Anteontem foi o dia mais mortífero do ano, com 471 óbitos. Os últimos dias têm mostrado um agravamento da mortalidade total, mesmo observando-se um abrandamento dos casos de urgência hospitalar e de infecções respiratórias. De que estão a morrer os portugueses? Ninguém sabe, porque o Ministério da Saúde não divulga os seus estudos e a Administração Central do Sistema de Saúde ainda não cumpriu uma sentença do Tribunal Administrativo de Lisboa, cedendo dados sobre morbilidade e mortalidade hospitalar.
Pelo terceiro ano consecutivo, a mortalidade total em Portugal ultrapassará os 120 mil óbitos, segundo estimativas do PÁGINA UM com base nos números registados até 13 de Dezembro de 2022. A situação já era expectável ao longo do presente ano, com sucessivos meses, sobretudo na Primavera e Verão, a baterem recordes de mortalidade no período democrático, embora em Outubro e Novembro se tenha verificado um menor excesso de mortalidade.
Porém, com a meteorologia mais agreste – embora ainda sem frio –, o mês de Dezembro está a dar sinais de vir a ser muito mais inclemente, mesmo se se está a observar um abrandamento no fluxo das urgências e da prevalência das infecções respiratórias, que tiveram o seu auge, por agora, em meados de Novembro.
Certo é que, consultando os dados do Sistema de Informação dos Certificados de Óbitos (SICO), desde o dia 5 deste mês de Dezembro, a mortalidade total tem estado em níveis extremamente elevados, por norma bem acima dos 400 óbitos, o que constitui uma situação raríssima na primeira quinzena do último mês do ano.
Seis dos 13 primeiros dias de Dezembro estão com mortalidade total acima dos 400 óbitos, e na segunda-feira passada atingiu-se os 471 óbitos, o valor máximo deste ano. Este número ainda pode vir a subir com as habituais actualizações. O anterior máximo registara-se em 14 Julho (459 óbitos).
De acordo com estimativas do PÁGINA UM, se até ao final de Dezembro se observar um nível de mortalidade similar ao dos primeiros 12 dias do mês, o ano de 2022 terminará ligeiramente acima dos 125 mil óbitos. Esse número (125.077) será ligeiramente inferior ao de 2021 (125.231). No entanto, se houver um agravamento, 2022 pode mesmo suplantar 2021, “bastando” que entre hoje e o dia 31 de Dezembro a mortalidade média diária suba para os 412 óbitos, o que não se afigura impossível. Por exemplo, nesse período, em 2020 atingiu-se os 418 óbitos de média diária, e em 2016 – portanto, muito antes da covid-19 – o número esteve próximo (409).
Certo é que os três últimos anos terminarão com um excesso absurdamente elevado face aos três anos anteriores, o que não se explica apenas com a mortalidade por covid-19 e pelo envelhecimento populacional. Somando a mortalidade entre 2020 e 2022 (estimada até final de Dezembro) atingem-se cerca de 374 mil óbitos, enquanto nos três anos anteriores se contabilizam 336.140 óbitos. Ou seja, estamos perante um aumento de cerca de 38 mil óbitos, ou, em termos relativos, de 11%.
Mesmo considerando que, de acordo com dados oficiais – não validados de forma independente, saliente-se – se registaram 25.584 óbitos por covid-19 em Portugal, significa que o acréscimo não-covid será superior a 12 mil. Em todo o caso, convém salientar que a mortalidade por outras doenças fora do âmbito respiratório situar-se-á em valores muitíssimo superiores, porque durante a pandemia houve uma redução muito substancial de mortes pelas habituais pneumonias e doenças afins.
Recorde-se que o PÁGINA UM aguarda que a Administração Central do Sistema de Saúde cumpra a sentença do Tribunal Administrativo de Lisboa, disponibilizando a base de dados dos Grupos de Diagnósticos Homogéneos para se poder fazer um balanço mais rigoroso através da mortalidade hospitalar.
O grupo etário dos mais idosos (acima dos 85 anos) tem sido o mais fustigado pela mortalidade – que, obviamente, tem uma taxa muito superior à das outras idades –, com valores excepcionalmente elevados este ano face aos anos anteriores. Este ano, até ao dia de ontem, se contabilizaram 52.420 óbitos de pessoas com mais de 85 anos, valor que contrasta com os 51.213 óbitos em período homólogo do ano passado, que já era o pior desde que há registos.
Este autêntico gerontocídio – também não explicado apenas pela covid-19, ainda mais face à elevada taxa de vacinação nos últimos dois anos contra aquela doença, nem pelo empobrecimento – fica bem patente quando se compara os anos da pandemia com os anteriores. Com efeito, entre 15 de Março de 2017 e 13 de Dezembro de 2019 (pré-pandemia), o SICO regista 124.457 óbitos de pessoas com mais de 85 anos; o número de mortes desde a primeira morte da covid-19 (15 de Março de 2020) e o dia de ontem (13 de Dezembro de 2022) já vai em 148.040, ou seja, um acréscimo de 19% (mais de 23.500 óbitos).
O Ministério da Saúde continua sem revelar para quando estará concluído o estudo prometido sobre as causas do excesso de mortalidade em Portugal, embora o ministro Manuel Pizarro já tenha afirmado que os fenómenos extremos tiveram “profundo efeito” na saúde dos portugueses – uma afirmação que carece de provas e de disponibilização de dados oficiais que possibilitem uma análise independente.