VISTO DE FORA

A política do ódio, essa caixa de Pandora

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por Tiago Franco // Janeiro 9, 2023


Categoria: Opinião

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As imagens dos tumultos em Brasília – com hordas de apoiantes de Bolsonaro a invadirem o Supremo Tribunal Federal, o Palácio do Planalto e o Congresso Nacional – deixaram a comunidade internacional em choque. Ou pelo menos assim me dizem os noticiários.

Confesso que não foi o meu caso. Quer dizer… claro que lamento o sucedido, e obviamente que me junto a quem repudia o ataque à democracia, mas, aqui entre nós, era assim tão difícil imaginar um cenário destes?

A presidência de Bolsonaro fez-me sempre lembrar uma cópia barata daquela que Donald Trump produziu – com mais cobertura mediática, claro – nos Estados Unidos. Ambos se destacaram pela falta de preparação; pela ausência de estudo em cada tema que tinham que discutir, apresentar ou debater; por decisões erradas; e por uma extraordinária ignorância.

Aliás, sempre foi esta, para mim, a parte mais difícil de entender: como é que milhões de pessoas votam em dois seres de uma ignorância épica para gerirem os destinos dos respectivos países?

A análise mais simplista é a de que o Mundo está cheio de ignorantes e, como tal, elegem um semelhante. A outra é a que, de facto, as pessoas se identificam com uma ou mais características que estes homens exibem sem pudor. Seja o racismo, a pouca simpatia pela democracia, o favorecimento do lobby das armas, o machismo exacerbado, os repetidos ataques à emergência climática e às políticas contra os combustíveis fósseis.

Bolsonaro – tal como Trump, Ventura, Le Pen, Orban e outros – integra um certo ressurgimento de uma extrema-direita que esteve enterrada (ou pelo menos mais discreta) durante décadas no Ocidente.

Pouco tempo depois de Bolsonaro ser eleito, tentava perceber, enquanto passeava pelo Rio de Janeiro, as razões que levaram um amigo a ter votado nele. De entre as várias que referiu – quase todas relacionadas com o desprezo às classes mais desfavorecidas e, em teoria, beneficiadas pelas políticas sociais de Lula e depois Dilma –, houve uma que me ficou na retina: o preço do tomate.

Dizia ele, de forma simples que, com Lula ou Dilma, um quilo de tomate custava mais de 5 reais. Agora, custava pouco mais de 2 – portanto, a vida dele estava melhor. E pouco lhe importava se o Bolsonaro era um ignorante que envergonhava o país em cada declaração pública. O tomate estava mais barato. Ponto final.

Foi o mesmo tipo de argumento que uma amiga usou, numa conversa, para me explicar porque votaria em Donald Trump. Segundo ela, os benefícios fiscais nas pensões seriam maiores com Trump, logo, seria ele o dono do voto. Independentemente de todas as asneiras feitas e assumidas, da perseguição às minorias, do racismo desmedido e da absoluta falta de preparação. Com Trump e Bolsonaro, naquele dia, havia um pouco mais de dinheiro no bolso. E chegava como argumento para escolher o sentido de voto.

O problema destes representantes de movimentos políticos com pouco respeito pelas regras democráticas vem, normalmente, depois. No caso de Bolsonaro, percebe-se agora que a sua queda veio trazer incómodo a alguns poderes instalados. É difícil acreditar que um ataque desta dimensão tenha sido organizado apenas nas redes sociais e sem o patrocínio de quem ficou a perder com a vitória de Lula. Fala-se na extrema-direita organizada e apoiada pelo sector do agronegócio que, previsivelmente, não terá com Lula a mesma cobertura que teve com Bolsonaro, para quem as questões ambientais eram histórias da carochinha. Mas ainda é cedo para grandes conclusões.

O próprio Bolsonaro não contribui para a pacificação e claramente não aceitou as regras do jogo. Prova disso foi a fuga para Miami, de forma a não fazer parte da passagem de poder para Lula da Silva. É engraçado perceber como todos estes políticos de extrema-direita têm algo em comum: apresentam-se como alternativas que chegam para lutar contra o sistema e os poderes instalados, mas, assim que o sistema diz que já não os quer, fazem o que podem para alterar os princípios básicos da democracia.

Se pensarmos um bocadinho, é mais ou menos aquilo que vemos, com alguma regularidade, nas eleições um pouco por todo o continente africano: mal o candidato derrotado não aceita os resultados, começam os tumultos e, de vez em quando, uma guerra.

A prática estende-se ao continente americano e, quiçá, um destes dias à Europa, com a subida mais do que confirmada da extrema-direita em todo o continente.

O que é que se pode esperar de alguém que faz do debate político um ringue para espalhar ódio e criar muros entre pessoas? No mínimo, que os seus apoiantes vejam nessa forma de comunicação a maneira de reclamar e legitimar decisões.

Jair Bolsonaro, ex-presidente do Brasil.

Esta ideia de legitimar algo errado, porque no momento nos traz algo de bom (por exemplo menos impostos), fez-me lembrar a situação da Suécia que, nas últimas eleições, fez com que um partido de extrema-direita, com discurso assumidamente racista contra emigrantes, se tornasse a segunda força política mais votada.

Sendo eu emigrante, e pai de outro emigrante, escuso-me a comentar a razão de achar este resultado preocupante, mas noto as reacções dos locais. A primeira é a de ver alguma alegria com a redução do preço dos combustíveis. O fim do apoio aos carros eléctricos e gasolina mais barata (barata…quer dizer, cara, mas não tão cara, é melhor assim), em princípio vai alegrar a maior parte das pessoas; afinal, comprar um carro eléctrico ainda é um luxo que não está ao alcance de todos.

Da mesma forma, endurecer as políticas de emigração e não deixar entrar mais gente, vai animar quem gosta de ver o Mundo a uma só cor. Ou seja, para já, haverá certamente quem fique contente com as políticas introduzidas pelos “bolsonaros” suecos.

O diabo está nos detalhes.

Por exemplo, com a dificuldade de preencher as vagas de trabalho ou a dificuldade crescente de obter um visto de residência (vários meses por vezes), já há falta de gente hoje com óbvias consequências para a Economia. Fechar as portas não ajuda. O mesmo com a ligeira redução de impostos. Ficamos todos com um pouco mais de dinheiro no bolso, mas a componente do Estado Social é afectada. Por exemplo, uma das propostas é a redução da comparticipação estatal no subsídio de desemprego. Ou seja, pensamos que tudo funciona bem hoje – e algures, lá para a frente, na doença, na velhice, no desemprego, pagaremos o preço.

Lula da Silva, presidente do Brasil, ontem em Brasília.

Contudo, tal como Trump, Bolsonaro, Ventura, Orban ou Le Pen, que vendem sonhos para hoje e países cheios de muros onde apenas uma cor é permitida, estas ideias vingam e trazem votos. Da Escandinávia até ao Palácio do Planalto, o ódio vende.

Resta agora saber, no caso brasileiro, como vai Lula governar um país completamente polarizado, onde o lado derrotado insiste em não aceitar os resultados nas urnas. Quanto tempo demorarão a encontrar os responsáveis pela destruição das últimas 24 horas? Isto é, se alguma vez a culpa for entregue a alguém.

Certo, mesmo certo, é que a subida dos extremismos, um pouco por todo o mundo civilizado, da violência e do ódio como forma de fazer política, é hoje inegável. Abriu-se a caixa de Pandora há menos de uma década, e agora dificilmente a fecharão.

Tiago Franco é engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)


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