E pergunto-me porquê, em silêncio (e por vezes falo alto, mantenho a criança viva, não resisto a esse prazer, de atirar pedras ao charco).
É como mergulhar na água. Fundo. A sensação de asfixia. A privação de oxigénio no cérebro que se governa no mínimo, confuso pelo som denso que se abate nos tímpanos e aperta com força, luz estranha e fria que entra nos olhos, ar líquido que jorra nariz acima.
Que difícil que é pensar, que difícil que é saber. Quanto mais proclamar.
(Quem proclama são os psicopatas.)
Procurar as histórias exige caminho e é penoso. Exige mergulhos. Mas o mais difícil não é isso. O mais difícil é mantermos o papel de observador intensamente. O mais difícil é ter uma opinião e ter o seu contrário também.
(Podemos ser ambos.)
Certamente que Adolf Hitler era um carinhoso dono para seus cães. (Preferem a menção da sua namorada ou dos seus animais domésticos?) Aliás, até era vegetariano. Mas ninguém quer ver a humanidade do monstro ou do psicopata, até porque mergulhando e gerindo o cérebro nos mínimos com os sentidos confusos pela agressão, é importante engavetar e priorizar.
(São sempre patriotas os psicopatas?)
E vende-se a ideia de que boa que é a pátria. Esse “grande substantivo abstracto” como li o António dizer (o Lobo Antunes). Que medo mete a pátria, que a qualquer momento timonada por psicopatas nos manda para a guerra e para a fome. (Golo!)
Festejemos as poucas alegrias que nos pode dar a bandeira, que a “bucha é dura, mais dura é a razão que a sustém” (como disse o Torga, e depois o Zeca também).
O pai dá e o pai tira.
Certamente que urge salvar o planeta. Desde sempre. Que maçada a nossa existência e acima de tudo a existência dos outros. E acima de tudo a diferença. E a indiferença também. Que confronto, que agressão aos sentidos (e o cérebro a ficar sem ar).
O ar já esteve tão sujo que, ainda mais com a fome, as pessoas tinham síncopes no meio da rua (foi há pouco tempo). Andavam descalças (e era proibido) mas afinal se pelo menos não estiver frio na verdade isso até faz bem à coluna (ai, as ironias dos paradigmas). Agora está o ar mais limpo, mas não chega, e continuam as crianças a colarem-se às paredes com palavras de ordem.
Constrói, destrói, constrói de novo. O papel do arquitecto é conduzir a água para fora, porque entrar, ela vai entrar sempre.
(Tenho pensamentos que se intrometem enquanto tento rever as histórias que ouvi.)
Um homem de ar macilento e pescoço esguio explica-me que a sua qualidade de vida aumentou e a sua saúde melhorou desde que se tornou vegan. Fico feliz por ele.
Outro homem com ar robusto e pele curtida do sol troça dele e, enquanto leva o guisado à boca, explica que vegetal não puxa carroça. Rio-me. De facto não consigo imaginar que puxe. Imagino até que por entre a honra de respeitar cada animal ao ponto de não o matar não seja fácil conciliar isso com as necessidades do corpo, embora evidentemente seja possível.
Conciliar o transcendente com o terreno não é fácil (e o cérebro sem ar debaixo de água), é um exercício de uma vida inteira (para alguns nem é para uma vida só), mas é, acima de tudo, o caminho de cada um.
(O individualista ou o colectivista.)
O individualista defende de pedra e cal a sua liberdade, a sua livre iniciativa, a sua independência e autonomia (a pedra ergue, a cal queima). A democracia parece ser o sistema perfeito para conciliar e proteger o individualismo (será? Ou não tivemos uma ideia melhor até agora?)
O colectivista defende o bem comum, o enxame, o formigueiro, a estrutura massiva e maciça a progredir num só corpo, numa só mente, ninguém fica para trás (tirando os danos colaterais, isso acontece, é a vida, não é?)
Pelos vistos, os malvados individualistas querem continuar a comer guisado com vacas poluidoras em flatulência excessiva, das quais temos muita pena do sofrimento e morte delas mas, ao mesmo tempo, mais vale elas não serem tantas porque… O planeta é finito. (E alguém disse que éramos oito mil milhões na última contagem de cabeças de gado! Melhor explicar aos miúdos que se colem às paredes e que não tenham filhos!)
Pelos vistos também, os malvados colectivistas querem obrigar-nos a todos a comer alface e farinha de larvas, mas é pelo bem do planeta, e porque coitadinhos dos animais. E a acção de cada um importa! (Curioso, parecem um individualista neste ponto…)
E como disse o Herman neste momento “eu, é mais bolos.”
A mãe cria e a mãe morre.
Eu quero saber porque é que se está a morrer mais no mundo. Agradecia que permitissem cavar essa verdade em vez de cavar o buraco entre especulações. Eu não quero contar histórias, quero ouvir.
Alguém informe por favor os Tribunais e todos os Jornalistas, que nós os comuns não queremos ideologias, só gostávamos que, para variar, por entre a dureza da bucha, nos dissessem a verdade.
Mariana Santos Martins é arquitecta
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