Título
O príncipe
Autor
NICOLAU MAQUIAVEL
Editora (Edição)
Ideias de Ler (Outubro de 2022)
Cotação
16/20
Recensão
Será mau o lobo, e bom o cordeiro? A moral judaico-cristã dir-nos-ia que sim, mas Nicolau Maquiavel certamente discordaria. Há mais de cinco séculos, o filósofo, diplomata e político nascido em Florença escreveu O príncipe, agora um clássico que dispensa apresentações, agora reeditado pela Ideias de Ler. Considerada uma das mais importantes e pioneiras obras da filosofia moderna e da ciência política, O príncipe é, em suma, um manual de instruções para líderes políticos sobre como atingir e manter o poder.
Sendo largamente inspirado no implacável duque César Bórgia, filho ilegítimo do Papa Alexandre VI, este tratado político proscreveu todas as normas morais vigentes na época, o que originou o sobejamente conhecido, e pejorativo, termo "maquiavélico" – que se tornou um sinónimo de matreiro, diabólico, velhaco.
No entanto, citando um provérbio português, quem diz a verdade não merece castigo; e há uma certa injustiça em acusar Maquiavel de "maquiavelismo". Aquilo que o filósofo italiano fez não foi mais do que uma descrição nua e crua das dinâmicas de poder que a sua posição lhe permitiu observar de perto. Assim, a moral só ficou de fora de O príncipe, porque também fica, amiúde, nas relações humanas e sobretudo naquelas que envolvem poder e domínio. Além disso, convenhamos, a obra não pretende ser romântica, mas realista. Por isso, é uma análise despudorada da condição humana que choca as mentes puritanas, por desafiar a moral católica como pretenso barómetro dos hábitos e bons costumes.
Também é importante entender-se o contexto histórico da época em que Maquiavel escreveu a obra, designadamente a instabilidade e a fragmentação política e governativa que assolava a península italiana renascentista, e que a tornava palco de constantes e disruptivas lutas pelo poder.
Um estratega perspicaz, Maquiavel explica como deve o príncipe incumbente administrar os vários tipos de principados. Argumenta que o reinante deve fugir tanto do desprezo como do ódio, bem como dos bajuladores. Explica ainda como deve o líder tratar os seus aliados e súbditos, e preconiza que mais vale ser temido do que amado – mas nunca odiado. Defende que deve estar-se sempre preparado para usar a força e para fazer a guerra, aproveitando os tempos de paz, não para baixar a guarda, mas para exercitar-se ainda mais.
A obra terá sido uma referência para vários líderes e governantes nestes últimos séculos, incluindo Napoleão Bonaparte, Henrique VIII, Luís XIV, Estaline e Hitler – o que abona a favor da eficiência dos pressupostos defendidos. Hoje, também continua a constar da bibliografia de políticos e dos seus conselheiros.
De facto, mesmo após mais de cinco séculos da sua publicação, O príncipe continua relevante e os seus argumentos actuais, o que mostra que a natureza do Homem e do poder tem um carácter fortemente imutável; mesmo que as técnicas utilizadas se sofistiquem. Afinal, quem não identifica, por exemplo, esta exortação no cenário político contemporâneo?:
"Deve, além disso, nas convenientes alturas do ano, ter os povos ocupados com festas e espetáculos; e, porque toda a cidade está dividida em corporações ou em classes, deve ter em conta estes coletivos, reunir-se com eles algumas vezes, dar de si exemplos de humanidade e munificência, detendo, no entanto, sempre firme a majestade da sua dignidade, pois isso jamais deve faltar em alguma coisa."
Moralmente reprovável ou não, a leitura deste clássico é imprescindível para todos. Quem quer aprender a ser maquiavélico, deve ler O príncipe. Quem não se quer deixar levar por um, também.