VISTO DE FORA

Não queremos nem já aguentamos mais Alexandras

person holding camera lens

por Tiago Franco // Dezembro 28, 2022


Categoria: Opinião

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Quando comecei a pensar neste texto, senti necessidade de ir ao site do Ministério da Administração Interna para confirmar a data das últimas eleições legislativas. Lembrando o infindável número de trapalhadas com que este governo nos tem presenteado, na minha cabeça essas eleições tinham acontecido há muito, muito tempo. Mas não. Foram a 30 de Janeiro de 2022. Menos de um ano, portanto.

Sendo António Costa um político verdadeiramente hábil – é essa, pelo menos, a qualidade que mais vezes ouço ser-lhe atribuída pelos analistas –, torna-se difícil compreender como, em tão pouco tempo, nos provou empiricamente, por que razão não são nada saudáveis as maiorias parlamentares.

Alexandra Reis, em entrevista à revista digital Executiva, publicada no passado dia 1 de Setembro, como presidente da NAV.

O Partido Socialista (PS) governa num regime de arrogância, de prepotência e de absoluta falta de vergonha, como eu não me lembro de ter visto em democracia.

São trapalhadas com ministros que carregam incompatibilidades grosseiras, ministras que gerem fundos públicos que acabam nas empresas dos maridos, bazucas turísticas que desaguam em empresas de turistas espaciais, ministros da Saúde que dirigem empresas da mesma área, antigos directores da TVI a quem se pagam favores, secretários de Estado com processos de corrupção em tribunal que se acham atacados pela corte de Lisboa…

São estudos e mais estudos para novos aeroportos e eternas discussões sobre localizações, agora com Santarém a surgir no meio do nada. Falcatruas descaradas com as pensões dos mais idosos, vendendo a ideia de que um corte para a vida seria, afinal, um aumento. Eu sei lá…

Com a minha péssima memória, consigo lembrar-me apenas de alguns exemplos em catadupa, porque chegámos a um ponto em que as trapalhadas são semanais.

white and blue airplane on airport during daytime

E o curioso nisto tudo é que, de cada vez que me cai o queixo, dou por mim a pensar que pior não fica. Mas até aí me engano.

A cada nova polémica, descobrimos que, afinal, ainda dá para cavar mais um pouco na lama e descobrir um novo mínimo aceitável para o estatuto de República das Bananas.

Em menos de um ano, António Costa – e o seu não sei quantas vezes remodelado Governo – já nos explicou, tintim por tintim, por que são perigosas as maiorias, e imagino o quanto os eleitores não estarão arrependidos da concentração de votos no PS.

O caso de Alexandra Reis é um daqueles em que dizemos: ”ok, é mau, mas agora é que é; agora é que atingimos o fundo; tem de ser; isto tem de ser o fim da vergonha e da impunidade”. Aliás, reparem nas habituais barricadas pró e contra que se formam nestes casos. Desta vez, há um consenso geral e uma impossibilidade de defender algo que não tem mesmo ponta por onde se pegar.

Fernando Medina, ministro das Finanças.

Vejamos. Alexandra Reis é nomeada, por quatro anos, para a administração da TAP, em Setembro de 2020. Em Fevereiro de 2022, rescinde esse contrato e, por umas cláusulas que ninguém consegue ler, porque são confidenciais, tem direito a uma indemnização de 500.000 euros. Diz ela que, caso fosse ilegal, teria todo o gosto em devolver o guito. Todos já percebemos que, provavelmente, não será ilegal, mas certamente é imoral. Quem com ela fez um contrato destes deveria estar numa comissão de inquérito no dia seguinte e, três dias depois, para ter tempo de ir a casa tomar um banho, deveria estar preso em Pinheiro da Cruz.

Meio milhão de euros de indemnização ao fim de 16 meses de trabalho? Numa empresa absolutamente vital para Portugal como a TAP (é essa a minha opinião e já a defendi vezes sem conta), assente neste momento no erário público, isto é desferir novo golpe na sua credibilidade por parte dos corpos dirigentes.

