Entendemos o mecanismo conspirativo como uma sequência de três momentos: a deliberação de um objectivo – em princípio projecto de alteração de um estado de coisas, resultante das aspirações que visam atingir um indivíduo ou um colectivo; a afirmação do empenho em modelos de juramento ou conjuração, o que nos leva para dimensão ilocutória do performativo, sob a forma de injunção; e a acção conspirativa propriamente dita, em que se passa do falar ao fazer.
A dimensão epistemológica de um tal modelo merece ser evidenciada na medida em que é ela, aparentemente, que torna esse tipo de intriga tão apetecido pelos seres humanos, seja qual for a sua idade ou religião, sejam quais forem as suas identificações étnicas ou sexuais, independentemente dos seus princípios éticos, filosóficos ou ideológicos. Segundo o modelo conspirativo, os nossos desejos e crenças, emocionalmente geradas, tornam-se racionalmente explicáveis.
Na perspectiva de Falzon, subjaz uma certa apetência de tranquilidade e conforto, generalizados, a “uma visão do mundo que é confirmada”, através da fabulação conspirativa, “por todas as coisas que encontramos”, sendo também essa visão a “que pode explicar eficazmente todas as inconsistências com que nos deparamos[…]” (2002: 202). Segundo o mesmo filósofo, ainda, esse raciocínio completa-se, fechando-se, como um delírio paranóico:
“[…] Este é o erro em que é típico caírem os teóricos da conspiração. Para eles, tudo é parte da grande conspiração. Se não há provas de que existe a conspiração, ou pelo menos não se manifestam em quantidade suficiente, é óbvio que foram sonegadas para ocultar o que se está a passar. Se alguém critica o teórico da conspiração, esse alguém passa a fazer parte da conspiração” (Falzon, 2002:202)
Este modelo de raciocínio, a que os lógicos chamam “falácia da irrefutável hipótese”, também é conhecido pelo nome de “falácia da invencível ignorância”. Esta formulação, que opera segundo as exigências formais mais ostensivas do enunciado lógico, sobretudo o silogístico, é a matriz de quase todas as sentenças ou discursos assentes na crença ou mesmo na fé. De facto, como nota ainda Falzon, uma tal maneira de estruturar o discurso “envolve uma patente recusa” , por parte daquele que argumenta segundo esses princípios, “de ter em consideração provas que são contrárias à crença a que se entrega” (2002: 202).
O estatuto dado ao inimigo, segundo uma perspectiva conspiratória, assenta, frequentemente, numa teia de acusações de comportamentos “diabólicos”, ora hiperbólicos, ora ficcionais. A organização do inimigo assim “identificado” assume, quase sempre, a imagem de uma “conspiração” contra as instituições e os cidadãos dos países, dos grupos ou das organizações que desenvolvem o libelo acusatório. É difícil, por isso, não elaborar uma atitude conspiratória quando se delineia a conspiração que é atribuída aos outros (desenvolvendo, em relação a eles, uma definição da alteridade apoiadas nas formas mais ou menos míticas ou mesmo fantasmáticas do “OUTRO”).
No entanto, há uma dimensão neste vício lógico, presente também nos exemplos que extraímos da realidade política, que nos parece positivamente estruturante da construção ficcional, apesar de se organizar, enquanto mecanismo lógico, como “sistema fechado, dogmático e irrefutável, dentro do qual tudo o que encontramos parece confirmar as nossas crenças” (Falzon, 2002: 202). Essa dimensão de que falamos é muito parecida com a famosa “suspensão da descrença”, afirmada por Coleridge na sua Biographia Literária, que institui o pacto ficcional através do qual representamos um universo no qual projectamos desejos, medos, anseios e paixões.
Este processo, em que os lógicos vêem uma interpretação dos factos e das hipóteses, encaminhados, ou mesmo distorcidos, para fortalecer uma visão afectiva ou emocionalmente empenhada, é constante na ficcionalização. Pode ser pernicioso se o usamos para defender um objectivo político, camuflando motivações partidárias; mas pode ter uma função de emprego dialogicamente dinâmico do verosímil, caso o façamos evoluir como uma narrativa literária, teatral ou cinematográfica, de prioritários princípios poéticos, ou mesmo lúdicos.
