No passado dia 23 de Janeiro, o Bloco de Esquerda apresentou um projeto de lei para tentar ajudar a combater a crise na habitação, proibindo a venda de imóveis a empresas ou cidadãos não residentes no território nacional. Não deixa de ser verdade que a subida de preços dos imóveis se deveu, sobretudo, à elevada procura de estrangeiros no mercado nacional, apesar de nos últimos quatro anos apenas 6% das casas terem sido vendidas a cidadãos estrangeiros, segundo o Instituto Nacional de Estatística.
Proibir estrangeiros de adquirir imóveis não constitui solução para a falta de acessibilidade da habitação. A medida apresentada é, assim, tão ineficaz como pôr fim aos Golden Visa, o que se comprovou pelo desempenho do mercado imobiliário no último ano. Após as restrições impostas a alguns concelhos e capitais de distrito, de acordo com dados do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) verificou-se um crescimento de 41,9%, para 654,2 milhões de euros de investimento.
Por outro lado, os dados dos Censos 2021 permitiram-nos verificar que, apesar do aumento da construção na última década, o número de casas disponíveis não aumentou, antes pelo contrário. Existem menos 12 mil casas vagas do que em 2011. Tal não se deve ao alojamento local, mas sim ao aumento em 40% da população estrangeira residente em Portugal na última década, que correspondem a mais de 240 mil estrangeiros desde 2017, totalizando agora 555.299 e 5,4% da população total residente. É certo que os compradores nacionais constituem a maior fatia do mercado, mas sem o investimento estrangeiro a valorização não teria sido tão acentuada.
Portugal conquistou o coração de novos residentes, permanentes ou não, cujos rendimentos têm pressionado os preços a subir, e o investimento que tem sido feito na reabilitação de edifícios nos maiores centros urbanos tem também produzido frutos na atracção de cada vez mais cidadãos e turistas estrangeiros. O clima, a segurança, a gastronomia, a proximidade com as praias e o facto de ser uma porta para a Europa, continuará a atrair capital estrangeiro, o que beneficiará a Economia e manterá estáveis os preços dos imóveis com as localizações e características preferenciais destes compradores ou arrendatários.
A tipologia ou área não parece que façam diferença, no sentido em que, dentro deste segmento, existem jovens, executivos, empreendedores, pequenas famílias, grandes famílias, com projetos de vida mais ou menos determinados ou duradouros, mas que procuram sempre o mesmo: a melhor localização, varanda, jardim, vista para o rio, excelente luminosidade, conforto e arquitectura.
Com o aumento dos preços dos imóveis que cumprem os requisitos de procura de compradores estrangeiros existe um efeito de contágio no preço dos imóveis, alargando-se mesmo às periferias. As famílias de classe média que, antes adquiriam os imóveis atualmente mais desejados nos bairros históricos – como Alfama, Príncipe Real e Baixa-Chiado –, deixaram de poder competir com grandes capitais, mas nem por isso deixaram de comprar, por necessidade imediata, ou por medo de que os preços subissem mais.
Todavia, creio que a falta de habitação não se resolve afastando o investimento estrangeiro; resolve-se atraindo este investimento. Quais são então os prós do investimento estrangeiro? Eu evidenciaria as seguintes vantagens:
Reabilitação urbana
Há dez anos, o parque habitacional de Lisboa e Porto era decrépito. Pouco ou nenhum investimento era direcionado para um mercado de compra e venda ou de arrendamento estagnado, castigado por uma crise, com salários baixos e sem crescimento. Nenhum plano de negócios convenceria um investidor qualificado a adquirir e reabilitar edifícios com toda a burocracia, elevados custos e tempo de projeto necessário, para cobrar rendas que mal cobriam despesas de manutenção corrente, quanto mais de profunda reabilitação.
