalagens, pacotes e plásticos deve ser estudada, e idealizado outro caminho.
5) Os doentes com clínica importante devem estar nos hospitais mais do que em outras instituições. Nessa linha deve apostar-se em hospitais melhores que os cuidados continuados, onde a resposta à doença é realizada com vista à autonomia. Reabilitar doentes de pé diabético, obesidade mórbida, doença oral, doença psíquica com distúrbio social, fisioterapia do trauma e da doença vascular, pode ser feito em hospitais que rentabilizariam a sua acção na educação, ensino. Teriam uma componente hoteleira não hospitalar, mas uma funcionalidade de ambulatório com resposta emergente, se necessário, e de diagnóstico e encaminhamento às especialidades. Hospitais que chamaríamos de retaguarda, sem pijamas, com roupa de casa, com jardins, com caminhadas, com patuscadas.
6) A reforma da saúde oral e da saúde mental são urgentes. A segunda está a conduzir doentes aos presídios. A primeira é um sintoma da pobreza e da má condição social do país.
7) Independência dos doentes. Há uma importante caminhada a fazer para ter os doentes nas suas casas, construir encaminhamentos cultos e suportados que permitam que no domicílio, sempre que possível fora de instituições, as pessoas enfrentem os seus infortúnios sentindo-se acarinhados, apoiados, sem dor, sem manifestação clínica exuberante. Se estas surgem, o doente deve estar internado no hospital adequado. Na noção de independência incluo saber fazer pensos, retirar pontos, perceber o que está bem e não está.
8) Reavaliar protocolos insanos onde se coloca medicação encarniçada para pessoas em fim de vida. Ser idoso não obriga a tomar estatinas, a ser consumidor de anticoagulantes, a tornar-se detentor de uma caixa de vinte fármacos. Com coragem há que rever os protocolos que conduzem cada pessoa que vai a um hospital, cada pessoa com mais de 85 anos acamada, a um calvário de estudos dispendiosos e muitas vezes inadequados e desnecessários. Protegem-se muito os funcionários com linhas orientadoras que consomem inúmeros recursos.
9) Investir no envelhecimento saudável. Um envelhecimento no lugar de sempre, no apoio à melhoria das habitações, corrigindo constrangimentos, mudando banheiras em polibans, apoios para não cair, legalidade em favor da mobilidade. Sou manifestamente mais a favor de sustentar os indivíduos do que levá-los para instituições. As doenças infectocontagiosas comprovam que a concentração institucional dos idosos é uma barbaridade com mortalidade. Construir mecanismos que apoiam as famílias a serem cuidadoras dos seus idosos, com formação adequada, gerando emprego aos que o não tinham ou aos que queiram converter-se em cuidadores. Estas medidas reduzem o número de instituições cuidadoras e melhoram as famílias.
Tenho consciência de que estas propostas não estão na linha mestra ou no foco dos dirigentes da saúde, que preferem claramente o tratamento à prevenção, que escolhem manifestamente as instituições ao envelhecimento em casa junto das famílias, que odeiam a independência dos doentes, porque constroem negócios de cuidar.
Diogo Cabrita é médico
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