Viria a propósito lembrar, em reforço da perspectiva que aqui apresentamos, o que nos diz Umberto Eco sobre a questão da presença dos códigos fortes, na construção da hipótese científica, e dos códigos fracos, na construção do verosímil. Entende-se, sobre este último termo, que ele fornece uma perspectiva das coisas, das ocorrências e das causas, enfatizando “as ligações” que “se fundam prioritariamente sobre as convenções e as opiniões estabelecidas” (1988: 49). A atracção que muitas obras narrativas exercem sobre os públicos que fidelizam, tem origem nesse mecanismo retórico de base. Os “thrillers teológicos” como o Da Vinci Code (que citamos, como exemplo privilegiado de fábula ou história – no sentido que lhes davam os formalistas russos e os narratólogos estruturalistas – por economia de exposição, quer na versão literária de Dan Brown, quer na cinematográfica de Ron Howard) assentam o seu êxito no facto de neles aparecer a “mitologia das sociedades secretas e o imaginário do complot,” que “desta forma continuam a manifestar-se materiais simbólicos privilegiados do romanesco popular” (Taguieff, 2005:54).
Relembramos, no entanto, que essa mitologia satisfaz (ou procura satisfazer, pelo menos) uma necessidade básica de busca de compreensão ou de certeza. Com algumas reservas, poderíamos chamar-lhe dimensão epistemológica, uma vez que essas narrativas fornecem “explicações” para enigmas que são fonte de preocupação para o indivíduo e para a comunidade em que se inscreve.
O que permanece como enigma teológico e institucional, na narrativa de Brown, é a justificação para existência e actuação das forças que se pretenderiam contra-conspiratórias, ainda que se apresentem elas própria como sociedades ou grupos tão enigmáticos e misteriosos como as práticas conspirativas que supostamente combatem: o “Priorado do Sião”, os “Templários” e outros agentes similares são entidades quase secretas, ou com amplos conjuntos de actuações pouco explicáveis, que se presume combaterem as actuações conspirativas da Igreja de Roma.
E isso acontece, por exemplo, porque, mesmo nos países católicos, sendo difícil explicar a ausência de figuras femininas nas hierarquias eclesiásticas, faz todo o sentido entender os motivos e as acções que instituíram tal limitação, segundo uma teoria da conspiração. E isso pode ser entendido assim se aceitarmos que “os acontecimentos históricos que são percebidos como opacos ou absurdos poderiam ser explicáveis por um ou vários complots e, em última análise, serem atribuídos a intenções e acções humanas” (Taguieff, 2005: 19) que visam concertar-se a favor dos interesses de um grupo, em detrimento, mesmo gravoso, de outro grupo considerado adverso.
Assim, a teoria da conspiração assegura uma espécie de encenação, a que poderíamos chamar complot, designando, desse modo, o esquema de disposição do conteúdo narrativo, ou de organização da fábula. A partir do nível estrutural em que nos achamos primordialmente, o da matéria controversa, dá-se a transformação operada pelo acto de dramatização poética que, manipulando a matéria do conteúdo, produz o mecanismo da intriga, ou narrativa, aquele em que pesa, sobretudo, o entretecer das acções e dos percursos ou objectivos contraditório que são contados. É a esse nível que a narrativa explica, ou procura tornar inteligível o mundo, numa estrutura dramática, embora sem descurar o seu desenvolvimento segundo um discurso em que muito contam os aspectos apelativos da composição poética textual criada pela voz épica ou pela perspectiva dominante.
Ao “explicar” e “unir” e conjuntos de eventos e aspectos historicamente reais que se revelam paradoxais, absurdos ou enigmáticos, a narrativa assume os foros e funcionalidade do mito, entendendo este no seu sentido canónico mais amplo. A definição que Lévi-Strauss nos oferece, na sua obra O olhar distanciado, poderia ajudar-nos a compreender melhor a função epistemológica que este género de narrativas proporciona: “O mito jamais oferece àqueles que o escutam uma significação determinada. O mito limita-se a propor uma grelha que se define pelas regras da construção” (1986: 210).
