histórias que eu sei

Hino novo, discussão velha

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por Frederico Duarte Carvalho // Janeiro 28, 2023


Categoria: Opinião

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O músico Dino Santiago usou um evento do semanário Expresso para colocar em causa a letra do hino nacional. Fomos ler o que disse o semanário Expresso quando, em 1997, Alçada Baptista fez a mesma proposta no seu discurso de 10 de Junho.


“Não tem nenhum eco no coração da juventude evocar a vitalidade da pátria gritando ‘às armas’ e propondo-nos ‘marchar contra os canhões’”. Quem disse isto? Se pensou no nome de Dino Santiago, o músico que, no passado dia 6 de janeiro, durante a conferência comemorativa dos 50 anos do semanário Expresso, propôs a alteração do hino nacional, então está errado.

Dino disse algo parecido. Mais precisamente: “A nossa geração, este nosso tempo, já é um tempo de termos um hino menos bélico, que incentive menos às guerras. Não gritemos mais ‘às armas, às armas’ e não marchemos mais ‘contra os canhões’. Os nossos filhos não precisam disso e a nova emancipação não pode ser territorial. Que seja mental, espiritual, com amor”.

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Então, quem disse a frase inicial e quando? Aquelas foram palavras de António Alçada Baptista (1927-2008), advogado, romancista e editor que, entre 1988 e 1997, foi o presidente da Comissão Organizadora do Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas. Seria no 10 de Junho de 1997, na cidade de Chaves, que Alçada Baptista, como orador oficial, questionou o hino nacional perante o Presidente Jorge Sampaio e o primeiro-ministro António Guterres.

É preciso, primeiro, contextualizar a altura em que Alçada Baptista disse aquelas palavras. Em 1997, Portugal vivia o segundo ano do governo socialista de António Guterres. Era uma nova política, após os dez anos de Cavaco Silva à frente do governo. Guterres não tinha uma maioria parlamentar, mas vencera as eleições e geria o cargo em maioria relativa, sem qualquer acordo parlamentar assinado à esquerda. O actual Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, era então o líder do PSD desde que vencera o congresso de Santa Maria da Feira no ano anterior.

O país ainda não tinha entrado na crise económica do “pântano” ou da “tanga”, mas discutia-se uma das mais importantes decisões que afectariam a soberania de Portugal: a adesão ao euro e o fim da nossa moeda, o escudo. É nesse ambiente que Alçada Baptista lança o repto em relação à discussão do hino.

Três dias depois, no semanário Expresso – o mesmo que no dia 6 deste mês deu palco ao músico Dino Santiago para ir avante com a sua proposta – o subdirector Fernando Madrinha, no espaço de crónica com a designação “Página Dois”, por ocupar a segunda página do semanário, assinou um texto intitulado “E a seguir ao Hino?”. Alertava que “a falta de assunto” levou a que Alçada Baptista fizesse uma proposta reveladora “de uma certa atitude que contribui para nos desarmarmos ainda mais enquanto Nação”.

Madrinha contou que o primeiro-ministro da altura – e actual secretário-geral da ONU, António Guterres –, comentou que todos os hinos estão “desfasados” e não seria suposto serem tomados à letra. Sendo um canto de exaltação, “não se espera dele que faça apelo à razão dos comportamentos ou que seja fiável quanto ao rigor dos factos históricos; espera-se bem pelo contrário, que faça apelo às emoções e mobilize a vontade daqueles a quem se dirige”, escreveu o subdirector do Expresso.

António Guterres, antigo primeiro-ministro e actual secretário-geral da Organização das Nações Unidas.

Frisou Madrinha que a questão aparecia “justamente num tempo histórico em que bem precisados estamos de reforçar essa noção de Pátria, que a alguns – poucos, felizmente – parece repugnar. Se a proposta de mudar o hino tivesse seguimento, que sentido faria manter a bandeira, visto que alguns dos seus símbolos também perderam actualidade?”.

Pois é. A seguir ao hino, será a bandeira a ser colocada em causa?

