Covid-19: Artigo científico do mais citado epidemiologista faz análise custo-benefício

John Ioannidis: fase endémica deve mudar estratégia de vacinação e reforços só em grupos de risco

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por Elisabete Tavares // Dezembro 15, 2022


Categoria: Exame

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A elevada taxa de imunidade (natural, vacinal e híbrida) e a redução drástica da letalidade da variante Ómicron, são dois dos motivos principais que levam John Ioannidis, um dos cientistas mais citados do Mundo, a defender reforços da vacina contra a covid-19 apenas em grupos de risco: os idosos e as pessoas com determinadas comorbilidades. Num novo artigo científico publicado no mês passado, em co-autoria, o reputado epidemiologista da Universidade de Stanford aconselha cautela com a vacinação massiva, por os riscos poderem ser maiores do que os benefícios, nomeadamente nas crianças e jovens. Além disso, com cálculos, conclui que o custo económico da vacinação massiva pode não compensar, sobretudo na população jovem e de baixo risco, pois esse dinheiro poderia ter uma maior eficácia a salvar vidas em sectores deficitários da Saúde Pública.


O epidemiologista norte-americano John Ioannidis é um dos seis cientistas mais citados do Mundo, e no seu novo artigo científico, publicado na prestigiada revista European Journal of Clinical Investigation, não podia ser mais claro: as doses de reforço da vacina contra a covid-19 devem ser administradas somente aos grupos de risco, ou seja, os idosos e as pessoas com outras doenças. E diz mesmo que continuar a administrar reforços de vacinas em determinados grupos etários, não é aconselhável do ponto de vista do custo-benefício, nem a nível individual nem comunitário.

Considerando que os governos e autoridades de saúde devem tomar as suas decisões em evidências científicas, Ioannidis diz ser fundamental reajustar a estratégia de Saúde Pública à evolução da imunidade da população e à perigosidade do vírus e da pandemia, que está actualmente já em fase endémica.

Estas recomendações, sustentadas em análises e cálculos, surgem num artigo científico publicado, em co-autoria com Stefan Pilz, investigador austríaco da Universidade Graz.

O artigo começa por sustentar que a imunidade da população é já elevada, pelo contacto com o SARS-CoV-2 ou pela vacinação, ou por ambas as vias. Por outro lado, destaca que a taxa de letalidade da covid-19 caiu drasticamente após o aparecimento da variante Ómicron, muito mais contagiosa mas substancialmente menos perigosa.

Mas há ainda outros dois factores a ter muito em conta, referem os autores: os possíveis efeitos adversos, que fazem com que, para algumas faixas etárias, os prejuízos superem os benefícios; e os elevados custos para prevenir uma morte por covid-19, que se mostram exorbitantes, podendo ultrapassar um milhão de dólares na população mais jovem. Para os autores do artigo, as verbas que estão a ser gastas com reforços massivos de vacina poderiam ser utilizadas no combate a outras doenças mais prementes e com necessidades de maior investimento.

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Várias universidades norte-americanas impõem a obrigatoriedade da toma das vacinas contra a covid-19 aos seus alunos, apesar do baixo risco que a doença apresenta para os jovens.

No artigo intitulado “Does natural and hybrid immunity obviate the need for frequent vaccine boosters against SARS‐CoV‐2 in the endemic phase?”, Ioannidis e Pilz recomendam taxativamente que apenas “certos grupos de risco”, como os idosos, e, em particular os doentes com necessidade de cuidados prolongados, devem ser vacinados a partir de agora. E dizem mesmo que se a taxa de eficácia contra a covid-19 fosse de 100%, nas actuais circunstâncias, não faria sentido, do ponto de vista da gestão da Saúde Pública, administrar vacinas em massa.

Os autores exemplificam com estimativas de custos aplicadas à situação da Dinamarca. Em geral, concluem que o número de pessoas que seria necessário vacinar (tratar) e os custos económicos envolvidos para salvar uma vida (ou evitar uma hospitalização) são agora incomensuravelmente superiores ao que ocorria nas fases anteriores da pandemia e sobretudo quando se compara com outras doenças de maior gravidade, como a insuficiência cardíaca. 

Segundo o estudo, “as anteriores análises de custo-eficácia sobre as medidas contra o SARS-CoV-2 basearam-se, em geral, em IFR (taxa de letalidade) sobrestimadas e, por conseguinte, podem ter sido demasiado optimistas”.

Assim, concluem que “para a maioria da população, as IFRs do SARS-CoV-2 actualmente são tão baixas que, mesmo se as vacinas de mRNA tivessem 100% de eficácia contra a morte e sem efeitos adversos, o seu custo-benefício poderia ser questionável ou desfavorável”.