O mito oferece, com essa sua grelha, qualquer coisa semelhante àquilo que, segundo Umberto Eco, o discurso dos filósofos da linguagem, desde a Antiguidade Clássica, tem tratado como “signo fraco”, ou seja, aquele que, quando indicia o que se concebe como causa, não remete necessariamente para a determinação dos “efeitos possíveis (prognóstico)” ou, inversamente, aquele que, sendo percebido como efeito, não é necessário que tenha origem numa causa presumida (diagnóstico – cf. Eco, 1988: 48).
Eco faz ainda um reparo sobre a matéria em questão que nos perece de extrema importância para compreendermos a “lógica” do mito e, mais explicitamente, para o entendimento da narrativa empolgante, que explora a possibilidade complotista: “se o analisarmos mais atentamente, verificamos que mesmo este signo fraco [o de causa suficiente, não necessária] não está desprovido de uma certa «necessidade», apenas com a diferença que remete não para uma causa, mas para uma classe de causas” (p. 48). Passamos da certeza epistemológica, segundo as exigências científicas, para uma exigência de explicação que alimenta o mito e que poderíamos formular, hipoteticamente, da seguinte maneira: “Sabemos que tem de existir uma causa, e a nossa hipótese é…” ou “Alguém causou uma morte, ou praticou um acto reprovável e, pelos indícios de que dispomos, esse alguém, SÃO ELES”.
Tal designação, assim, amplificada e indeterminada, é o eixo central da teoria da conspiração, pois o conteúdo designado por “ELES”, a “causa do mal”, é o conjunto de pessoas, o grupo, a facção ou etnia que, de acordo com aquilo em que a opinião colectiva acredita, diz que é, uma vez que “a um nível retórico as relações de causa efeito se fundam, quase sempre, em convenções estabelecidas […] dependendo isso apenas dos códigos e guiões que essa comunidade regista como bons” (Eco, 1988: 49).
Já se vê que o mito funciona numa dimensão a que poderíamos chamar a da suposição de causas (“o que vem antes é causa do que vem depois” – cf. Barthes,1966:10) e das necessidades explicativas (para explicar tal fenómeno, o mais provável é ter-se verificado determinado antecedente). É pelo facto de, como diz Eco, “no plano semiótico as condições de necessidade de um signo” serem “fixadas socialmente, ora de acordo com códigos fracos, ora segundo códigos fortes”, que “um acontecimento se pode tornar um signo seguro, mesmo que cientificamente não o seja” (1988: 49). Vai um passo, epistemologicamente quase insignificante, desta construção retórica da verdade à outra, do mito, de que nos fala Lévi-Strauss, uma vez que todas as concessões à exigência epistemológica, em sentido lógico-científico forte, para compreender os factos e os eventos, já foram feitas antes:
“Um mito propõe uma grelha, somente definível pelas suas regras de construção. Para os participante numa cultura a que respeite o mito, esta grelha confere um sentido não ao próprio mito mas a tudo resto: ou seja, às imagens do Mundo, da sociedade e da sua história, das quais os membros do grupo têm mais ou menos claramente consciência, bem como das interrogações que lhes lançam esses diversos objectos. Em geral, esses dados esparsos falham quando tentam unir-se e, na maior parte das vezes, acabam por se contrapor. A matriz da inteligibilidade fornecida pelo mito permite articulá-los num todo coerente. Diga-se de passagem que este papel atribuído ao mito assemelha-se àquele que Baudelaire parece atribuir à música” (Lévi-Strauss, 1986: 210).
De facto, as narrativas de grande acolhimento popular, que encontram uma audiência de culto entre as massas, sobretudo pelas mensagens hipotéticas ou conjecturais que introduzem, fazem apelo a essa vontade de explicação, de compreensão “epistemologicamente acomodatícia” que parecem convocar. Assim, para o cidadão que se preocupa com o sentido da política mundial, sem ter conhecimento dos seus fundamentos, nem meios de acesso a fontes informativas para isso, a visão conspiracionista tende a tornar-se uma teoria que poderá fornecer um sentido holístico escondido o qual, por sua vez, explicaria o desconcerto observado.
