“O arguido pode ser definido como a pessoa que é formalmente constituída como sujeito processual e relativamente a quem corre processo penal como eventual responsável pelo(s) crime(s) que constitui(em) objeto desse mesmo processo.”
O arguido é, pois, uma condição para a qual se pode ser constituído ou se pedir. Se um processo de acusação – sobre o qual não significa que esteja consubstanciado num crime ou suspeita de crime – é deduzido sobre um cidadão, ele fica protegido ao tornar-se arguido.
Protegido? Sim.
“Entre os [seus] direitos, destacam-se os direitos de presença (nos atos processuais que diretamente lhe disserem respeito), de audiência, ao silêncio (que não pode ser interpretado como presunção de culpa, atendo o princípio da presunção de inocência), a assistência por defensor, de intervenção e de recurso.”
Não me lembro dos dias da minha vida em que não fui arguido. Quase toda a carreira profissional decorreu nesse estatuto, por ter sido acusado mais de 28 vezes de crimes que não cometi. Na maioria das vezes fui acusado de difamação quando tinha dito a verdade. Duas vezes fui condenado por me exceder nos termos utilizados para definir uma pessoa que detestava.
O excesso de termos é punido, mas não retira a sua adequação sobre a vítima. Há pessoas mesmo estúpidas! Não lhes podemos chamar isso em público ou escrever no jornal. Nunca utilizei a justiça nos meus conflitos. Insulto-os nos lugares próprios, e eles zangam-se e respondem com a lei.
De facto, ser acusado num país de narcisos é fácil. Ser acusado por crimes que não se cometeram também é prática de muitos conflitos familiares. Conheci pais afectados por acusações falsas, mães torpedeadas por exageros da acusação. Conheço jornalistas assediados pelos advogados das instituições.
Ultimamente, um tipo que foi levado ao colo pelo seu sindicato, chamado Pedro Abreu, que se constituiu defensor das ideias do Governo para a pandemia, perseguiu-me no Facebook, insultou-me, moveu-me processos na Ordem dos Médicos e, por fim explodi, num post violento, excessivo sobre ele.
Fui constituído arguido e o Ministério Público julgou o meu excesso e sugeriu uma injunção para suspensão provisória do processo. O “castigo”, que não significa qualquer condenação, pareceu-me adequado e justo: pagar uma verba ao Instituto Português de Oncologia (IPO). Assim farei.
Ao Abreu jamais daria, sem batalha, um tostão que fosse. Não deixa de ser verdade que me excedi, e não deixa de ser verdade que não lhe movi processo difamatório (como talvez devesse), tal como o não fiz à infame revista Sábado. Não gosto da utilização de tribunais para minudências e os insultos fazem parte da vida pública.
Estamos num tempo de exaltações. Há quem acuse a sogra de 90 anos de lhe ter chamado cabra. Há quem gaste tribunais porque odeia o pai dos filhos e não quer permitir-lhe o conforto da paternidade. Gente estúpida e egoísta.
Ser arguido é sinal de actividade. Não se incomoda quase ninguém se não se fizer nada. Claro que a inépcia tem consequência para as instituições. O silêncio cúmplice também. Na minha opinião estas pessoas incomodam empreendedores como eu. Revolto-me, destrato-os, excedo-me, aqui e ali. Assim, sou arguido e frequentemente lá vou ao DIAP; à Judiciária, à PSP.
Não me tira o sono, não me irrita, não me dá palpitações. Faz parte da minha vida ser arguido por uma acusação de um incauto que se sentiu lesado pela minha actividade. Nunca pensei ser arguido por ter opinião, por ter convicções e isso só foi possível com a pandemia. Mandela foi preso pelas ideias. Senti-me um Mandelazinho. Álvaro Cunhal esteve preso por convicções. Senti-me um Cunhalzinho.
Participo, deste modo, em todas as vezes que sou arguido. Não minto, não fujo das responsabilidades, não douro a pílula, não misturo assuntos.
Por vezes, o Ministério Público usa a palavra arrependimento para a subtileza de se reconhecer um excesso. Arrependido é quem não está convicto da sua verdade. Outra coisa é a percepção de que a lei é uma, una, fria, imperturbável, e que ao ultrapassar a sua fronteira nos excedemos, e portanto devemos ser punidos. A aceitação sem rebuço da punição também não é arrependimento.
O Abreu é uma pessoa desinteressante, viperina, deselegante, de má índole, mas também dele não devo expor dados pessoais, que foi o crime que cometi. Na altura soube-me pela alma. Infiro ser esse o sabor do crime na sua concretização – um alívio, uma descompressão plena.
Estou convicto de que o tempo demonstrará as inverdades da gestão da pandemia. Estou convicto que haverá uma demonstração cabal dos excessos e dos ganhos secundários obtidos com as medidas de contenção e a vacinação de crianças. Estou com os pensadores críticos desta imensa loucura: Agamben, Biung Chul-Han, Raquel Varela, e não estou com outros que também cuidei de ler e são intensos engajados do status WHO/OMS como Juan Luis Arsuaga que escreve divinalmente, ou Manuel Carrilho.
Diogo Cabrita é médico
N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM. Porém, neste caso, o director do PÁGINA UM decide subscrever, integralmente, esta opinião. E, provavelmente, se considerasse ser a persona em causa suficientemente relevante para lhe dedicar algumas palavras, então seria ainda mais acutilante e incisivo.