A política está numa fase madura de divórcio com os cidadãos de bem e com posses. A forma construída de fazer oposição passou a ser a judicialização dos actos decisórios. Num país de diarreia legislativa, facilmente se encontram imperfeições, discutíveis fundamentos, responsabilizações ao absurdo por consequências de deliberações.
É fácil colocar um carimbo e é fácil esquartejar um cidadão na comunicação social. Os dedos saem dos bolsos em riste, apontados à alma das pessoas.
Talvez porque a construção da sociedade esteja errada, a pobreza galgue as mesas, os salários miseráveis proclamem a inveja, todos estão na mira dos dedos acusadores e todos estão potencialmente a caminho de um processo legal.
Uma razão mais para esta quantidade de processos pode ser também o custo da justiça. Se fosse mais caro, havia menos utilização, mas isso é como na saúde – reduzir a utilização por custo aumenta o risco de doenças fatais tardiamente diagnosticadas.
A percepção da qualidade dos actores políticos é posta em causa ao menor sopro, e deste modo os cidadãos em boa condição, os que perdem dinheiro ao entrar na política, os que herdaram bens mais que suficientes, os que casaram com um baú, os que têm contratos milionários, dificilmente se querem expor neste escrutínio de chinelo e mão na anca.
Muitos políticos usam demagógicos argumentos para pintar de ilegalidades as vidas alheias. Bruto não vem de faca na mão, atira com o Ministério Público, utiliza a Judiciária, apresenta suspeição na comunicação social, solta os chacais da rede social.
Muitos casos que se apontam como inenarráveis actos de corrupção, nunca o foram. Muitos processos de acusação redundam em nada, injustas acusações comprovam-se como vilipêndio e injúria. Esta abusiva utilização da lei leva à disfunção da própria Justiça, onde a construção de megaprocessos é uma imagem pública de ineficácia.
Usar a Justiça como intermediário da política é um pouco a história do árbitro ser sempre o culpado do jogo da equipa. Se marcar muitos golos, uma equipa ganha independentemente da qualidade do apito.
Na matéria da política o sistema internacional mergulhou num teatro bufo, de livre-arbítrio, de acusações vis. Pelo meio disto, suja-se toda a gente. Queremos ganhar as eleições, ou provocar a sua repetição, em constantes litígios judiciários.
Portugal não é excepção, e deve haver muito abuso, muita falta de senso nas decisões, muita incompetência entre os correligionários escolhidos, mas não será toda a que se vê e sobretudo não do modo que os pintam. O povo rejubila do escândalo, os jornais ejaculam com vendas de faca e alguidar.
Neste cenário, não há atração para pessoas discretas, cultas, interessantes, ricas, com salários óptimos antes da política. Este é um problema do recrutamento dos partidos. A política é um lugar onde é fácil pisar o risco, mas nem todos puseram a mão na massa e nem todos precisam disso.
O exemplo maior deste sistema de dedo em riste é a bajulação ao Bruno Nogueira e ao Ricardo Araújo Pereira, verdadeiros supositórios da má língua, vendedores do vitupério, milionários da ignomínia.
Diogo Cabrita é médico
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