O que se torna narrativamente produtivo é o facto de os detectores de complots buscarem um saber esotérico que, por sua vez, parece sustentar-se num mecanismo de iniciação, embora possa suscitar reservas a quem busque um percurso científico de compreensão dos fenómenos. Tal saber secreto, salvo raras excepções, teria sido desenvolvido, segundo as narrativas explicativas, por um grupo de conjurados, afirmados, muitas vezes, como conspiradores contra as instituições dominantes.
Procurando decifrar as aparências para conhecer a verdade oculta do poder, os esotéricos conspiram para aceder ao segredo, pois o culto do segredo, quer procuremos guardá-lo, quer desejemos descobri-lo, é o que une a conspiração do poder à conspiração dos gnósticos,ou investigadores esotéricos, que parecem contestar o poder por ele ser conspirativo. Uma tal compreensão do mundo, por assentar numa explicação cujo mecanismo de base é a confusão lógica entre a anterioridade e a causalidade (post hoc, ergo propter hoc – tal como argumentava Barthes, no texto da revista Communications que acima refertimos) por ser a lógica da ficcionalidade, não pode ser cientificamente satisfatória para estabelecer uma imagem credível do mundo em que vivemos. No entanto, ela estrutura-se enquanto lógica do verosímil. Se não configura uma possibilidade satisfatória no campo da episteme, compete com esta nos campos do possível em direcção a uma apetecida aletheia.[i]
Remo Ceserani, logo no início do seu estudo, “L’immaginazione cospiratoria”, publicado em 2003, afirma que é possível distinguir “três fases na longa história da imaginação conspiratória, correspondentes a três diversos tipos de organizações sociais e a três formas históricas diferentes de conspiração e das suas significações e significados” (in Synapsis, 2003: 7).
Esta perspectiva histórica é muito interessante, para o nosso ponto de vista, por duas razões: por um lado, estabelece, a partir de bases de investigação que não são as que desenvolveremos aqui, uma periodização que nos será muito útil para contextualizarmos tão coerentemente quanto nos é possível, o corpus e as concepções que, sumariamente, analisaremos adiante; por outro lado, reforça a nossa concepção de que a conspiração, além de ser forma histórica de actuação, cuja periodização pode ser determinável, apresenta-se como imaginação conspiratória, segundo os termos de uma poética da argumentação e da persuasão, independentemente de qualquer condicionante histórica.
Relativamente à primeira razão que apresentámos, é importante explicitar sua opinião quanto às fases e formas correspondentes, uma vez que nos propomos fazer uma breve abordagem da forma específica segundo a qual a conspiração foi posta em cena pelos escritores da época do Romantismo, no teatro e no romance. Em palavras do estudioso italiano, a “primeira é a dos regimes monárquicos legitimados pela tradição e pelo consenso” sobre os quais pesa a “estrutura familiar e restrita” que detém o poder; a segunda forma (correspondente a nova fase) é a da conspiração que nasce “dentro das sociedades mais modernas, nos tempos de transformação e democratização dos regimes políticos autoritários,” correspondente à expressão de grupos de oposição forçados à clandestinidade, pelos métodos policiais, e a contrapor reivindicações de liberdade contra os tiranos;” sendo a terceira, que ele designa por “pós-moderna e paranóica,” a das conjuras “temidas, reais, hipotéticas, sobredeterminadas, manifestações de grupos secretos e misteriosos, os quais presumimos obedecerem à lógica do puro poder” e que admitimos manterem relações pouco claras com “agências internacionais, associações secretas injustificáveis em regimes democráticos e até a serviços irregulares,” ou ainda “com grandes corporações económicas e financeiras” além de poderem manipular episodicamente “grupos de terroristas esquivos a qualquer controlo ou coerência ideológicas” (Ceserani, in Synapsis, 2003: 7). É evidente que os românticos, com Dumas pai à cabeça, em nosso entender, cabem inteiramente dentro da segunda época.
