Os portugueses deveriam ser um caso de estudo.
Se analisarmos, ao longo de uma semana, os temas das suas conversas, os textos publicados em jornais e revistas e, principalmente, os programas de rádio e televisão, ficaremos estarrecidos.
Principalmente, se tentarmos perceber algumas das razões de determinadas opções.
Vemo-los, por exemplo, a analisar os valores de contratações e salários mensais de jogadores de futebol, com vinte anos, sempre na ordem das centenas de milhares de euros, e a criticarem os dirigentes dos clubes não por hesitarem em pagar esses valores obscenos mas por demorarem na assinatura dos contratos.
E justificam essa pressão por entenderem que a qualidade deve ser bem recompensada e que o clube tem de pagar o justo valor a quem lhes garanta sucesso.
Atitude bem contrária, todavia, quando a conversa muda para a gestão da “coisa pública”.
Aí, as mesmas criaturas insultam todos os governantes e políticos criticando os “ordenados principescos” que auferem.
Dizer-lhes que um ministro recebe, de ordenado mensal, menos do que alguns futebolistas juniores, de dezassete ou dezoito anos, é-lhes indiferente.
Pelo contrário, aceitam, sem uma palavra de desagrado, que um treinador que seja despedido receba, só de indemnização, mais do que todos os ministros juntos (e são muitos), durante os quatro anos dos seus mandatos.
A necessidade de se pagar bem a quem dirige o país, a quem tem de gerir milhares de milhões de euros, a quem tem a responsabilidade de zelar pela Saúde, Justiça e Educação, àqueles que têm por missão criar as leis que nos regem, é algo considerado de somenos importância.
Para cúmulo, há políticos de partidos populistas, que tudo fazem para agradar à imensidão de demagogos que nos cercam, que também garantem que não devem ser aumentados.
O resultado é conhecido: os nossos governantes são, na imensa maioria das vezes, gestores medíocres que as empresas privadas de topo jamais contratariam.
Pelo menos antes de terem passado pelo Governo, já que, depois, trazem consigo uma extraordinária mais-valia que é a lista de contactos de gente influente e poderosa nas decisões políticas.
Inexplicavelmente, grande parte da população tem a mesma atitude crítica, por exemplo, com os salários de médicos, enfermeiros, polícias e professores.
Saber o ordenado que os portugueses consideram justo pagar a quem lhes pode salvar a vida, ensinar os filhos ou garantir a sua segurança, em comparação com o que aceitam como correcto para quem lhes proporciona a alegria da conquista de uma vitória desportiva, é algo de incompreensível.
Os governantes, há que dizer, conseguem melhorar a situação com alguns estratagemas que vão passando mais ou menos despercebidos da maioria dos maledicentes.
Ao ordenado, os ministros e deputados somam uma série de subsídios e prebendas que tornam o lugar mais apetecível e remunerado.
Os polícias, e outras forças de autoridade, recebem “subsídio de risco”, como se não fosse claro que a sua profissão é de risco e como se não fosse natural que esse “subsídio” se somasse ao ordenado normal.
Ainda assim, é deprimente saber que há médicos que recebem, mensalmente, menos do que um futebolista num “prémio de jogo” que junta ao seu salário milionário.
E mais deprimente saber que há quem considere isso como normal.
Escrevem-se artigos e mais artigos de jornais com críticas violentas sempre que surge um artigo a defender um aumento aos salários dos nossos governantes.
Esquecem (ou não consideram importante) que o resultado óbvio desta opção de pagar pouco é ter, em lugares de extrema importância para a Nação, somente os mais incompetentes e os incapazes de conseguirem lugares em empresas privadas onde o mérito é condição base para se ser admitido.
A opção pela excelência, para os portugueses, limita-se a alguns desportos.
Talvez mudem de opinião no dia em que, nos hospitais, nas escolas e nas esquadras haja profissionais com o mesmo nível de competência que existe nos ministérios e no Parlamento.
Vítor Ilharco é secretário-geral da APAR – Associação Portuguesa de Apoio ao Recluso
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