PELOTA EM PELOTA

Ó Jorge… ¿Por qué no te callas?

black net

por Tiago Franco // Novembro 27, 2022


Categoria: Opinião

minuto/s restantes


Carlos Queiroz viu-se envolvido numa série de polémicas por causa da situação política no Irão. Primeiro, com jornalistas e as suas perguntas sobre o regime; e agora com Jurgen Klinsmann que, na BBC, disse que a vitória do Irão sobre o País de Gales tinha acontecido graças à pressão exercida sobre os árbitros.

Devo confessar que não tenho grande impressão sobre o trabalho de Carlos Queiroz. Depois daquela final do Mundial de Juniores em 91 – disputada num Estádio da Luz repleto com 120 mil almas, entre as quais a minha, a gritar a plenos pulmões depois do penalti vencedor batido por Rui Costa –, não me lembro de nada relevante. Ou como lhe gritou Ronaldo, a partir da linha lateral no Mundial de 2010, depois de mais uma substituição desastrosa, “assim não dá, Carlos!”

Carlos Queiroz

Mas, nesta polémica, está ele carregado de razão. Se a cada conferência de imprensa os jogadores e treinadores do Irão têm de fazer uma análise política, militar e social – que em muito ultrapassa aquilo para que foram ao Qatar (jogar à bola, lembremo-nos) –, é justo que, como diz Queiroz, comecem a interrogar os selecionadores norte-americano e inglês sobre a retirada do Afeganistão e a colocação dos talibã no poder. Ou, acrescento eu, inquiram Tite sobre a desflorestação da Amazónia durante os quatro anos de Bolsonaro. Ou, porque não, perguntem ao francês que dirige a Arábia Saudita o que acha sobre os bombardeamentos no Iémen e o embargo ao país anfitrião. Olha, e já agora: que tal questionar o selecionador do Qatar sobre as condições de trabalho proporcionados aos migrantes asiáticos no país?

Então temos ali tanto material bom para uma aula de Ciência Política e Cultura Geral e, aparentemente, ficamo-nos pelo regime iraniano para o Queiroz comentar, enquanto os restantes treinadores apenas têm de justificar o 4-4-2 com médios basculantes? É pena que assim seja. Podíamos, de facto, aprender muito com o futebol e as conferências de imprensa dos treinadores a comentar política.

man in black suit jacket standing in front of people

Até a FIFA tem alguma dificuldade em manter a cara nesta polémica. Em certo dia, diz a FIFA que o Mundial não é sítio para política, pedindo o fim das manifestações pelos direitos humanos ou pela defesa da comunidade LGBTQIA+. No dia seguinte, afinal, já se podem fazer declarações e decisões políticas, afastando a Rússia de qualquer competição. Não sei se algum dos jogadores russos enviou um rocket algures.

Também já se vê que se pode discutir regimes se for o do Irão. Já não se pode discutir se for de um dos Estados do petróleo no Médio Oriente ou se for necessário retirar um invasor de território asiático e colocá-lo a jogar nas provas europeias da UEFA.

Portanto, ser permitido misturar política com futebol depende do alvo e do dia da semana.

Mas o Jurgen Klinsmann não se contentou com as suspeitas lançadas sobre a arbitragem e também fez comentários sobre a cultura iraniana, misturando-a com a sua forma de jogar. Assim uma espécie de racismo, que no caso alemão uma pessoa nem leva a mal, porque leu alguns livros de História. Klinsmann, ex-selecionador norte-americano, curiosamente o adversário com quem o Irão discutirá o apuramento, e actual funcionário da FIFA, faz o que pode pelo lado de fora. Coloca pressão numa equipa que já joga com um enorme peso nos ombros, desafiando o regime e sem qualquer culpa na situação política que se vive no seu país.

Jurgen Klinsmann

Klinsmann é por isso, um escroque. Para não lhe chamar algo que Alberto João Jardim designaria como sinónimo de bastardo.

Queiroz, repito, não faz o meu tipo, mas, desta vez, está carregado de razão e espero que vença o próximo desafio. A um homem que um dia tirou o Paulo Torres para colocar o Pacheco, e dar-me, dessa forma, um dos melhores dias da minha vida, devo pelo menos a justa solidariedade.

Tiago Franco é engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)


N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

O jornalismo independente DEPENDE dos leitores

Gostou do artigo? 

Leia mais artigos em baixo.