Ainda que os imóveis se destinassem à venda, a construção nova sempre compensou e atraiu promotores para os subúrbios, ou para áreas de turismo ou de residência de reformados estrangeiros, como o Algarve. Reabilitar edifícios históricos em Lisboa e no Porto, na sua maioria habitados por idosos com rendas antigas, não era sustentável, nem para o setor privado, nem para o setor público.
Desde 2014, por via dos programas de incentivo ao investimento direto estrangeiro, o mercado imobiliário renasceu. Temos assistido a uma profunda transformação dos maiores centros urbanos do nosso país, diria eu que para muito melhor. Edifícios e ruas inteiras com reabilitações profundas, aumento da oferta de casas, aumento e renovação da restauração e do comércio, atração de turismo e rentabilização de imóveis por pequenos proprietários.
Dinamização das empresas, do comércio local e nacional
Portugal está atualmente entre os 20 países do Mundo com maior capacidade de oferta de coworking, com mais de uma centena de espaços em Lisboa e Porto. Longe de ser algo passageiro, este conceito representa uma mudança estratégica para empresas de todo o Mundo, o que atraiu nómadas digitais que tanto têm procurado o nosso país, para aqui habitarem enquanto trabalham remotamente.
Este público é muito valioso para a nossa economia, pois vem contribuir para o crescimento do nosso comércio, restauração e serviços. O problema que o Governo tem de resolver é permitir à população portuguesa aumentar a sua produtividade e os seus rendimentos, o que pode agradecer sobretudo aos investidores e às pequenas e médias empresas que criam valor e empregos.
Afastar investidores e habitantes estrangeiros seria afastar clientes das nossas empresas e de todos aqueles que estão a colocar as suas poupanças na construção e reabilitação de casas, de lojas e de serviços. Não é tornando toda a gente mais pobre que a qualidade de vida da população melhora, pelo contrário. Estes incentivos atraem o capital necessário ao crescimento do nosso país, que irá refletir-se, não apenas em recursos e infraestruturas que o Governo não tem, mas também em receita de impostos através do aumento do rendimento das empresas e dos salários que estas poderão oferecer, em consequência do valor criado.
Desenvolvimento cultural e retenção de talentos
Os recursos tecnológicos e a nossa facilidade com idiomas tornam Portugal apetecível para que, cada vez mais, seja possível criar oportunidades, que vão dinamizando a Economia e trazem novos hábitos culturais para a sociedade. Durante anos, assistimos ao êxodo dos nossos melhores talentos, que viram noutros países a oportunidade de se realizarem profissionalmente e serem justamente remunerados, sacrificando a proximidade aos seus familiares e perdendo as qualidades naturais e geográficas que Portugal oferece. A atracção de estrangeiros possibilita ainda às nossas crianças e adolescentes uma interacção muito saudável com outras culturas e idiomas.
É evidente que todas as mudanças trazem reajustes e desconforto e que estes reajustes tenham passado por uma “super valorização” e rápido renascimento de pontos da cidade que estavam degradados, onde vivia uma parte da população com rendimentos baixos. Quais são então os principais problemas resultantes do rápido crescimento, e quais as possíveis soluções?
Lisboa e Porto não deixaram de ter casas para as pessoas, como dizem as manchetes dos jornais; deixaram sim de ter casas decrépitas e passaram a ter casas com condições dignas para todas as pessoas. O que foi possível através dos investidores, dos promotores e dos compradores, portugueses e estrangeiros, que canalizaram o seu capital de investimento para o imobiliário residencial, o que tem de ser estimulado através das seguintes estratégias:
Desenvolvimento das zonas urbanas limítrofes e do interior do país
Se a procura valorizou os imóveis situados no centro das grandes cidades, é natural que a oferta aí localizada seja absorvida pelos que têm maior capacidade financeira, e que aqueles que têm menor rendimento tenham de migrar para outras zonas da cidade, ou para zonas limítrofes. Há décadas que tal acontece e que a classe média-baixa havia optado por residir ao redor de Lisboa, não pelo preço elevado dos imóveis no centro histórico (como se alega) mas pela falta de condições de habitabilidade que caracterizava o centro histórico.
