ARQUITECTURA DOS SENTIDOS

Nada nos dói mais que sentir os nossos filhos de mãos geladas

brown and blue wallpaper

por Mariana Santos Martins // Fevereiro 1, 2023


Categoria: Opinião

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Coisa é fascinante constatar – e entenda-se o fascínio com o devido riso de escárnio – como é que no Portugal de 2023 se tem a casa gelada ao ponto de se ver o próprio bafo; como é que se tem a roupa tão fria que vestir se mostra penoso; como é que se tem coisas guardadas que subitamente ficam cobertas por uma camada de bolor.

Pobreza energética.

Num país de sol que tantas vezes brilha

boy in black and white plaid coat

Como se pode, e não se pode (e só para quem pode), procuram-se bálsamos e pensos rápidos, janelas simples emparelhadas com velhas para poder pagar cada janela, mantendo as existentes, mas tendo assim duas fiadas, e as condensações a escorregarem nos vidros…

O famoso capoto [acessível, rápida execução, desempenho mais pobre, sistema antigo tratado como a coisa mais nova que já se viu por estas partes, pobreza de informação, ao ponto de pensarem que o dito capoto é nome quando, na verdade, é uma marca, à semelhança do pladur], o que não é o mais perfeito a resolver pontes térmicas [uma ponte que o calor cruza para fugir de nós pelos cantos, mesmo que queimemos toda a lenha que encontrarmos] em reabilitação, mas todas as gentes o fazem e põem e vai aparecendo. Não sobra dinheiro para arranjar o telhado ou colocar isolamento por lá, e assim continuam surgindo as telhas partidas e a água a minar, a minar.

(O minério agora somos nós.)

Também não há dinheiro para o valor actual dos pellets, e tantos que investiram nisso, de salamandra catita, com mais fé na relação custo benefício. (Viram o preço da saca agora?) Pelo meio ainda surge mais uma bandeirinha a queixar-se das partículas do fumo emitido pelas chaminés. Ou ligar o ar condicionado e aquecer o ar que vem de lá de fora e foge rapidamente, encostando-se aos vidros e junto ao caixilho (libertem-me, libertem-me! Ar vira água e água dentro de casa, as cheias de todos os dias).

houses covered with snow during daytime

“Apanhem lenha” dizem os bem calçados, assim uma coisa como a decapitada que disse “comam brioche”.

Andar com mini-aquecedores que se ligam junto às pernas para os miúdos aquecerem e que mal se desligam, com o pânico da conta da luz, todo o calor se esvai em meia hora.

As casas em que sempre vivemos definem-nos?

Se somos o que comemos, somos como vivemos?

Pelo meio, os tiranetes lusitanos piam, piam, piam.

Entretêm, entretêm, entretêm.

Um palco invadido, outro palco projectado.

fire burning on fireplace

E pelo meio esfregamos as mãos, encostadas à boca, ansiando a Primavera. E a larga maioria quer lá saber de respeitar as centenas de mortes em crianças causadas pela inoculação experimental contra o vírus da moda.

Mate-se o mensageiro? Que podres terá ele, não é? Está frio, ninguém tem tempo para pensar nisso.

Segue em frente! Falar? Eu? Para quê?

Cada um sabe de si, não é verdade? E aquecer as carnes já gasta tanta energia.

Mariana Santos Martins é arquitecta


N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

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