EXCLUSIVO: reacções adversas das vacinas contra a covid-19

Já há 3.631 notificações de abortos e mortes fetais na Europa. Ainda não está na hora de falar com as grávidas?

pregnan woman

por Pedro Almeida Vieira // Fevereiro 13, 2023


Categoria: Exame

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O PÁGINA UM vasculhou milhares e milhares de registos de reacções adversas das vacinas contra a covid-19 em grávidas. Apesar do obscurantismo generalizado, que dificulta análises estatísticas e nem sequer permite calcular a incidência, a pesquisa do PÁGINA UM apurou a existência de mais de 5.300 casos de reacções consideradas graves, entre as quais 3.385 abortos e 246 mortes fetais. A vacinação em grávidas, feita de forma massiva, não foi precedida de ensaios clínicos e a Agência Europeia do Medicamento escreveu em Dezembro passado que ainda está em processo de monitorização, mas nem uma palavra sobre os milhares de casos já notificados na base de dados da EudraVigilance. Cá em Portugal, o Infarmed não diz nem uma palavra a respeito do assunto, preferindo lutar no Tribunal Administrativo de Lisboa pela manutenção do obscurantismo. Não estará na altura de falar com e sobre as grávidas?


A farmacovigilância, conforme conceito definido pelo Infarmed, “visa melhorar a segurança dos medicamentos, em defesa do utente e da Saúde Pública, através da deteção, avaliação e prevenção de reações adversas a medicamento(s)”. E para isso, o regulador nacional, presidido por Rui Santos Ivo, tem um Sistema Nacional de Farmacovigilância para “monitoriza[r] a segurança dos medicamentos com autorização de introdução no mercado nacional, avaliando os eventuais problemas relacionados com reações adversas a medicamentos e implementando medidas de segurança sempre que necessário.”

Assim, em princípio, deveríamos ficar descansados quando, lendo o mais recente Relatório de Farmacovigilância de monitorização da segurança das vacinas contra a covid-19 em Portugal, relativo aos dados recebidos até finais de 2022, ali se garante que “diversos estudos comprovam que as vacinas contra a covid-19 são seguras e efectivas”. É certo que, mais adiante, surgem números sobre reacções adversas, sendo que 8.518 notificações as classificam como graves, indicando-se ainda que 886 levaram a hospitalização, mais 309 causaram risco de vida e houve mesmo 143 mortes. O Infarmed, neste último caso, indica apenas a mediana (72 anos), o que significa que não informa ao certo a idade das pessoas vitimadas.

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Para uma doença à qual se atribui, só em Portugal, já um pouco mais de 26 mil mortes, termos como “efeito secundário” das vacinas, por “fogo amigo”, 143 mortes, poderia até ser socialmente aceitável. Ainda mais se fosse mesmo verdade aquilo que epidemiologistas como Henrique Barros asseguram: que em 2021 as vacinas “salvaram”2.300 vidas, e que em finais de 2022 já iam em 12.000 vidas. Mas estudos concretos sobre esses milagres, nunca ninguém publicamente os viu.

Na verdade, subsistem fortes dúvidas sobre o rigor e exactidão do relatório do Infarmed. As lacunas e a forma enviesada como os dados numéricos são apresentados mostram-se mais serpenteantes do que as bulas dos medicamentos escritas pelas farmacêuticas e autorizadas pelo regulador.

Com efeito, não há nem nos outros nem neste mais recente relatório do Infarmed – em que se anuncia ser o último, numa tentativa de se enterrar polémicas, alegando-se haver já “um conhecimento mais robusto do perfil de segurança destas vacinas”, o que é uma criminosa falsidade – uma só referência a “grávidas”, “aborto” ou “morte fetal”. Poder-se-ia dar o caso de, enfim, ser questão irrelevante. Não é, pelo contrário: tem sido exclusivamente na fase da farmacovigilância que se pode observar os efeitos adversos de medicamentos sobre as grávidas e fetos.