Acrescentemos ainda, para melhor compreensão desta perspectiva diacrónica, que, embora esteja presente em textos tão antigos como os do Velho Testamento (que Ceserani comenta no seu artigo), a formulação integral da atitude conspirativa parece ter nascido na europa do século XVIII, quer nos relatos que narram eventos mais ou menos verídicos, assumindo-se como crónicas, quer nos fantasiosos, que são entendidos como lendas ou mesmo ficções. As palavras liminares de Taguieffe, no exaustivo estudo que dedicou à questão da conspiração, devem ser aqui evocadas na íntegra:
“Na nova cultura de massas, um olhar exercitado discerne, com facilidade mas, ao mesmo tempo, com espanto, a presença de motivos que, até aos anos 70 do século passado, eram apanágio de uma extrema direita alimentada pelo grande mito político fabricado pelos escritores contra-revolucionários dos finais do século XVIII: o complot internacional dirigido contra a civilização cristã. Um complot maçónico e, depois, judeu-maçónico, do qual a lenda dos «Iluminados da Baviera (ordem historicamente fundada por Adam Weishaupt a 1 de Maio de 1776), generalizadamente designada como a dos «Iluminati», nunca deixou de ser uma da principais componentes. O «compolot dos Iluminati», empreendimento subversivo visando a instauração de um «Governo mundial único» é frequentemente denunciado desde a época da Revolução francesa” (2005: 13).
Entrosa-se com ela a perspectiva que o romance gótico (ou romance negro [roman noir] ou, por vezes, literatura ultra-romanesca, no dizer de André Breton no seu Les vases comunicants (1955: 134 – cf. Brun, 1982: 12) desenvolve nos seus enredos, pouco tempo depois, um pouco por toda a Europa de finais do século XVIII e princípios do século XIX (género contemporâneo do pietismo intimista e dos primeiros textos reconhecidos como românticos[ii]), que Annie le Brun afirma ser, em geral, “no que diz respeito à intriga”, o relato de como “uma jovem rapariga inocente e pura se encontra abandonada nas estradas pelos acasos da vida” o que dá “pretexto a uma formidável viagem ao país das infelicidades”, mecanismo narrativo que fornece ao leitor, segundo a mesma autora, a possibilidade de “conservar a recordação de um espaço de incerteza e de obscuridade, obsidiante como um pedaço de trevas arrancado à noite de que somos feitos” (Brun 1982: 11).
No limite, esse mecanismo fabulatório revela-se o autêntico modelo do próprio complot, ao “pôr em cena esse momento escandaloso em que o homem, que julgava ter conseguido os meios de se tornar sujeito, estaca, subitamente, face à evidência da sua condição de objecto, arrebatado pelo mesmo terror que qualquer ser tem face ao aspecto definitivo do cadáver” (Brun, 1982:). Não é por acaso, portanto, que paralelamente a toda a lógica do discurso revolucionário, a narrativa gótica (ou o roman noir) se sustenha como o grande modelo narrativo preferido do público em geral, de modo ingénuo, secreta e perversamente nalgumas escolhas dos grupos mais sofisticados, e de modo complexo, entre o público mais “esclarecido”, por “revelar”, sob os modelos do pesadelo, o mecanismo de tudo quanto parece secreto e obscuro: o poder, os valores e mesmo vida.
A própria História, enquanto relato dos factos marcantes de uma comunidade, ao humanizar-se e perder o seu escoramento nos desígnios engendrados pelo ser supremo, passa a ser objecto da controvérsia e das sucessivas leituras que dela fazem os seus narradores, que produzem uma “verdade” tranquilizadora” pelo encadear de actos sucessivos que parecem satisfazer uma lógica da pura acção.
