AUTARQUIAS GASTAM O QUE QUEREM E COMO QUEREM

Festas natalícias: e assim se foram 26 milhões de euros em contratos públicos

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O PÁGINA UM foi olhar para os contratos das entidades públicas, sobretudo autarquias, alusivos à época natalícia, que inclui eventos que antecedem o Natal e que, em geral, se prolongam pela Passagem do Ano. De entre os contratos, quase oito centenas, já disponibilizados no Portal Base, encontrámos de tudo um pouco. E sobretudo falta de critérios. Aparentemente, cada entidade gasta no que quer e como quer. Em menos de um em cada 10 contratos se recorreu a concurso público.


Foram bonitas as festas da quadra natalícia. Pelo menos é aquilo que transparece das quase oito centenas de contratos públicos, assinados sobretudo por autarquias, que o PÁGINA UM compilou até ontem, que serviram para pagar iluminação, animações e diversões das mais variadas, cabazes para funcionários e carenciado – onde nem sequer faltou bacalhau e queijos –, muitos almoços e jantares, brindes e brinquedos a rodos, e demais parafernália necessária, como seja aluguer de equipamentos, assistência técnica e produção de som e imagem.

Embora ainda seja provável a introdução de mais contratos ao longo das próximas semanas no Portal Base alusivos ao Natal, o montante de gastos para alegrar uma parte dos portugueses durante umas semanas de Dezembro com dinheiros públicos ascendeu já aos 26,3 milhões de euros, envolvendo cerca de 330 entidades públicas, sendo que 243 são câmaras municipais e 30 juntas de freguesias. No lote estão igualmente diversas empresas municipais, mas também entidades privadas, como as ordens profissionais (que estão sujeitas às regras de contratação pública) e a Associação dos Comerciantes do Porto, que, por via de um protocolo com a autarquia, é uma das entidades pelas festividades natalícias nas ruas da Cidade Invicta.

Evento natalício no Seixal

Sendo o Natal sempre na mesma época do ano, e até no mesmo dia, aquilo que mais surpreende é o pouco uso na contratação por concurso público. De entre os 796 contratos públicos consultados pelo PÁGINA UM, 453 foram celebrados por ajuste directo, 274 por consulta prévia (que, em muitos casos, resulta em combinações) e apenas 69 através de concurso público.

Ou seja, em menos de nove em cada 100 contratos, quem ganhou teve mesmo de derrotar a concorrência. Em termos de montante, e por existirem limitações aos ajustes directos, o peso dos contratos após concurso público é um pouco maior: cerca de um terço do total, ou seja, um pouco mais de 8,5 milhões de euros. Os contratos por ajuste directo representam 31% e os restantes 36% foram por consulta prévia.

Individualmente, a entidade que mais investiu em efémeras animações do Natal passado foi a Secretaria Regional do Turismo e Cultura da Madeira que, através de sete contratos, gastou já 3,4 milhões de euros. Apenas um destes contratos foi por concurso público, no valor de quase 1,9 milhões de euros, que inclui também uma parte das festividades natalícias deste ano e eventos carnavalescos de 2023 e 2024.

Evento natalício em Santa Maria da Feira

Apesar de no caso da Madeira ser tradicionalmente o Governo Regional a arcar com os gastos de animação natalícia, houve autarquias daquele arquipélago que quiseram também abrir os cordões à bolsa com dinheiros públicos. Por exemplo, a Câmara Municipal da Calheta – que conta com cerca de 11 mil habitantes – gastou 256.983 euros, distribuídos por seis contratos, o maior dos quais, para iluminação decorativa do Natal e Passagem do Ano, ascendeu a quase 215 mil euros. E, por sua vez, a autarquia de Santa Cruz, com cerca de 43 mil habitantes, gastou 317.815 euros em cinco contratos, incluindo um no valor de mais de 48 mil para montar e desmontar gambiarras.

Os montantes despendidos em cada concelho são extremamente variados, e parecem depender mais de uma certa tradição do que da dimensão geográfica ou populacional, extravasando a simples iluminação e animação. Além disso, nem sempre é apenas a Câmara Municipal a assegurar as despesas, havendo casos dessa tarefa ficar remetida a empresas municipais ou mesmo a entidades externas com funções públicas.