Isto, “a menos que o custo da vacina seja reduzido a níveis insignificantes”, o que não vai ser o caso, pelo contrário, já que as farmacêuticas como a Pfizer já vieram anunciar aumentos no preço. Isso significa que, perante a inexistência de recursos ilimitados, um bom sistema de saúde têm de optar por alocar verbas em função da eficiência, ou seja, em salvar mais vidas por unidade de recurso financeiro.

O facto destas recomendações virem de John Ioannidis é muito relevante. O epidemiologista não é um “especialista” qualquer, contando mais de 6.000 novas citações por mês, o que o coloca no ranking dos seis cientistas mundiais mais citados. No Google Scholar tem um índice h de 237, um valor estratosférico. Professor de várias especialidades na Universidade de Stanford, incluindo Medicina e Epidemiologia e Saúde da População, Ioannidis foi nomeado responsável por uma área de pesquisa na European Research Area (ERA) da Comissão Europeia e é ainda presidente da Associação Americana de Médicos, entre muitos outros cargos que desempenha.

Embora sempre de uma forma discreta, e quase sempre através de artigos em revistas científicas, Ioannidis foi um dos especialistas de topo a nível mundial que se opuseram às medidas sem precedentes que foram adoptadas na maioria dos países, como os confinamentos da população – uma medida que copiou a estratégia implementada na China no início da pandemia.

John Ioannidis

Agora, neste seu mais recente artigo científico, mostra-se confiante sobre a banalização da covid-19, antecipando ser “concebível que as infecções por SARS-CoV-2 possam em breve seguir um padrão semelhante ao dos outros coronavírus humanos endémicos, com uma primeira infecção, geralmente leve, na infância e, posteriormente, infecções frequentes, mas também geralmente leves, na idade adulta”.

Com Pilz, o epidemiologista norte-americano conclui que a variante Omicron, surgida em Novembro do ano passado, e ainda agora dominante (com subvariantes), teve um impacte fundamental na pandemia. E, por isso, discordam dos muitos receios difundidos pelos media e alguns peritos sobre a evolução da covid-19 nos próximos anos.

Com efeito, uma das principais conclusões do artigo é de que o risco de morte e de doença grave por infecção “tem sido muito baixo em 2022, e a maioria das infecções por Ómicron parece ser assintomática”.

Um caso exemplar, citado no estudo, é o da Dinamarca, que registava pouca disseminação do vírus até o final de 2021, mas teve infecções em massa a partir daí com a variante Ómicron, mesmo numa população amplamente vacinada.

Naquele país escandinavo, a taxa de letalidade da infecção por Ómicron até meados de Março de 2022 foi estimada em apenas 1,6 por 100.000 infecções (0,0016%) entre pessoas dos 17 aos 35 anos de idade, situando-se nos 6,2 por 100.000 infecções (0,0062%) entre pessoas aparentemente saudáveis dos 17 aos 72 anos de idade. Mesmo para as pessoas mais idosas, a taxa de letalidade desceu substancialmente: é agora de apenas 0,015,1, quando em 2020 atingia os 0,281%.

Por outro lado, os dois autores observaram ainda que em populações com exposição prévia substancial ao SARS-CoV-2, “as reinfecções [a grande maioria ocorrendo nas ondas de Ómicron] tiveram menos de um quarto do risco de hospitalização e um décimo do risco de mortalidade em comparação com as infecções primárias. Por exemplo, em Vojvodina, na Sérvia, apenas 1% das reinfecções necessitaram de hospitalização e a letalidade para reinfecções foi de apenas 0,15%.

Aliás, os dois investigadores chegam a citar dados de Portugal que sugerem uma boa protecção a longo prazo adquirida através da imunidade natural, isto é, com o contacto anterior ao coronavírus. Os dados nacionais, abrangendo uma população com 12 anos ou mais, e com uma cobertura de 82% da terceira dose da vacina contra o SARS-CoV-2, mostram que três a cinco meses após uma infecção prévia pela variante BA.1/BA.2, a eficácia da proteção contra a nova variante BA.4/BA.5 foi de 75,3%. Pessoas com infecções prévias pelas variantes Wuhan-Hu-1, Alpha e Delta tiveram respectivas eficácias de proteção de 51,6%, 54,8% e 61,3%, respectivamente.

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O artigo científico cita dados de Portugal que sugerem que uma infecção por covid-19 confere protecção no longo prazo.

Em todo o caso, se é a infecção natural ou um reforço da vacina a oferecer a maior protecção, os autores defendem que se torna “uma questão amplamente discutível, uma vez que quase toda a população global já foi infectada e mais de 70% da população global também foi vacinada, pelo menos com alguma dose de vacina”.

Mas frisam que “uma limitação crítica e grave dos principais estudos na população em geral sobre a eficácia da quarta dose da vacina contra o SARS-CoV-2 é a exclusão quase universal de indivíduos com infecções prévias”.

