VISTO DE FORA

E agora, minhas senhoras e meus senhores: o Kosovo

person holding camera lens

por Tiago Franco // Dezembro 19, 2022


Categoria: Opinião

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Vi passarem, entre rodapés e notícias de futebol, duas intervenções que me pareceram importantes para antevermos 2023 já a imaginar o que será 2024. A primeira foram as afirmações de um representante ucraniano, opinando que as economias desenvolvidas davam pouco suporte à Ucrânia e que, na visão dele, cada membro da União Europeia deveria dar 0,1% do respectivo produto interno bruto (PIB). Dizia ele que, se fizéssemos as contas, até perceberíamos ser uma gota no oceano dos orçamentos da União Europeia.

Eu não só concordo com ele como, até, acrescento que o pedido peca por escasso: mas é, por acaso, a Ucrânia algum Ministério da Cultura para ficar com percentagens tão ínfimas de um Orçamento de Estado?

blue flag on top of building during daytime

Não bastam os 2% do PIB para a NATO, o material e dinheiro enviado pelos países europeus ou até as sanções à Rússia, que nos fazem pagar a mesma energia bem mais cara.

Portanto, ficamos a saber que não basta empobrecer para garantir a defesa da Ucrânia; é preciso empobrecer por decreto e passar a incluir esta guerra, apenas esta, no planeamento do que fazer com os impostos no próximo ano.

Há aqui um certo conforto com esta solidariedade europeia, que passou de necessária para obrigatória, seguida de “mais e mais”, vindos de Zelensky e companhia, que a cada dia exigem mais empobrecimento a todos nós para defender uma causa sua.

Compreendo que o peçam; estão a manter a sua causa viva, mas não percebo porque se sentem os dirigentes europeus no direito de utilizarem livremente os impostos dos seus constituintes, de forma repetitiva, a favor da Ucrânia, mantendo o empobrecimento geral deste lado.

blue and yellow striped country flag

Bem sei que ninguém gosta de perder fatias de terreno, mas não nos cabe, a nós europeus, pagar uma guerra sem fim à vista.

Quem a estimulou (Estados Unidos e Rússia), e quem acreditou no conto de fadas que ouviu (Ucrânia), que a pague ou resolva. Mas já chega de isto sobrar para todos. E já chega de ver Ursula e demais dirigentes europeus baixarem a cabeça a cada nova exigência de Zelensky, como se nós lhes devêssemos algo, ou como se aquela guerra fosse nossa. Lamento pelo povo dos dois lados, mas eles que resolvam as suas diferenças e, de caminho, se vejam livres de Putin e Zelensky.

Por acaso alguém vê dirigentes palestinianos a exigirem anti-aéreas todos os dias? Acham que levam com poucos rockets? Ou os combatentes no Iémen, bombardeados pela ditadura “nossa amiga” (saudita), lembram-se de os ver em intervenções emocionadas nos parlamentos europeus a exigir armamento pesado?

Não suporto esta hipocrisia com quase um ano, que se vai vivendo, em redor da Ucrânia. Há um problema para resolver, como em tantas partes do Mundo. O problema não é nosso. Ponto final. Se os deputados europeus começassem a defender os direitos de quem os elegeu é que a democracia agradecia.

two hands

A segunda notícia que me pareceu interessante, mas para a qual ninguém convidou a Helena Ferro Gouveia para falar, logo não deve ser importante, foi a recente tensão na fronteira do Kosovo com a Sérvia.

Para a rapaziada mais nova que lê o PÁGINA UM, mas que ainda era pequenina na mudança do século, o Kosovo é um país que resultou de um corte de 20% do território da Sérvia, depois da NATO bombardear civis em Belgrado. Pronto: este é o trailer. Para o filme completo, vejam no Netflix.

Contudo, a parte importante é esta: um território de um país soberano tinha uma maioria étnica, neste caso albaneses, que achou boa ideia formar um novo país. E conseguiram, com o apoio da comunidade internacional. A mesma lógica (das maiorias étnicas) poder-se-ia aplicar ao Donbass, Catalunha, País Basco, Chechénia, enclaves sérvios da Bósnia, Palestina, Curdistão…

Epá… por absurdo, se amanhã o Paquistão, Bangladesh, Nepal ou Índia quiserem reclamar como seu o Qatar ou o Dubai, em princípio podem. Os emigrantes destas zonas já devem estar em maioria relativamente aos indígenas.

Para resolver rapidamente estes problemas na fronteira, e a pressão sérvia, os kosovares pediram adesão à NATO há já algum tempo e, agora, à União Europeia. É o precedente que se abriu com a Ucrânia. Se um país em conflito passa por cima de todos os critérios para aderir, por que razão se deveria facilitar a entrada apenas à Ucrânia? 

No ranking da liberdade, o Kosovo está ali por perto de países como as Filipinas (não sei se já ouviram falar do seu presidente e das medidas bem democráticas que implementa no país), da Somalilândia, de El Salvador e claro, da Ucrânia. Estão na parte da lista das democracias complicadas e consideradas “parcialmente livres”. 

Ursula von der Leyen acha este interesse maravilhoso, porque, segundo ela, a União Europeia não está completa sem os Balcãs… Já agora, alguém poderia dizer à Ursula que a União Europeia costuma fazer umas certas “exigências” naquela região. Por exemplo, a Croácia só entrou em 2013, uma década após ter feito o pedido de adesão e depois de ter entregado uns generais por causa da Guerra dos Balcãs. E exigiu ainda mais à Sérvia, que está a marcar passo desde 2009 por não ter feito o mesmo com um batalhão de gente. Aliás, a proximidade de Belgrado a Putin não nasce de inspiracão divina.

Com o Mundo novamente a caminho de formar dois blocos (ou três, quem sabe), a Europa tenta reunir todas as suas fronteiras e não olha a critérios ou nomes. O Kosovo pode não cumprir nada do que é necessário para integrar o grupo da União Europeia, mas faz parte daquele restrito leque de países onde atacar território soberano e roubar-lhe uma fatia, não é imperialista nem tão pouco errado. É apenas justo e reconhecido por todos.

satellite photo of islands

Portanto, perante isso, o que é uma entrada a pés juntos na União Europeia com o árbitro de olhos fechados?

Por mim, incluímos no negócio a Albânia, a Moldávia, a parte turca do Chipre, o Montenegro e a Macedónia. Depois, ainda esticávamos o bloco mais a sul e, na expectativa de criar um grande bloco, fazíamos o convite ao Sahara Ocidental, Argélia e Líbia. Se nos dessem gás e petróleo, e sem mandarem migrantes nos barcos de borracha, claro.

Se os critérios servem para pouco, por mim então era só juntar mais pessoal. Imaginem o melão dos liberais quando vissem que, com esta malta toda, e mesmo ultrapassados pela Roménia, acabaríamos ali a meio da tabela para os próximos 10 anos. Sempre com o Ruanda à perna.

Tiago Franco é engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)


N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

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