Tinta de Bisturi

31 maneiras de tornar a vida insuportável

stainless steel scissor

por Diogo Cabrita // Janeiro 30, 2023


Categoria: Opinião

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Palavras que significam má relação, que provocam instabilidade e desarrumam o colectivo social estão definidas nos pecados mortais.

São uma lista de modos de estar que provocam picardias e irritações. As formas de agir que dificultam a conversa, o estar em partilha, foram desenhadas por Evágrio do Ponto (345-399) que teria escrito uma lista de oito crimes (culpas) e “paixões” humanas, em ordem crescente de importância (ou gravidade). Da sua vivência com os monges, interpretou os seus defeitos no quotidiano da partilha, definindo os oito males do corpo, mas também doenças espirituais que os afligiam e conduziam à disputa e à discussão.

woman covering her face with red apple

Com ele nasceram os “pecados mortais”. Mas há muito mais defeitos, ou negatividades, correspondendo a todos um antónimo sorridente. 

É difícil codificar numa palavra algumas das características más, apesar de perceber exactamente o que queremos representar. Há comportamentos que são a representação da necessidade do bando, da vara, da manada.

A “matilha”, ou a predilecção de alguns pela existência protegida, pela pertença ao grupo ou ao gang, não tem uma linguística perfeita, mas apouca a cidadania. Inclua-se aqui a subjugação à moda. A pertença ao clube de futebol, a exuberância de agradar ao líder do partido, tudo isso chamaremos de “enquistamento”. Os enquistados usam linguagem semelhante, roupas idênticas, discursos em frases feitas.  

A interiorização da “fronteira”, a incapacidade de não invadir o espaço alheio que encontramos no toque, na abusiva presença, na falta de linhas que digam “a partir daqui não” (inibição de contacto), é também de difícil nomeação. Chamar-lhe-emos de “o desbragamento”. Era mais fácil se o outro tivesse um semáforo na testa. 

man face covered with white tape

Mas são adjectivos bem qualificativos do género e fáceis de definir: a preguiça, a melancolia (a tristeza), o ciúme, o dogmatismo (fanatismo), o medo, a apatia (ou desinteresse), a vergonha, a timidez, a ira, a luxúria, a vingança, a sujidade (a falta de higiene), o mutismo, o vício (qualquer um deles por si só, ou todos), a vozearia, o desprezo, a mentira, a vaidade, a idolatria, a gula.

Mantendo o menu do que devíamos evitar, perto de nós, estão a avareza, a inconsciência (ou irresponsabilidade), a infantilidade, o egoísmo, a incoerência, o ser esquivo. Por tudo isto, a relação de pessoas em espaços confinados vira fervura.

E agora temos 28 “pecados mortais”, verdadeiras asperezas à relação entre pessoas e não há relação de pessoas com animais, porventura mais simples, pois eles não são assim.

A vida contemporânea introduziu mais três motes, agora tecnológicos. O utilizador incessante de telemóveis e o jogador de computador. Estamos em 31 maneiras de tornar a vida em família, ou de um grupo numa casa, insuportável.

woman in pink jacket lying on gray couch

Acrescentem-lhe o fanatismo de ver filmes e séries de televisão: binge-watching, traduzido de modo livre por “visionamento bulímico”, a doença de ver televisão (séries, filmes, etc.) ininterruptamente. Sabemos que os canais tendem a adequar os seus conteúdos aos alvos que somos nós e que vão construindo armas de percepção dos interesses de cada um. 

Se quiserem um exercício interessante perceberão que conhecem a Alexandra que é desassombrada, o Sá que é preguiçoso, o José que é aldrabão. Mas facilmente descobrirão amigos incríveis que são abnegados, empenhados, trabalhadores, solidários, e sobretudo pagadores de impostos.

Diogo Cabrita é médico


N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

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