Porém, Ionannidis e Pilz citam ainda um estudo realizado em Ontário, no Canadá, que “sugere um efeito protector significativo por infecções anteriores, que provavelmente podem ser maiores do que o conferido por uma dose adicional de vacina”.

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Quanto aos mais idosos sem infecção prévia por covid-19, os dois investigadores destacam estudos observacionais em Israel que dão pistas sobre a eficácia de uma quarta dose da vacina mRNA contra a infecção.

Entre 10 de Janeiro e 13 de Março deste ano, 97.499 indivíduos com 60 anos ou mais, sem qualquer infecção prévia mas com um teste positivo de PCR durante esse período, foram analisados para comparar as taxas de infecção por SARS-CoV-2 naqueles que tinham acabado de receber a quarta dose da vacina e os que receberam apenas três doses da vacina.

Essa análise mostrou que a eficácia relativa da vacina em relação a qualquer infecção por SARS-CoV-2 atingiu o pico durante a terceira semana em 65,1% e diminuiu para 22,0% no final da semana 10. Para a covid-19 grave, as respectivas eficácias após 7-27 dias, 28-48 dias e 46-69 dias foram de 77,5%, 72,8% e 86,5%, respectivamente.

Ao longo das 10 semanas de acompanhamento, apenas 572 dos 97.499 participantes do estudo tiveram covid-19 grave [internados no hospital ou morreram devido à covid-19] e apenas 106 pacientes morreram.

A conclusão de Ioannidis e Pilz é de que “os números necessários para tratar (NNT) e salvar uma vida ou uma hospitalização podem ser muito grandes”, devendo ser ponderado se as verbas em causa teriam melhores resultados, em termos de vidas salvas, noutras áreas de Saúde Pública.

Outra investigação de Israel, relevada pelos dois investigadores, foi realizada em 29.611 profissionais de saúde sem qualquer infecção prévia por SARS-CoV-2. As infecções por SARS-CoV-2 durante Janeiro de 2022 foram documentadas em 7% dos participantes com quatro doses de vacina e em 20% com três doses de vacina, resultando em uma eficácia de proteção de 65%. Neste estudo, em ambos os grupos, não houve infecção grave por covid-19 ou morte.

Isto significa, segundo Ioannidis e Pilz, que “o número necessário para tratar é, portanto, infinito para esses resultados graves”, pelo que “é de se perguntar se a simples diminuição dos casos detectados oferece um benefício clinicamente significativo”.

Em conclusão, e dado que o risco de desenvolver uma infecção grave por covid-19 é muito maior em populações muito idosas com fragilidade e comorbilidades, “isso deve ser considerado para a política de vacinas, pois uma eficácia relativa semelhante à da vacina se traduz em uma redução de risco absoluto clinicamente significativa em populações com alto risco subjacente de desfechos graves, mas pode ser quase insignificante em populações com um risco muito baixo”, argumentam.

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Os cálculos feitos por Ioannidis e Pilz destacam, aliás, que os custos por uma morte evitada por covid-19 tendem a ser “extremamente altos”, excepto em grupos etários com mais idade, com base no custo atual por dose [aproximadamente 20 dólares] e mesmo se os custos diminuíssem para 5 dólares por dose. Se o custo “aumentar para 120 dólares por dose [como recentemente considerado para comercialização futura pela Pfizer], o custo-benefício pode se tornar desfavorável, mesmo para muitas pessoas muito idosas”, concluem ainda.

Mas isto é na perspectiva económica, porque a análise de Pilz e Ioannidis salienta que, no caso dos mais jovens, os riscos de reações adversas das vacinas, incluindo miocardites, não são compensados pelos eventuais benefícios da vacinação contra a covid-19.

No caso das crianças e adultos jovens saudáveis, o artigo dos dois investigadores concluem que aqueles já podem ter adquirido imunidade híbrida e, por isso, correm um risco extremamente baixo de desenvolver covid-19 grave. E por isso destacam também que “não é claro, neste momento, que a redução do risco de covid-19 por reforços adicionais de vacinação supera os efeitos adversos gerais em populações com um risco basal muito baixo, como em crianças e adultos jovens saudáveis”.

E mesmo que isso aconteça, “considerações de custo-benefício seriam desfavoráveis”, admitem, defendendo assim “fortemente a abstenção de recomendações para a vacinação em massa, por exemplo, em crianças e adultos não idosos saudáveis com uma quarta dose de vacina, a menos que tal política se torne apoiada por evidências suficientes”, dizem os investigadores.

Saliente-se que, por exemplo, na Dinamarca, a vacinação contra o SARS-CoV-2 para crianças saudáveis com idade inferior a 18 anos foi geralmente interrompida, mesmo para a primeira e segunda injecções.

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