“E já que as fronteiras se diluíram e a moeda está em vias de desaparecer, por que não eliminar todos os sinais que contribuem para a nossa identificação nacional?”, perguntava ainda, em tom de provocação, o subdirector do jornal fundado em 1973 por Francisco Pinto Balsemão, que foi primeiro-ministro de Portugal entre 1981 e 1983.  

António Alçada Baptista

Mas as frases mais provocadoras do subdirector do Expresso estavam reservadas para o fim da crónica que, lida com os olhos higiénicos do novo pensamento de contra-cultura dos dias de hoje, seria facilmente conotada com posições “extremistas”, pois Fernando Madrinha registou que a proposta de Alçada Baptista caiu em “saco roto e não comprometeu mais ninguém senão o próprio autor da inusitada proposta. Se outros lhe tivessem dado ouvidos, ao nível da representação política, isso seria um grave sinal de que estávamos muito perto de nos transformarmos de vez num povo sem memória, num Estado sem raízes, numa Nação sem uma ponta de respeito pelo seu passado”.

Pimba!

Madrinha ainda dedicou umas palavras ao Presidente da República, Jorge Sampaio, dizendo que esperava que deixasse de haver a figura do orador oficial “ou que, pelo menos, evitem o absurdo de algum futuro orador oficial se achar no direito de usar a tribuna do Dia de Portugal para apoucar os símbolos nacionais”. E não acabou por aqui. Ainda teve mais: “E espera-se também que Jorge Sampaio arranje iniciativa e criatividade bastantes para interessar o país inteiro por essas celebrações. A fim de que 10 de Junho continue a ser identificado como o dia de Portugal e não seja cada vez mais o dia em que se joga a final da taça no Estádio Nacional”.

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Pumba!

Vinte cinco anos se passaram desde aquela altura. A moeda única, aprovada em 1998, surgiu fisicamente em 2002. O Hino de Portugal foi bastante cantado durante a carreira da selecção de futebol no Euro2004. Os primeiros sinais da crise financeira internacional começaram em 2008 e atingiu-nos em força em 2011. Hoje, nem mesmo o hino e a bandeira parecem ter força suficiente para nos exaltar como povo. A não ser, talvez, nos jogos da selecção.

Nota histórica:

A Portuguesa é o nome do hino de Portugal e, originalmente, a parte que fala de marchar contra os canhões era contra os “bretões”, os britânicos. Começou por ser uma canção de protesto contra a imposição da chamada questão do ultimato britânico do “Mapa Cor-de-Rosa” de 1890, em que se exigia que as tropas portuguesas abandonassem o território compreendido entre Moçambique e Angola.

A letra é de Henrique Lopes de Mendonça e a música de Alfredo Keil. O sucesso popular e o facto de ser uma bandeira contra uma monarquia refém dos ingleses, elevou a canção a hino nacional no ano seguinte à revolução republicana do 5 de Outubro, em 1911, tendo substituído o “Hino da Carta” que vigorava desde Maio de 1834.

Desde então, houve novas oportunidades revolucionárias para mudar o hino. Poderia ter sido feito, por exemplo, aquando do golpe do 28 de Maio de 1926. Também o ditador Salazar poderia ter mudado o hino na altura em que teve uma nova constituição, em 1933. Criou o Estado Novo, mas não aproveitou para fazer o “Hino Novo”.

Aliás, a 16 de Julho de 1957, o Conselho de Ministros, presidido por Salazar, fixou a letra e arranjo musical, tendo sido publicada a versão oficial da partitura no Diário do Governo de 4 de Setembro de 1957.

Com o 25 de Abril de 1974, marcando o fim da ditadura e início da actual democracia, também não se mudou o hino – pelo que o “Grândola, Vila Morena” a canção de Zeca Afonso que serviu de senha para a revolução, perdeu assim uma bela oportunidade de substituir “A Portuguesa”. Sobra-nos, ao menos, o consolo de ter um hino com nome feminino que, pelos vistos, sempre poderá contar como algo a seu favor nos tempos que correm.

Frederico Duarte Carvalho é jornalista e escritor


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