VISÃO DA GRAÇA

O primeiro Natal sem ela

person holding brown and white chocolate bar

por Elisabete Tavares // Dezembro 24, 2022


Categoria: Opinião

minuto/s restantes


“Oh Betinha, coma mais um bocadinho!” E eu comia. Ela ficava tão feliz de nos ver a todos comer. Sentia certamente que o seu dever estava cumprido, sempre que todos comíamos mais um bocadinho. 

No Natal, fazia fatias douradas. Eu gostava pouco de fatias douradas. Mas comia, nem que fosse um bocadinho. Ela ficava tão feliz por comermos as suas fatias douradas.

Como ele, o avô, ficava, por comermos o doce antigo que ele fazia ritualmente todos os Natais. Praticamente, só eu e ele o comíamos. No início, quando o provei a primeira vez, não gostei. Mas, lá está: ficou tão feliz por eu ter provado. Desde esse primeiro Natal, passou a preparar-me uma taça para trazer parte do doce para minha casa. Com os anos, fui gostando mais e mais.

closeup photo of baubles on christmas tree

Há uns anos que não temos o doce do avô no Natal. Tinha pão, açúcar, vinho do Porto e passas. Talvez canela também. Infelizmente, não aprendi com o avô como fazia o seu doce (ou aprendi e já está escondido algures na minha memória). 

Este ano, dei-me conta de que não me consigo recordar do nome do doce que o avô fazia. Penso nele, vejo-o feliz com o seu doce no tacho de barro, a ver se me lembro do nome. Nada. A avó dizia sempre: “pra quê fazer tanto doce, se ninguém o come”. Mas ele fazia e comia. E dizia sempre: “a Beta também come”. Como comia as fatias douradas da avó. 

No outro dia, com a árvore de Natal ainda por decorar na sala, apeteceu-me fazer fatias douradas. De vez em quando, faço panquecas aos fins de semana. Os miúdos gostam. É uma forma diferente de começar o dia à mesa. Cada um gosta de as comer à sua maneira, doces ou salgadas. Mas naquele dia, apetecia-me fazer fatias douradas. 

green pine tree with fireflies

Fiz de conta que aquelas fatias de pão que tinha em casa serviam para o propósito. Não eram as ideais. Mas era o seu destino, acabarem fatias douradas.

De repente, ali na minha cozinha, ouvia a voz da avó Fernanda a dar-me indicações. E ela ria. Tenho saudades do seu sorriso. “Faça mais, Beta! Os meninos vão querer!”, ouvi eu na minha cabeça. Era o que ela diria se estivesse ali. E eu fiz. Não sobrou nenhuma.

(Lembrei-me que também a minha avó Conceição – cá em casa chamamos de bisavó – fazia fatias douradas. Era, aliás, o único doce que me lembro vê-la a fazer no Natal. E, assim, passaram a estar as duas ali na minha cozinha, ao meu lado, a ver-me fazer as fatias.)

Comer aquelas fatias douradas foi como se voltasse atrás no tempo. Parecia que a qualquer momento, ela iria ligar cá para casa, como fazia. “Olá Betinha! Tá boazinha?”. “Olá Fernandica!”, respondia eu. “Então, querem cá vir almoçar no domingo?”…

gift boxes with red baubles on top

Este Natal é o primeiro sem as suas fatias douradas. Eu posso fazer, mas não são iguais. Gosto das minhas. Mas não são as dela. Mas vou fazer fatias douradas este ano. Vou tentar replicar o doce do avô Ventura (sem o tacho de barro, que não tenho). Vou colocar na mesa, para a ceia da véspera de Natal. Ficará ao lado dos doces mais populares (mousse de chocolate e azevias).

O aroma das fatias douradas e do doce dos avós, encherão a casa, misturando-se com o das couves cozidas, do bacalhau… E eles não estarão aqui. Mas estarão um bocadinho. 

Fechando os olhos, consigo vê-los sorrir de orelha a orelha ao ver os netos a abrir os presentes, a brincar com os seus brinquedos novos, pela primeira vez.

“Oh Betinha, comprei-lhe esta camisola que é a sua cara. É muito quentinha e macia – toque aqui. Mas pode trocar se quiser, veja lá se gosta”. E gostava sempre. Como das fatias, que tinham tanto amor. 

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