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Como se refere na introdução de um recente artigo de revisão na revista científica Obstetrics, sugestivamente intitulado “Covid-19 vaccination in pregnancy: need for global pharmaco-vigilance”, por “razões éticas, os ensaios clínicos não puderam ser conduzidos para estudar os efeitos da vacina contra a covid-19 durante a gravidez”. Deste modo, apesar de os autores do artigo até se manifestarem favoráveis à vacinação em grávidas, não apresentam qualquer análise custo-benefício e admitem que a vacinação massiva se iniciou com informações de segurança provenientes apenas de algumas mulheres que participaram nos ensaios sem conhecer o seu estado.

Por tudo isto, só pode, no mínimo, causar estranheza que o Infarmed não esclareça expressamente – será essa, esperar-se-ia, a sua função – se foram ou não relatados casos de abortos e mortes fetais associados às vacinas contra a covid-19 em Portugal. Mas não há uma linha sequer. Um zero. Qualquer coisa.

E haverá. Só pode haver. Estatisticamente, havendo cerca de 5 milhões de gravidezes por ano no Espaço Económico Europeu – já incluindo as não concluídas –, só um estranho milagre evitaria que não tivessem sido reportadas reacções adversas graves associadas às vacinas contra a covid-19 em grávidas em solo português, porque Portugal tem um peso de 2% em todos os nascimentos (e gravidezes) desta região europeia. Portanto, será sensato admitir que 2% das gravidezes venham a corresponder a 2% das reacções adversas graves, ou valores não muito longe isto; a menos, claro, que haja milagres.

Número de reacções adversas graves por ano (2023 apenas até à primeira semana de Fevereiro) no Espaço Económico Europeu por tipo de vacina. Fonte: EudraVigilance. Análise: PÁGINA UM.

E é uma evidência que essas reacções graves existem,porque têm sido reportadas. Com efeito, de acordo com uma análise exaustiva feita pelo PÁGINA UM a todas as notificações recebidas desde 2021 até à primeira semana de Fevereiro deste ano pela Eudravigilance – o sistema que recebe as notificações, e as valida, sobre os efeitos adversos dos diversos fármacos –, contabiliza-se um total de 5.336 casos considerados graves de reacções adversas associadas às diversas vacinas da covid-19 durante as fases de gravidez, puerpério e condições perinatais. Estes números englobam os países da União Europeia e também Noruega, Islândia e Liechtenstein.

Saliente-se que, por regra, a inserção destas notificações de casos classificados como graves (serious, na terminologia usada pela EMA) é feita por profissionais de saúde e, em grande parte dos casos, pelas próprias farmacêuticas. Ou seja, existem evidências clínicas para uma fortíssima suspeita de reacção adversa causada pelas vacinas contra a covid-19, e não uma mera relação casual, não uma mera coincidência.

A nível europeu, de acordo com os dados da EMA, o ano de 2021 foi aquele que registou o maior número de casos graves, com o total de 3.020, quase todos a partir de Março, uma vez que os idosos foram prioritários na primeira fase dos programas vacinais da generalidade dos países europeus. Na Eudravigilance apenas se encontram, assim, 27 registos de reacções adversas graves em Janeiro e Fevereiro de 2021. Mas mesmo havendo já reacções adversas graves, decidiu-se partir para uma vacinação massiva de grávidas nunca visto.

Destaque-se que, em Junho de 2022, um artigo científico de revisão e meta-análise publicado na revista American Journal of Emergency Medicine concluiu que, apesar de existir um aumento do risco de internamento em unidades de cuidados intensivos e de ventilação em caso de infecção por covid-19, a taxa de mortalidade nas grávidas não era estatisticamente maior em comparação com as não-grávidas.

Em 2022, o número de reacções adversas graves em grávidas desceu para 2.244, ignorando-se se se deveu a um menor número de vacinas administradas neste grupo específico. Este ano contabilizaram-se apenas 72 casos, o que pode indiciar que o número até Dezembro venha a ser muito menor do que em anos anteriores, mas não se sabe ainda se se deve ao muito menor número de grávidas a quererem vacinar-se ou ao melhor perfil de segurança das vacinas bivalentes.

Como em tudo o que se tem visto neste processo de vacinação, muita informação ainda está em fase de recolha, parecendo que se assiste a um mega-ensaio clínico em tempo real para se saber se corre tudo bem ou não.

Número de abortos e mortes fetais por ano (2023 apenas até à primeira semana de Fevereiro) no Espaço Económico Europeu por tipo de vacina. Fonte: EudraVigilance. Análise: PÁGINA UM.

