EDITORIAL

De 6 de Dezembro de 2021 até 6 de Dezembro de 2022: um ano de luta do PÁGINA UM para saber a verdade por detrás das vacinas contra a covid-19

Editorial

por Pedro Almeida Vieira // Dezembro 6, 2022


Categoria: Opinião

minuto/s restantes


Hoje é dia 6 Dezembro de 2022. Há exactamente um ano, no dia 6 de Dezembro de 2021, o PAGINA UM apresentava dois requerimentos ao presidente do Infarmed, Rui Santos Ivo, para acesso a base de dados (Portal RAM) sobre as reacções adversas às vacinas contra a covid-19 e ao anti-viral remdesivir, comercializado pela farmacêutica Gilead.

O pedido teve logo a recusa liminar do Infarmed – um organismo que tem mostrado estar mais ao serviço das farmacêuticas do que da saúde pública, dirigido por um “homem de mão” daquele sector. Rui Santos Ivo foi director executivo da Associação Portuguesa da Indústria Farmacêutica entre 2008 e 2011, e está na “máquina” (pouco) reguladora do medicamento desde 1994, com alguns intervalos em cargos burocráticos europeus e nacionais da saúde, mais conhecido por esconder do que revelar informação sensível.

O PÁGINA UM recorreu à Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos (CADA), que em 16 de Março deste ano considerou que deveria ser facultado o acesso ao Portal RAM, expurgando dados nominativos – o que é aceitável e até recomendável –, até porque, referia-se no parecer, “o interesse público no conhecimento de elementos que possam informar quanto à segurança da vacina é, por conseguinte, manifesto”.

Mas o interesse público é uma batata para o grande defensor do secretismo da indústria farmacêutica de seu nome Rui Santos Ivo e mais a sua equipa. E assim, o Infarmed mandou o parecer da CADA às malvas e insistiu na recusa. No dia 1 de Abril deste ano, o regulador defendeu que só deve ser do conhecimento do público “os dados constantes da base de dados EudraVigilance”, mas, como se sabe, estes são apenas apresentados em formato agregado, sem qualquer detalhe informativo.

Perante esta situação, o PÁGINA UM decidiu apresentar uma petição junto do Tribunal Administrativo de Lisboa. É um processo considerado urgente que corre termos mesmo em tempo de férias judiciais. Foi o primeiro processo dos 14 já apresentados que teve o apoio imprescindível dos leitores, através do FUNDO JURÍDICO. Foi no dia 20 de Abril deste ano. Passaram já sete meses e meio. Ou, mais precisamente, 230 dias.

Nestes 230 dias, o Infarmed mais não fez do que manobras para ludibriar os já três juízes que pegaram no processo, tentando demonstrar, através da sociedade de advogados BAS – que tem coleccionado contratos por ajuste directo com mais de uma dezena de entidades tuteladas pelo Ministério da Saúde – que os dados do Portal RAM se encontram na Eudravigilance e que é impossível anonimizá-los. Em suma, dizem que querem proteger a identidade das pessoas que lá constam, quando, na verdade, mantendo na obscuridade os efeitos adversos – porque os relatórios que disponibilizam trimestralmente são apenas números manipuláveis – estão a contribuir para desproteger a saúde das pessoas.

Atente-se: é ridículo alegar a impossibilidade de anonimização de uma base de dados, porque qualquer uma permite seleccionar campos e variáveis, retirando assim o nome das pessoas. Anonimizar dados informáticos relativos à saúde é a tarefa mais banal e fácil do mundo, mas tem sido o argumento mais usado pela Administração Pública para recusar o acesso.

O processo no Tribunal Administrativo de Lisboa sobre o acesso ao Portal RAM, convém dizer, não tem estado parado, tendo em conta as suas particularidades. E, neste caso, até tem tido uma evolução pouco normal – em comparação com outros processos similares intentados pelo PÁGINA UM.

Conversa amena entre o presidente do Infarmed e o ex-jornalista André Macedo em serviço para a Afifarma.

No último despacho, desta vez da juíza Sara Ferreira Pinto, ficou finalmente definido, após alegações e contra-alegações de ambas as partes, o “objecto de litígio”:

1) Saber se o designado “Portal RAM” é a base de dados da qual conste informação sobre as reações adversas ao antiviral Remdesivir, sob as formas usadas comercialmente pela Gilead Sciences, desde Março de 2020 até à data e que serviu para a elaboração do Relatório de Farmacovigilância // Monitorização da segurança das vacinas contra a COVID-19 em Portugal;

2) Saber se além da base de dados referida em 1) a requerida possui documentos relacionados com as reações adversas a medicamentos, nomeadamente, ao antiviral Remdesivir, sob as formas usadas comercialmente pela Gilead Sciences, desde Março de 2020 até à data, e/ ou documentos que serviram para a elaboração do Relatório de Farmacovigilância // Monitorização da segurança das vacinas contra a COVID-19 em Portugal;

3) Saber se os dados contidos na base de dados referida em 1) e/ ou nos documentos referidos em 2) permitem a identificação da pessoa a que respeitam, de forma direta ou indireta, especificamente saber se os dados relativos à saúde permitem a identificação da pessoa a que respeitam, de forma direta ou indireta.

Rui Santos Ivo; presidente do Infarmed: há um ano a esconder dados do Portal RAM.

4) Em caso de resposta afirmativa ao TP 3), saber se é possível consultar a base de dados referida em 1) sem que seja possível a quem efetua a consulta identificar a pessoa a que os dados, designadamente os dados de saúde, respeitam.

5) Em caso de resposta afirmativa ao TP 3), saber se é possível expurgar dos documentos referidos em 2) os dados que permitem, de forma direta ou indireta, a identificação da pessoa a que respeitam.

6) Saber se a base de dados EudraVigilance não contém a informação discriminada e detalhada sobre Portugal que existe no Portal RAM.

Para “auxiliar” o Tribunal, a juíza aceitou que o Infarmed indicasse uma testemunha, que deveria exercer o seu depoimento, e ser questionada pelos advogados das partes. O Infarmed indicou uma técnica: Márcia Silva, directora de Gestão do Risco de Medicamentos.

Fez bem.

person holding white plastic bottle

Quanto ao PÁGINA UM apresentou um requerimento para que, além desta senhora, seja também exigido o testemunho presencial de Rui Santos Ivo , presidente do Infarmed… Precisamos de saber, pela sua boca, as explicações técnicas, comerciais ou políticas para tanta luta para manter secreta uma base de dados de tão grande relevância para a saúde pública.

Na verdade, um ano depois, mais se deve perguntar: o que esconde o Portal RAM para não ser mostrado? Quem é o amo do Infarmed: os cidadãos ou os políticos e a indústria farmacêutica?

É isto que, na verdade, estará em causa no processo do Tribunal Administrativo de Lisboa.


Este e outros processos de intimação são suportados pelos leitores através do FUNDO JURÍDICO, na plataforma MIGHTYCAUSE. Caso prefira apoiar por outro método, consulte AQUI.

O jornalismo independente DEPENDE dos leitores

Gostou do artigo? 

Leia mais artigos em baixo.