Só quem tinha muito amor à baixa lisboeta é que arriscava investir num apartamento num prédio antigo cheio de problemas e sujeito às decisões e capacidade de investimento de idosos com rendimentos de 300 euros por mês e despesas de condomínio de 15 euros, montante claramente insuficiente para reabilitar telhados, fachadas, substituir janelas, renovar zonas comuns, canalizações e tudo o mais que implica o conforto de um apartamento, ainda que os seus proprietários estivessem dispostos a investir na sua renovação interior.
A deslocação da classe média para as zonas limítrofes teve, assim, origem na preferência por edifícios recentes, com facilidade de estacionamento e na qualidade de construção que dispensava obras difíceis de financiar e de executar, pelo facto de também não ser viável para os construtores investir na reabilitação de edifícios através dos quais não poderiam ter retorno. É neste ponto essencial assegurar que existem meios de transporte público.
Há assim um patamar do qual penso que não vamos descer, no segmento de “luxo”. Coloco luxo entre aspas no sentido de caracterizar os imóveis mais diferenciados e procurados para um público que não necessita de financiamento nem de fazer contas no momento de escolher a sua nova casa em Portugal. Apesar da conjuntura política e económica, os centros urbanos e os melhores bairros residenciais não têm muito por onde crescer, o que justifica a resiliência do seu valor de mercado.
Desenvolvimento do mercado de arrendamento
Ao contrário de outros países, em Portugal o mercado de arrendamento nunca alcançou a dimensão necessária para dar resposta às necessidades da população e é natural que, apesar do seu recente crescimento, este seja ainda insuficiente para os nossos jovens, pois a oferta está a ser absorvida, em primeiro lugar, pelos estrangeiros e pela população com maior capacidade financeira.
O aumento da oferta de imóveis para arrendamento de longo prazo representa uma habitação acessível, flexível e de qualidade às famílias que possam vir a ter maior dificuldade no acesso ao financiamento bancário, sobretudo jovens profissionais, cujos rendimentos são ainda mais instáveis e cujo agregado familiar não está estabilizado.
Estabilização da legislação
Este ponto é essencial, no sentido em que oferece uma garantia aos investidores (nacionais e estrangeiros) de que o capital investido na aquisição, na construção ou reabilitação de imóveis, é bem aplicado, pois terá retorno a médio longo prazo.
O investimento na reabilitação teve resultados de tal forma positivos, que a procura cresceu mais depressa do que a oferta. É relevante a revisão ao Regulamento Geral das Edificações Urbanas (RGEU) e assegurar a necessária flexibilidade do Novo Regime do Arrendamento Urbano (NRAU), de modo a responder às necessidades do mercado de arrendamento. O risco tem um preço e os proprietários estão mais disponíveis para reduzir as rendas, se o seu risco for minimizado.
Desburocratização nos projetos de licenciamento
A agilidade dos processos de licenciamento permite acelerar o aumento da oferta ao nível dos diversos segmentos de habitantes, o que permitirá, também, equilibrar e estabilizar os preços. Os investidores e promotores imobiliários interessados na construção e reabilitação de edifícios e frações habitacionais, dentro e fora dos centros urbanos, deparam-se com obstáculos de licenciamento que dificultam a execução dos seus projetos, pelo que há uma urgente necessidade de reduzir a burocracia e o tempo despendido, que se prolongam até aos cinco anos, dificultando a existência de soluções de alojamento para colmatar necessidades de mercado.
Tempo é dinheiro e, num contexto em que a população está a ser obrigada a ajustar-se à nova oferta, tempo significa não haver oferta disponível para todos os diversos segmentos e, por outro lado, pode significar que os investidores os canalizem para outros mercados mais rentáveis. Quanto maior o investimento de tempo e de recursos em cada projeto, maior terá de ser o preço dos imóveis para o consumidor, não há milagres numa folha de cálculo.