Esta evolução absoluta dos casos graves tem pouco significado sequer para traçar o perfil de segurança nas grávidas das vacinas contra a covid-19, no geral, e das diversas marcas, em particular. Não se encontra qualquer informação na EMA nem em outro qualquer organismo europeu sobre o número de doses administradas às grávidas por ano, e muito menos quais os números por marca. A falta de informação é intencional: deste modo, torna-se impossível calcular a incidência de efeitos graves.

O relatório de segurança do regulador europeu de 8 de Dezembro passado dedica às grávidas uma breve referência final em uma única frase, por sinal a última de um texto de nove páginas: “Além disso, a EMA está a coordenar estudos observacionais nos Estados-Membros, analisando dados do mundo real de prática clínica para monitorizar a segurança e a eficácia das vacinas contra a covid-19, inclusive em mulheres grávidas” [“In addition, EMA is coordinating observational studies in EU Member States looking at real-world data from clinical practice to monitor the safety and effectiveness of COVID-19 vaccines, including in pregnant women”].

Esta lapidar frase, cheia de coisa nenhuma, a não ser incerteza, escrita dois anos após o início da vacinação, diz muito, ou demasiado, da forma cega como se administrou as doses em grávidas – ainda mais sem nunca se ter evidenciado serem estas um grupo particularmente de risco, até porque a generalidade é jovem e saudável.

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Por esse motivo, mostra-se enganador sequer comparar directamente o número de reacções adversas entre as diversas farmacêuticas. Por exemplo, apesar de as vacinas da Pfizer, sobretudo a primeira (Tozinameran), serem suspeitas de causar 3.297 reacções adversas graves (62% do total), o seu perfil de segurança até poderá ser melhor do que as de outras vacinas, uma vez que 73,3% de todas as quase 934 milhões de doses administradas no Espaço Económico Europeu eram desta farmacêutica norte-americana. Além disso, seria necessário saber especificamente a quantidade de grávidas que tomaram cada uma das vacinas, e em que anos, bem como as suas idades e condições de saúde, confrontando com a incidência de reacções adversas.

Mesmo com esta falta absurda de informação – sendo que as grávidas propriamente ditas ainda estarão mais na ignorância –, causa estupefacção observar que a vacina da AstraZeneca causou 756 reacções adversas graves neste grupo de mulheres. Isto sabendo que foram administradas apenas 68,8 milhões de doses na globalidade das idades (sendo que nunca a menores), valor que contrasta com as 685 milhões de doses da Pfizer (quase 10 vezes mais) e as 161 milhões de doses da Moderna (134% a mais, no global, mas “apenas” mais 50% de reacções adversas graves em grávidas).

Em suma, não terá sido indiferente para as grávidas, do ponto de vista do risco, a marca de vacina administrada. As grávidas (e as outras pessoas) sabiam? Não. Foi-lhes dada escolha? Não.

A panóplia de reacções graves detectadas pelo PÁGINA UM na base de dados da EudraVigilance são vastas e nem sempre fáceis de catalogar. Porém, no caso das grávidas, além do risco da sua própria morte, o mais grave dos efeitos adversos graves notificados na EMA parece óbvio: a morte da “criança” em formação, ou tecnicamente, do feto.

E aí, apesar do regulador português presidido por Rui Santos Ivo – que, desde Dezembro de 2021, luta tenazmente, agora no Tribunal Administrativo, para não ceder ao PÁGINA UM os dados administrativos do Portal RAM com informação anonimizada – nem sequer se dignar a fazer referência às reacções adversas em grávidas e nos fetos (talvez por os considerar sem personalidade jurídica), e a EMA adiar o assunto para as calendas, os registos da Eudravigilance mostram os frios números de vidas perdidas.

De acordo com a análise individual do PÁGINA UM às 5.336 reacções graves em grávidas desde 2021 – a base de dados da Eudravigilance apenas permite descarregar em formato de folha de cálculo uma síntese das notificações –, aparecem 3.385 abortos (a esmagadora maioria com a indicação de serem espontâneos) e mais 246 mortes fetais desde Janeiro de 2021. Ignora-se a distribuição por países.

