Sem motivos válidos para silenciar Donald Trump, no início de 2021 os executivos do Twitter definiram uma estratégia para suspenderem a conta do então ainda presidente dos Estados Unidos. A pressão de funcionários da rede social venceu e a conta de Trump foi suspensa a 8 de Janeiro do ano passado, dois dias após a invasão do Capitólio. Enquanto isso, as contas de outros líderes políticos mundiais não foram suspensas, apesar dos conteúdos gravíssimos de alguns dos seus tweets. Esta é a mais recente revelação dos chamados “Twitter Files”, que têm demonstrado ainda como a rede social censurou vozes conservadoras, protegeu o então candidato presidencial democrata Joe Biden, e silenciou cientistas de topo que se mostraram contra as medidas de combate à covid-19.
O Twitter decidiu banir Donald Trump a 8 de Janeiro de 2021, dois dias após a invasão ao Capitólio, apesar de os funcionários terem reconhecido explicitamente, em mensagens internas, que o antigo presidente norte-americano não tinha violado nenhuma das regras da rede social com os seus dois últimos tweets.
Nas publicações em causa, feitas durante a manhã do dia da sua suspensão, Trump informava que não estaria presente na cerimónia de inauguração de Joe Biden. Escreveu ainda: “Os 75.000.000 grandes Patriotas Americanos que votaram em mim, AMERICA FIRST [América em primeiro], e MAKE AMARICA GREAT AGAIN [fazer a América grande outra vez], terão uma VOZ GIGANTE no futuro. Não serão desrespeitados nem tratados injustamente de forma nenhuma!!!”.
Divulgadas durante a tarde de ontem pela jornalista Bari Weiss, as novas informações da quinta parte de “Twitter Files”, revelam as conversas entre os executivos da empresa que resultariam na eliminação da conta de Trump. [Pode ler aqui a cobertura que o PÁGINA UM tem estado a fazer deste caso.]
Entre exclamações e congratulações, a suspensão de Trump foi efusivamente celebrada pelos funcionários da rede social. “Well this feels like a piece of history” [“bem, isto parece histórico”, comentou um deles]. Com efeito, como adianta Bari Weiss, vários membros do staff consideravam mesmo que a decisão só pecou por tardia.
Houve, no entanto, alguns funcionários que não aprovavam a decisão. Um deles explicou: “talvez porque venho da China, percebo muito bem como a censura pode destruir o debate público”. Ao que obteve como resposta de um colega: “eu compreendo esse receio (…), mas a censura pelo Governo é muito diferente de censura ao Governo”.
Os funcionários do Twitter não escondiam a vontade de banir Trump da rede social, e mais de 300 chegaram a redigir uma carta aberta, publicada pelo Washington Post, que instava o então presidente-executivo da empresa, Jack Dorsey, a tomar essa decisão.
Mas havia um problema. A deliberação da equipa do Twitter responsável por ‘avaliar’ os tweets era clara: Trump não tinha violado nenhuma regra. Anika Navaroli, uma executiva da rede social, informou o staff: “[o departamento de] Segurança analisou o tweet de DJT [Donald John Trump] e determinou que não houve, desta vez, nenhuma violação das nossas regras”.
Não satisfeitos com o comunicado, menos de duas horas depois, alguns funcionários argumentaram que Trump incitou à violência de forma “codificada”. Vijaya Gadde, chefe do departamento de “Leis, Políticas e Confiança”, lançou dúvidas sobre se, os “patriotas americanos”, que Trump disse que “não iriam ser desrespeitados nem tratados injustamente de forma nenhuma” seriam os “invasores” do Capitólio. Estava assim dado o mote. Algumas horas depois, o Twitter anunciaria a suspensão por tempo indeterminado de Trump devido a “risco de incitamento acrescido à violência”.
Depois de finalmente atingirem o seu objectivo, os funcionários do Twitter já engendravam novos actos de censura. Um membro da equipa disse que a conta de Donald Trump Jr [filho de Trump] “tinha também de ser fechada”. Outros, por seu turno, congeminaram então um combate à alegada “desinformação médica”.
Como destaca a jornalista Bari Weiss, a decisão de banir o antigo presidente norte-americano por “incitamento à violência” acaba por ser caricato face à ausência de reacção de tweets de outros líderes políticos com apelos directos e explícitos à violência e à discriminação.
Foi o caso de um tweet do antigo primeiro-ministro da Malásia, Mahathir Mohamad, que afirmou em Outubro de 2020 que “os muçulmanos têm o direito de estar zangados e a querer matar milhões de franceses”. O Twitter apenas removeu a publicação por “glorificar a violência”, mas Mohamad não foi expulso da rede social.
E há mais. Em Fevereiro de 2021, o governo do primeiro-ministro indiano, Narendra Modi, ameaçou deter funcionários do Twitter na Índia por terem readmitido centenas de contas que o criticavam. Também esta situação não mereceu a suspensão da conta de Modi.
Para além destes, Weiss refere ainda casos de dualidade de critérios do Twitter, que envolvem, por exemplo, o líder supremo iraniano, Ayatollah Khamenei, o actual presidente da Nigéria, Muhammadu Buhari, e o primeiro-ministro da Etiópia, Abiy Ahmed.
Após a suspensão da conta de Donald Trump, algumas figuras políticas internacionais – incluindo o presidente francês Emmanuel Macron e a antiga chanceler alemã Angela Merkel – ainda chegaram a condenar a decisão. E Alexei Navalny, líder da oposição russa, qualificou, na altura, a conduta do Twitter como “um acto inaceitável de censura”. Mas a antiga administração da rede social manteve o banimento.
Bari Weiss concluiu a quinta parte de “Twitter Files” explicando que não são as “decisões executivas” de uma rede social que estão em causa nesta investigação, mas o “poder de uma mão cheia de pessoas de uma empresa privada para influenciar o debate público e a democracia”.