Na capital portuguesa, ainda se está muito longe de apurar custos totais. Relacionado com o Natal, a autarquia liderada por Carlos Moedas apenas introduziu no Portal Base um contrato de cerca de 22.500 euros para “aquisição de material didático para oferta aos filhos dos trabalhadores do Município de Lisboa no Natal 2022”. Os contratos de animação em Lisboa em época natalícia ainda não são assim globalmente conhecidos, embora seja patente que várias juntas de freguesia da capital arcaram com custos de iluminação, como as das Avenidas Novas (54.550 euros), da Penha de França (39.800 euros), de Marvila (19.200 euros), dos Olivais (11.250 euros) e de Alvalade (5.900 euros)

Evento natalício em Portimão

No caso do Porto, pelos dados disponíveis a Câmara Municipal gastou pouco: apenas 21.650 para serviços de criação artística e instalação da decoração de Natal no Gabinete do Munícipe e para a produção de um filme promocional alusivo à época.

Porém, os gastos públicos acabaram por ser consideráveis, embora assumidas por outras entidades, como sejam a Associação dos Comerciantes do Porto (409.545 euros, que custeou a iluminação), a Associação dos Amigos do Coliseu do Porto (173.500 euros, que custeou o Circo do Natal) e a empresa municipal Ágora (92.932 euros, para pagamento de diversos eventos). Ou seja, para já, os eventos natalícios no Porto terão custado cerca de 700 mil euros.

De acordo com o levantamento do PÁGINA UM, de entre as 10 entidades com mais gastos – lista liderada pela Secretaria Regional madeirense do Turismo e Cultura –, constam sobretudo concelhos da Grande Lisboa, Algarve ou cidades capitais de distrito. A câmara municipal individualmente com maiores gastos, contabilizados por agora, é a do Seixal: quatro contratos no valor total de 513.631 euros para dinamizar a sua Aldeia de Natal.

Jantar de Natal da Câmara Municipal do Crato

Muito próximos destes valores ficaram os gastos de duas autarquias algarvias: Portimão e Loulé. A primeira, do barlavento, gastou 510.365 euros, em 10 contratos diversos de iluminação e eventos, nenhum deles por concurso público. As despesas incluem mesmo um Jantar de Natal para funcionários municipais que custou 45.000 euros. Não se sabe se nesse jantar estiveram os funcionários da EMARP, a empresa municipal de águas e resíduos deste concelho. Se não estiveram, também tiveram direito ao seu jantar pago pela empresa, e que custou 9.675 euros. Além disso, neste concelho, a Junta de Freguesia de Portimão também gastou 15.131 euros em cabazes de Natal e 12.000 euros em iluminação de ruas.

Por sua vez, no barlavento algarvio, a Câmara Municipal de Loulé gastou um total de 489.978 euros em oito contratos alusivos à época natalícia, dos quais os dois maiores por concurso público. Também aqui quase tudo foi para iluminação e para custear as aldeias de Natal, agora muito em moda. Houve mais duas empresas municipais – Infraquinta, de gestão de infraestuturas públicas da Quinta do Lago, e a Inframoura, a congénere de Vilamoura – com gastos natalícios. A primeira pagou 25 mil euros por iluminação; a segunda 14.524 euros por cabazes de Natal.

De entre as Câmaras Municipais com gastos acima dos 400 mil euros estão ainda as de Castelo Branco (438.068 euros), da Maia (403.805 euros), de Leiria (403.270 euros) e Vila do Conde (400.889 euros).

UHF em concerto de Natal em Fafe.

Com montantes entre os 300.000 e os 400.000 euros encontram-se as autarquias de Albufeira, Bragança, Silves, Braga, Guarda, Santa Cruz (Madeira), Águeda e Almada. Por agora, o top 20 das entidades públicas com maiores despesas em actividades e eventos natalícios no ano passado é completado pelas Câmaras Municipais de Sintra (297.809 euros), Gondomar (262.065 euros) e Calheta (256.983 euros).

Mesmo alguns concelhos de pequeníssima dimensão não olharam a custos para alegrar o Natal. Os casos mais evidentes são os da Pampilhosa da Serra e de Pinhel. No primeiro caso, o município do distrito de Coimbra, com cerca de quatro mil habitantes, gastou 202.167 euros em cinco contratos (nenhum por concurso público) eventos de natureza natalícia. O segundo, no distrito da Guarda, com menos de 10 mil habitantes, despendeu 183.310 euros em contratos, todos apenas por consulta prévia.

Apesar de a iluminação ser o item com maior peso dos contratos já analisados pelo PÁGINA UM, representando um total de 10.939.122 euros (41,6% dos gastos totais), existe uma multiplicidade de gastos relacionados com a época natalícia nem sempre fáceis de agrupar. Nas categorias definidas pelo PÁGINA UM, além da iluminação – incluindo montagem e desmontagem, mas sem a parte dos custos energéticos –, a categoria da animação e diversão somou já 7.695.461 euros.

