Já se encontra no Tribunal Administrativo, entregue em mão em envelope lacrado, o famoso “esboço embrionário, que consubstancia um mero ensaio para um eventual relatório”, a peça de elevada Ciência do Instituto Superior Técnico sobre o impacte das festas populares de Junho na mortalidade.
Cabe agora à juíza do processo saber se o “esboço embrionário” é semelhante a uns rabiscos num guardanapo de papel que, enfim, acabou como notícia alarmista na Lusa (e a viralizar na imprensa mainstream, que o publicou sem nunca o ver), ou se estamos perante um “estudo” (independente da sua qualidade) que deverá ser escrutinado do ponto de vista científico.
Se o Tribunal Administrativo de Lisboa considerar que se está perante um “esboço”, o PÁGINA UM não terá acesso, mas fica-se a saber que a Lusa fez uma notícia alarmista vendendo a “notícia” como tendo por base um relatório (que não existia), fazendo mesmo supostas citações. E que toda a imprensa mainstream viralizou uma fake news.
Mas se o “esboço” for afinal uma péssima desculpa para não mostrar um mau estudo científico, então teremos uma excelente oportunidade de esquadrinhar o modus operandi da investigação em Portugal nos estranhos tempos que correm, onde a ausência de rigor e a falta de transparência e humildade convivem com maus cientistas.
Este caso é exemplar: que saiba, esta será a primeira vez que uma instituição universitária se vê pressionada pela imprensa a prestar contas públicas sobre a qualidade científica daquilo que sai sob sua chancela.
A questão central, saliente-se, não é a idoneidade do Instituto Superior Técnico; pelo contrário: é em defesa desta instituição que o PÁGINA UM está nesta cruzada.
Não é aceitável que determinados investigadores, ainda por cima encabeçados pelo seu presidente, usem a credibilidade científica de uma centenária instituição universitária para passarem, activa ou passivamente, informação não validada.
E ainda mais quando se estava perante um assunto da máxima sensibilidade social. E nem sequer já vale a pena salientar a postura com que os investigadores do Instituto Superior Técnico, e em particular o seu presidente, Rogério Colaço. A indisfarçável soberba com que recusaram prestar quaisquer contas a um jornalista que lhes solicitou provas das conclusões que estavam a circular em nome daquela instituição é o paradigma daquilo que não pode ser a Ciência, daquilo que não deve ser a relação entre os cientistas e a sociedade.
Note-se que no pedido do PÁGINA UM estão incluídos também os anteriores relatórios do Instituto Superior Técnico desde Junho do ano passado, que nunca foram classificados como “esboço embrionário”; e por isso, independentemente, da decisão da juíza, certamente haverá possibilidade de analisar criticamente os outros relatórios elaborados desde Junho do ano passado em articulação com a Ordem dos Médicos.
Isto é a democracia a funcionar. E o jornalismo independente e sem medo a trabalhar. Incomoda? Claro. Mas se não incomodasse não seria jornalismo.