Aprecio bastante o reportório de queixas repetido a cada greve da Função Pública. Vejo, com um sorriso, a indignação de quem afirma que uma greve, seja qual for, não pode prejudicar a vida das pessoas.
Dos utentes do metro aos passageiros da CP e da Carris, e passando pelos pais dos alunos, há uma enorme fatia de gente que ainda parece achar que uma greve é uma espécie de feriado móvel. Ou como dizia um antigo chefe meu, no início do século: “se querem fazer greves, que as façam ao sábado!”.
É um conceito peculiar, este, o das greves que não incomodam. Quer dizer, seriam greves sem qualquer utilidade ou sequer poder reivindicativo, mas certamente trariam uma lufada de ar fresco ao debate. Deixariam era de serem greves autênticas, se bem que não nos devemos perder em detalhes.
Sigamos.
Os professores são, dentro da Função Pública, aqueles que mais têm endurecido e prolongado a sua luta. Nos noticiários, caixas de comentários ou até no Fórum TSF – esse longevo barómetro do pensamento popular magistralmente coordenado pelo Manuel Acácio – é possível recolher um resumo das queixas mais frequentes contra os professores, e compreender assim como é que nós, portugueses, ainda estamos pouco talhados para a defesa dos direitos dos trabalhadores.
Deixo aqui o top 5 das queixas, e acrescento o que penso sobre as ditas:
1 – “As greves prejudicam os alunos“
Se pensarmos que queremos alguém para passar o tempo dentro de uma sala com os alunos, então sim, a greve não só prejudica os alunos como os pais que têm de ficar com eles ou arranjar alternativas.
Contudo, se pensarmos um bocadinho, o que realmente devemos pedir ao sistema público de Ensino são professores motivados, e que possam, na sala de aula, realizar-se também profissionalmente, e, dessa forma, passar conhecimento aos nossos filhos.
Como não é isso que existe hoje, aquilo que prejudica os alunos são sim as sucessivas políticas de Educação que andam a destruir a Escola Pública. Ou ainda dois anos de confinamentos em nome ainda não se sabe bem de quê, e que, irremediavelmente, atiraram as necessidades educativas para segundo plano, como se o Apocalipse estivesse ali ao virar da esquina.
Aquilo que os professores estão a fazer, ao lutar pela dignificação da carreira, é exactamente a melhorar a Escola Pública e a beneficiar os alunos no longo prazo.
2 – “Os professores estão a ceder aos interesses dos sindicatos“
Fico sempre pensativo com quem condena sindicatos como coordenadores das lutas laborais. Gostava de saber se, para essas pessoas, existe outra forma, desconhecida do grande público, para as pessoas se organizem e falarem como um colectivo.
Tem um trabalhador sozinho alguma influência nas decisões da sua carreira? Em princípio, não. Então, e se forem todos os trabalhadores do sector? Em princípio, sim. E podem falar todos ao mesmo tempo com o empregador? Por exemplo, com o ministro da Educação? Fica mais confuso, não é? Tipo Mercado da Ribeira e ninguém se entende. É por isso que se juntam em colectividades onde um fala por vários. É essa a “conversa dos sindicatos”; e sem ela não existe negociação.
3 – “Concordo com a luta dos professores, mas não há outra forma de protesto sem ser a greve?“
Há. Por exemplo, para monges tibetanos há o silêncio. Mas aqueles vivem em mosteiros, sem rendas ou taxas de juro, comem pouca coisa, não abastecem as sandálias com diesel e, portanto, o custo de vida não sobe assim tanto relativamente ao salário.
Já para quem está há 10 anos numa conversa de surdos com os sucessivos ministros, essencialmente com o mesmo salário e sem progressão na carreira, a ver o custo de vida a disparar, de facto não há grandes alternativas a não ser a greve. É, de longe, a forma de luta mais civilizada e uma prova da paciência desta classe profissional.
4 – “Os meus filhos andam num colégio privado e nem sabem o que é uma greve“
Sorte desses professores que ali dão aulas, por receberem um salário digno; e azar dos alunos do colégio privado, que, apesar da elevada propina, não aprendem um dos direitos fundamentais previsto na Constituição. Preciso de dizer mais alguma coisa a este respeito?
5 – “Os professores continuam a ser uma classe com bons salários e com muitos privilégios; por exemplo, horário reduzido“
Julgo que já não vale a pena bater na tecla das horas de trabalho fora da sala de aula, que não são contabilizadas. Ou sequer dos salários vergonhosos. Escrevi há dois meses, em 4 de Novembro, aqui no PÁGINA UM, sobre isso, com testemunhos reais: em média, profissionais com 10, 15 e 20 anos de trabalho não traziam para casa 1.500 euros líquidos. Isto é uma vergonha, Uma miséria e uma merda. Seja lá qual for o ângulo escolhido.
Mas há um pormenor na vida dos professores que gostava AINDA de referir, e que, tal como a história dos salários, me foi explicado na primeira pessoa. São relatos de pessoas que passam a vida a saltar de escola em escola, contratados durante mais de 10 anos, a mudar constantemente de zona do país, e que, por causa das vicissitudes da profissão acabam por ter muita dificuldade em formar uma família ou manter algum relacionamento estável.
Muitos, confidenciaram-me, optam, ou são obrigados a optar, por uma vida sozinhos, sem um núcleo familiar, por não ser possível conciliar nos primeiros anos da carreira… e mais tarde, “tinha passado o tempo”.
Compreendem a violência deste tipo de declarações? Ver-se empurrado para uma vida de solidão para se ser professor? É deste tipo de privilégios que os tais pais incomodados pelas greves se queixam?
A Escola Pública em Portugal – um dos países menos desenvolvidos da Europa, é bom que não se esqueçam – não eleva o seu patamar de excelência com pensos rápidos e esmolas. É necessário um investimento sério, continuado e uma política que não mude ao sabor de quem governa ou dos lobbies que por lá passam.
Enquanto existir um contribuinte, o dinheiro deve ir para a Escola Pública e o Serviço Nacional de Saúde. São esses os pilares do Primeiro Mundo. O resto é secundário. Os professores, repito-o pela enésima vez, são a base do sistema; a luta deles é a luta de todos. A começar pelos nossos filhos.
Tiago Franco é engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)
N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM. As fotografias foram retiradas do mural do Facebook da Fenprof, retratando o acampamento defronte do Ministério da Educação durante esta semana.