Cabazes de Natal da Câmara Municipal da Trofa.

Neste grupo estão as aldeias de Natal, mas também circos, peças de teatro e até concertos (de música clássica ou não) desde que inseridos em actividades alusivas àquela época do ano. Por isso, neste lote encontram-se, por exemplo, os quatro concertos dos UHF em Castro Verde, Lagos, Marco de Canavezes e Fafe.

Como complemento destas actividades, contam-se também os contratos para aquisição e aluguer de equipamentos – que totalizam, até agora, 1.232.932 euros –, os contratos para decorações diversas (incluindo árvores de Natal – englobando já 536.559 euros –, os contratos muito diversificados de assistência técnica, segurança e consultadoria – com um total de 430.701 euros – e ainda os contratos para serviços de som e imagem, sobretudo filmes promocionais e gravação para memória futura de eventos, com uma despesa de 291.015 euros.

A grande distância das duas categorias mais representativas em gastos natalícios – iluminação, animação e diversão, que totalizam 70,8% do valor dos contratos analisados, superando os 18,7 milhões de euros – surgem os cabazes de Natal ou de produtos destinados a ofertas natalícias, tanto a funcionários públicos como a pessoas carenciadas.

Iluminação natalícia em Lisboa, no Largo do Intendente.

O PÁGINA UM detectou quase seis dezenas de aquisições em que se refere expressamente a aquisição de Cabazes de Natal ou de produtos alimentares, que inclui até a compra de bacalhau, queijos e vinhos. O “fiel amigo” foi comprado, para oferta municipal a funcionários, pelas Câmaras Municipais de Mafra (35.294 euros), Leiria (19.040 euros), Portel (12.392 euros), Monchique (12.167 euros) e Viseu (7.843 euros), além de Ovar. Neste último caso, o contrato no valor de 16.517 euros, inclui outros produtos, mas especifica a aquisição de “729 (setecentos e vinte e nove) Peixes de Bacalhau da Noruega crescido (1,400 kg a 1,800 kg/cada)”. Nada mau.

Também houve 5.692 euros de compras de vinhos pela autarquia de Sines e 3.105 euros gastos em queijos pelos Serviços Intermunicipalizados de Águas e Resíduos dos Municípios de Loures e Odivelas.

No sector alimentar, os gastos também foram avultados para aquilo que se pode categorizar de catering, que basicamente consiste em almoços ou jantares de Natal, umas vezes para funcionários públicos, outras para idosos. De entre os contratos públicos, o PÁGINA UM detectou, para já, 19 almoços de Natal e 33 jantares de Natal.

O almoço mais caro foi pago pela Câmara Municipal de Redondo: 19.820 euros. No caso do jantar de Natal, a autarquia de Portimão despendeu 45.000 euros especificamente para obsequiar os seus funcionários.

Também houve gastos substanciais em brinquedos e brindes – uma categoria, por vezes, difícil de estabelecer, uma vez que inclui até publicações (livros) que aparentam ser acções de marketing político. Neste grupo, o PÁGINA UM contabilizou dezenas de contratos totalizando 755.996 euros para a aquisição dos mais distintos objectos.

Em muitos destes contratos que envolvem a aquisição de prendas nota-se uma completa ausência de critérios na escolha dos destinatários, mas em outros choca que os beneficiários sejam apenas funcionários públicos (mesmo que para os filhos), sabendo-se que as verbas, sendo públicas, provêm dos contribuintes.

Por exemplo, o município de Oeiras decidiu gastar 13.298 euros em brinquedos, mas especificando que eram para “os filhos dos trabalhadores do município, da assembleia municipal, juntas de freguesia, PSP, bombeiros e CCD [Centro de Cultura e Desporto]”.

Prendas de Natal em Oeiras apenas para funcionários autárquicos, polícias & bombeiros

Além de todos estes gastos, ainda constam dezenas de contratos que o PÁGINA UM classificou como “diversos”, cuja categorização se mostra de difícil enquadramento em outros, ou que obrigaria a uma consulta individual dos contratos. E é bom de ver que, até ontem, estavam 796 contratos alusivos à época natalícia no Portal Base.

Hoje, dia 17, foram inseridos mais seis, no valor total de 158.817 euros, e para coisas tão diversas como a aquisição de 1.676 euros de azeite para brindes de Natal pelos Serviços Intermunicipalizados de Águas e Resíduos dos Municípios de Loures e Odivelas ou os três contratos de uma empresa municipal da Feira para serviços de carpintaria, som e luz para o mercado de Natal. O Pai Natal, através dos dinheiros dos contribuintes, pode ser generosos até mais não…

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