Estimativa do número de reacções adversas graves por ano (2023 apenas até à primeira semana de Fevereiro) em Portugal por tipo de vacina. Fonte: EudraVigilance. Análise: PÁGINA UM.

Mais de duas em cada três reacções adversas graves (68%) em grávidas resultaram, assim, na perda da criança – chamemos assim por dignidade. Também aqui o ano de 2021 foi o pior, havendo registos de 2.039 abortos e 144 mortes fetais.

O peso no total das reacções consideradas graves foi, contudo, superior (72%) à média. Em 2022, essa percentagem desceu para 62%, ou seja, notificaram-se 1.305 abortos e 96 mortes fetais para um total de 2.244 casos graves. O presente ano tem ainda poucos casos para se tirar uma tendência, mas a proporção é, por agora, próxima da dos anos anteriores.

Mais uma vez, como referido para os casos graves totais, não se mostra possível aferir qualquer sinal sobre o perfil de segurança de cada uma das vacinas, mas tudo aparenta que existam diferenças significativas. Por outro lado, aparentemente, a diminuição de mortes de crianças antes do nascimento entre 2021 e 2022 deverá estar mais associado a uma menor procura de reforços neste segundo ano do que a uma melhoria da segurança. Porém, reitera-se: sem disponibilização de dados fiáveis, a especulação manter-se-á sempre.

Se a especulação não é aconselhável, a falta de dados – por intencional obscurantismo de entidades públicas e do Ministério da Saúde – também não deve causar uma completa ausência de debate. E uma coisa parece assim evidente: com os valores de abortos e mortes fetais nos países do Espaço Económico Europeu, será estatisticamente impossível que as mulheres portuguesas grávidas não tenham sido afectadas pelas vacinas contra a covid-19.

Com efeito, se estimarmos a ocorrência de 100 mil gravidezes por ano em Portugal (um valor que já considerará os abortos espontâneos em condições naturais), significa que o nosso país tem um peso da rondar os 2% no total de gravidezes no Espaço Económico Europeu. Ora, se se aplicar esse peso à totalidade dos efeitos adversos, então em Portugal terão já ocorrido 108 casos graves de reacções adversas em grávidas, das quais 61 em 2021, mais 46 no ano passado e apenas uma este ano.

Estimativa do número de reacções adversas graves por ano (2023 apenas até à primeira semana de Fevereiro) em Portugal por tipo de vacina. Fonte: EudraVigilance. Análise: PÁGINA UM.

Considerando as fatalidades, será de supôr então que tenham ocorrido – a menos que o Santo Ivo, esse, o padroeiro dos advogados venha argumentar com um milagre – 68 abortos e quatro mortes fetais em Portugal desde 2021. As estimativas podem ser feitas por farmacêutica.

Este número pode, em termos absolutos, e do ponto de vista estritamente de Saúde Pública, ser considerado um número aceitável? Depende. Primeiro, qualquer que seja este valor, são vidas individuais que se perderam, dramas que se vivenciaram.

Segundo, tem de se colocar uma questão essencial: valeram a pena essas vidas perdidas ou foram em vão? Quantas grávidas se salvaram por haver este programa de vacinação massivo para um grupo onde não existiam (e continuam a escassear) estudos de segurança sobre as vacinas contra a covid-19? Quantas mortes de grávidas houve em Portugal pela covid-19 antes das vacinas? Que se diga, mas sem mentiras.

E, sobretudo, disponibilize-se essa informação às grávidas. O consentimento informado só pode exercer-se com informação. Não com omissões intencionais, não com obscurantismo deliberado, não com falsidades descaradas.


O PÁGINA UM divulga os registos individuais (obviamente anonimizados) das notificações desde 2021 dos efeitos adversos graves da base de dados da Eudravigilance, gerida pela EMA, relacionadas com grávidas. Decidiu-se agrupar os dados por farmacêutica, sendo que em cada ficheiro se encontram todos os registos por ano e por vacina (havendo três da Pfizer e outros três da Moderna). Não se incluíram os ficheiros da Valneva e da Sanofi / GlaxoSmithKline, uma vez que, por serem ainda pouco usadas, não contabilizam ainda reacções adversas graves. Na coluna N de cada folha de cálculo constam as ligações directas para a base de dados do Eudravigilance onde se poderá consultar o respectivo registo de notificação.

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