Título
Histórias bizarras
Autora
OLGA TOKARCZUK (tradução: Teresa Fernandes Swiatkicz)
Editora
Cavalo de Ferro (Setembro de 2022)
Cotação
19/20
Recensão
Nascida na Polónia, em 1962, Olga Tokarczuk, sendo psicóloga de formação, é sobretudo escritora, ensaísta, poeta e guionista. É ainda uma forte activista social, cujos compromissos políticos terão motivado ameaças de morte no seu país.
Foi também a primeira autora polaca a ganhar o Prémio Internacional Man Booker Prize, em 2018, com Flights (2017) – a tradução inglesa de Bieguni (2007) –, além de ter recebido outros prémios relevantes de literatura, o maior dos quais o Prémio Nobel de Literatura, de 2018, pela sua “imaginação narrativa, que com uma paixão enciclopédica representa o cruzamento de fronteiras como forma de vida”.
Este cruzamento de fronteiras, narrado de forma livre, como afirma a própria autora, é o que nos envolve neste conjunto de 12 Histórias bizarras – ainda que Olga Tokarczuk nos alerte que o “virar de páginas está a passar à história”.
Em cada um dos contos desta obra, publicada em Portugal pela Cavalo de Ferro, o seu objetivo é alcançado: mais do que entreter, Olga Tokarczuk provoca o leitor, convocando-o a reflectir sobre alguns dos temas e questões prementes da humanidade ou da sua ausência.
Com efeito, a tensão é permanente. De forma latente, o leitor é quase obrigado a posicionar-se (ou, pelo menos, a pensar) em face de determinadas situações e dilemas éticos, nomeadamente, em relação à necessidade urgente de se proteger o que ainda resta do Planeta Terra.
Numa das histórias, As crianças verdes, a natureza é descrita como “um grande nada”. Mas não apenas. Ainda no mesmo conto, o narrador, ao reflectir sobre os acontecimentos que viveu enquanto médico de Sua Majestade em 1656, observa que uma das grandes causas da guerra é a religião, porque esta “divide mais do que une, o que não é difícil de admitir, tendo em conta a quantidade de cadáveres resultantes de motivos religiosos, incluindo as guerras hoje em dia travadas” (p. 24).
Em Conservas, a autora concede um certo apaziguamento ao castigar um filho pelo seu “pecado” da preguiça: a mãe deixa-lhe uma série de frascos de conserva, preparados enquanto ele se dedicava “à sua ocupação preferida: esvaziar latas de cerveja sucessivas e seguir dois grupos de homens, que (…) corriam atrás de uma bola…” (p. 42).
A verossimilhança de Uma história verdadeira é angustiante pelo modo como a autora trata a perda de identidade, a qual se constrói por intermédio de uma série de símbolos que distinguem os seres humanos uns dos outros. Num país estrangeiro, um professor perde a sua dignidade, ao ser confundido com um assassino, sem ter como provar o contrário. Ao perder os documentos, a roupa e o seu estatuto e papel, veiculados por essas mesmas garantias simbólicas fica sem chão. E se fosse o leitor? – a questão que nos inquieta. Uma história verdadeira também nos remete para a indiferença gritante e galopante ante a miséria dos outros.
O insólito verosímil perpassa outros contos que nos conduzem pela ficção científica, a distopia e a fantasia. As realidades fragmentadas descrevem-nos a crescente desumanização e a busca pela eternidade, como acontece nos contos A montanha de Todos-os-Santos e Calendário dos feriados humanos.
As fronteiras entre a cultura mais ancestral e a de um futuro de ficção científica esbatem-se, dando origem a catástrofes bizarras que procuram dar resposta a uma das grandes questões da humanidade: Para onde vamos?