A quantidade de rasteiras que a administração da companhia aérea tem passado aos trabalhadores daria para escrever um livro. São despedimentos, cortes e trabalhadores exaustos a compensarem os que saíram para, em poucos meses, uma administradora receber MEIO MILHÃO de indemnização por uns meses de reuniões. É gozar com os contribuintes, com os trabalhadores e, de certa forma, com o estado da nossa democracia.

O Governo de António Costa, perante a inutilidade da oposição do PSD, tem servido, inconscientemente imagino, de rastilho ao crescimento da extrema-direita que, na habitual ausência de ideias e programa, cavalga nestas trapalhadas como Lucky Luke no seu Jolly Jumper em direcção ao sol poente. E capitalizam votos, descontentamento e mais ódio da população empobrecida.

man standing near traffic lights

Como é que se explica a uma população – onde três em cada quatro recebem uma esmola pensando que é um salário – que uma administradora pode fazer um contrato leonino com uma empresa pública e ficar rica ao fim de 16 meses de trabalho?

Como é que se explica isto a alguém que viu a renda aumentar com a subida da Euribor, e está em risco de perder a casa porque não tem mais 200 euros por mês?

Mas isto não ficou por aqui. Poucos meses depois de sair da TAP, Alexandra foi escolhida pela tutela – Ministérios das Infraestruturas e das Finanças – para presidir à NAV, a empresa pública que gere o espaço aéreo português. Por ali ficou mais uns meses até que Medina a nomeou como secretária de Estado do Tesouro.

Não se percebe se a TAP rescindiu contrato por incompetência da administradora ou se esta escolheu vir-se embora. Certo é que, competente ou não, passou pelas administrações das duas maiores empresas nacionais de aviação e, dali, para a tutela. Se não era competente para administrar, resta perceber como é que seria competente para gerir os fundos que a essas empresas serão atribuídos.

cupcakes in tray

Torna-se agora um pouco irrelevante discutir, em concreto, o perfil de mais um boy (ou girl neste caso), mas é particularmente importante compreender como é que estes casos de abuso – constante e repetido – de dinheiros públicos não parece ter fim.

Sempre que um caso destes vem a lume, eu imagino quantos não continuarão nas sombras dos corredores. Quantos gestores de empresas públicas não acumulam verdadeiras fortunas em pouquíssimos anos de trabalho, enquanto nós, que pagamos impostos e todas as mordomias, nos vamos conformando com este roubo continuado que a classe política, e os amigos do regime, nos vão impondo.

Quando ouço que “é tudo legal”, percebo que o primeiro problema está de facto na lei. Se o contrato de Alexandra Reis com a TAP é legal – e o seu percurso até ao Governo, passando pela NAV, absolutamente inatacável do ponto de vista da lei –, então é por aí que esta conversa deveria começar: pela lei.

Não podemos continuar a respeitar leis que permitem o roubo descarado de dinheiro público com a culpa a morrer entre corredores e sem nomes. Não podemos correr o risco de ver esta vergonha a ser denunciada pelo líder de um partido de extrema-direita que, depois de ajudar na fuga de capitais dos mais ricos, aparece nas televisões como um Robin dos Bosques.

vulture

Temos de ser um pouco mais inteligentes do que isto, mas também temos de exigir mais de quem nos governa. Temos de exigir responsabilidades. E sim, temos que começar a despedir gente, cortar as asas a alguns abutres e parar, de uma vez, com esta clientela que enriquece à nossa custa.

O serviço público é importante e uma marca em qualquer país desenvolvido de primeiro mundo. Não podem existir mais Alexandras Reis, maiorias absolutas ou uma população absolutamente miserável que luta por migalhas diariamente enquanto as elites se enchem à nossa custa.

Não há justificação. Não há desculpa. E já não há paciência para tamanha corja de ladrões.  

Tiago Franco é engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)


N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

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