Benefícios fiscais
Esta é uma medida direccionada à oferta de imóveis adequados aos segmentos mais necessitados, com menor rendimento. Tendo em conta que os estrangeiros adquirem imóveis de preço por metro quadrado mais elevado e de preço por unidade em média acima dos 510.000 euros, de acordo com o Confidencial Imobiliário, podem os benefícios fiscais incentivar o investimento na construção, na reabilitação e no arrendamento de habitação adequada aos segmentos de rendimento médio e baixo.
Qualidade de construção e eficiência energética
Não é novidade que a qualidade térmica dos edifícios deixa muito a desejar. Tanto a nova construção como a reabilitação deverão ser mais eficientes e ambientalmente sustentáveis, no sentido de a população não depender tanto de recursos energéticos, o que pode ser incentivado ao nível fiscal e/ ou através de programas como o Fundo Ambiental. Esta necessidade já está espelhada nos actuais requisitos de construção, que vieram naturalmente aumentar os custos e, por conseguinte, os preços dos imóveis.
Libertar activos detidos pelo Estado e pelas autarquias
Grande parte destes activos estão em ruínas e sem qualquer utilidade pública, pelo que podem ser transformados pelo setor privado em unidades de alojamento no mercado de arrendamento acessível, o que pode ser conseguido através de incentivos fiscais e garantias ao arrendamento da classe mais jovem.
É uma questão de tempo para que o problema da habitação se resolva e alcance o seu ponto de equilíbrio. É certo que as pessoas que ficaram sem casa não têm esse tempo, e esse deverá ser um dos principais e mais urgentes focos do Governo. Isto não significa que o investimento e a valorização da habitação nos centros urbanos sejam o problema; significa sim que são a solução de longo prazo e que é necessário encontrar soluções de curto prazo paralelas, de modo a que a renovada oferta de habitação possa abranger todos os níveis de rendimento da população.
Esta oferta precisa, imediatamente, de todos os incentivos possíveis do Governo e das autarquias locais, para que o investimento privado continue a existir e a expandir-se de forma mais rápida de modo a dar resposta ao ajustamento demográfico, em especial no mercado de arrendamento.
É provável que o aumento da oferta venha também a permitir uma desaceleração nos preços, mas esta não será homogénea, sobretudo se compararmos os centros urbanos ou costeiros com as zonas mais periféricas. Poderá haver efectivamente um abrandamento, e não uma queda abrupta de preços, até porque os factores que têm contribuído para o valor mais avultado das casas vão continuar a ser uma realidade: escassez de oferta, elevados custos de matérias-primas de construção e falta de mão de obra.
Continuará a aumentar a procura por imóveis de segmento mais elevado, cujo principal fator de distinção está na localização central e na qualidade de construção. O factor localização poderá ser atenuado através do desenvolvimento das regiões não urbanas e do interior.
Em 2021, cerca de 31% dos imóveis residenciais vendidos foram moradias, correspondendo a 64.500 unidades transaccionadas. Este facto explica a liderança dos distritos de Faro e Setúbal na subida de preços, que chegou aos 26,4% e 18,7% face a 2020, respetivamente. Não obstante, o maior crescimento das vendas residenciais foi observado em Bragança, Beja e Portalegre, com aumentos de 30% a 60% no volume de casas vendidas, face a 2020.
Os novos hábitos de teletrabalho vieram despertar o interesse dos compradores nacionais por moradias e quintas, um pouco por todo o país. Com o investimento em infraestruturas públicas, podem estas regiões tornar-se uma solução para a população portuguesa, com a deslocação de empresas e jovens que encontrarão nas aldeias e cidades do interior as condições adequadas a uma boa qualidade de vida.
Sandra Viana, consultora imobiliária e fundadora da LOBA House Hunting
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