Coisa é fascinante constatar – e entenda-se o fascínio com o devido riso de escárnio – como é que no Portugal de 2023 se tem a casa gelada ao ponto de se ver o próprio bafo; como é que se tem a roupa tão fria que vestir se mostra penoso; como é que se tem coisas guardadas que subitamente ficam cobertas por uma camada de bolor.
Pobreza energética.
Num país de sol que tantas vezes brilha
Como se pode, e não se pode (e só para quem pode), procuram-se bálsamos e pensos rápidos, janelas simples emparelhadas com velhas para poder pagar cada janela, mantendo as existentes, mas tendo assim duas fiadas, e as condensações a escorregarem nos vidros…
O famoso capoto [acessível, rápida execução, desempenho mais pobre, sistema antigo tratado como a coisa mais nova que já se viu por estas partes, pobreza de informação, ao ponto de pensarem que o dito capoto é nome quando, na verdade, é uma marca, à semelhança do pladur], o que não é o mais perfeito a resolver pontes térmicas [uma ponte que o calor cruza para fugir de nós pelos cantos, mesmo que queimemos toda a lenha que encontrarmos] em reabilitação, mas todas as gentes o fazem e põem e vai aparecendo. Não sobra dinheiro para arranjar o telhado ou colocar isolamento por lá, e assim continuam surgindo as telhas partidas e a água a minar, a minar.
(O minério agora somos nós.)
Também não há dinheiro para o valor actual dos pellets, e tantos que investiram nisso, de salamandra catita, com mais fé na relação custo benefício. (Viram o preço da saca agora?) Pelo meio ainda surge mais uma bandeirinha a queixar-se das partículas do fumo emitido pelas chaminés. Ou ligar o ar condicionado e aquecer o ar que vem de lá de fora e foge rapidamente, encostando-se aos vidros e junto ao caixilho (libertem-me, libertem-me! Ar vira água e água dentro de casa, as cheias de todos os dias).
“Apanhem lenha” dizem os bem calçados, assim uma coisa como a decapitada que disse “comam brioche”.
Andar com mini-aquecedores que se ligam junto às pernas para os miúdos aquecerem e que mal se desligam, com o pânico da conta da luz, todo o calor se esvai em meia hora.
As casas em que sempre vivemos definem-nos?
Se somos o que comemos, somos como vivemos?
Pelo meio, os tiranetes lusitanos piam, piam, piam.
Entretêm, entretêm, entretêm.
Um palco invadido, outro palco projectado.
E pelo meio esfregamos as mãos, encostadas à boca, ansiando a Primavera. E a larga maioria quer lá saber de respeitar as centenas de mortes em crianças causadas pela inoculação experimental contra o vírus da moda.
Mate-se o mensageiro? Que podres terá ele, não é? Está frio, ninguém tem tempo para pensar nisso.
Segue em frente! Falar? Eu? Para quê?
Cada um sabe de si, não é verdade? E aquecer as carnes já gasta tanta energia.
Mariana Santos Martins é arquitecta
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