Alexandre Dumas é um dos autores que mais eco faz dessa visão mítica dos factos que, desde então, começa a ganhar verdadeiros foros de uma teoria da conspiração. A sua visão da queda do “antigo regime”, em França, é reiteradamente formulada em termos de uma acção conspirativa. Essa perspectiva alimenta quase tudo quanto escreveu, quer se trate de narrativa ficcionais, quer resulte de um olhar de historiador para os eventos do dealbar da república. Sirva-nos de exemplo deste último tipo de actividade de escrita, o seu texto muito breve, apresentado como um relato resultante de uma investigação histórica, praticada no terreno dos eventos, intitulado La route de Varennes.
Aí, acompanhando, através de observações, nos locais, e inquéritos e entrevistas às populações das diversas localidades em que o Luís XVI e sua família fizeram paragens, quando se encontravam em fuga pela estrada referida em título, Dumas põe em xeque as teses realistas (que eram aceites como verdades mesmo pelos historiadores simpatizantes da república), segundo as quais o rei teria sido apanhado e conduzido às “autoridades” revolucionárias por indivíduos vingativos e marginais.
A sua contra-leitura é um verdadeiro modelo de argumentação segundo o processo de desmontagem de uma narrativa conspirativa (tendo como agentes – imaginários, segundo a sua investigação – “revolucionários” populares, de aparência ameaçadora), e construindo, provada a inconsistência desta, uma outra hipótese conspirativa, baseada no relatos e no cotejo dos documentos, segundo a qual teriam sido os monárquicos constitucionalistas os autores da detenção do rei, forjando um complot que, pelo que sugere Dumas, atacaria o legitimismo, ao promover a prisão do rei, desacreditando, ao mesmo tempo, os republicanos, expondo-os como autores de um processo que levou ao regicídio.
Relativamente à ficção, o dispositivo fabulatório da conspiração ganha foros de núcleo temático dominante do romanesco de Dumas, desenvolvendo-se, a partir dele, uma forte tendência para a construção persistente da intriga segundo o preceito da enfase na actuação dos conjurados, de que Joseph Balsamo é apenas uma, ainda que a mais forte, das encarnações. É a hegemonia desse enredo que engendra os cenários escolhidos privilegiadamente, a selecção das intrigas que recolhe dos dizeres e da opinião pública da época, bem como as que inventa, por prodígio da sua imaginação, com base na visão do mundo a que dá ênfase, segundo a qual os eventos de importância colectiva seriam devidos a intervenções de seres excepcionais, indivíduos extraordinários, capazes de controlarem as forças misteriosas do cosmos que fariam actuar para determinarem a ordem dos grandes eventos históricos, nomeadamente as revoluções.
Só para exemplo do modo como é encenado, espectacularmente, o acto de adesão de Joseph Balsamo à conjuração secreta, apresentamos três aspectos iniciais do modelo de ajuramentação: a assembleia dos dirigentes, o interrogatório, e as palavras de voto do iniciado. Fica apresentado um tipo altamente ritualizado de sociedade secreta, com vontade de intervenção política, cujos traços gerais caricaturam um modelo que poderia corresponder à divulgação massificada que se tem feito de algumas organizações ou ordens, desde a Maçonaria até aos Illuminati, passando pela mais controversa organização de cavalaria “empenhada”, a dos Templários.
No relato, é dada uma representação do ritual de adesão que poderia caber a qualquer das irmandades que, a partir do século XVIII, têm alimentado o imaginário complotista, ou os discursos mais retrógrados que se têm feito contra a revolução:
“Sept sièges étaient placés en avant du premier degré; sur ces sièges étaient assis six fantômes qui paraissaient des chefs; un de ces sièges était vide.
Celui qui était assis sur le siège du milieu se leva. […]
Puis se retournant vers le’ voyageur.
– Que désires-tu? Lui demanda-t-il.
– Voir la lumière, répondit celui-ci.
– […] Ne crains-tu pas de t’y engager?
– Je ne crains rien. […]
– Que demandes-tu, lui dit le président.
– Trois choses, répondit le récipiendaire.
– Lesquelles?
– La main de fer, le glaive de feu, les balances de diamant.
– Pourquoi désires- tu la main de fer?
– Pour étouffer la tyrannie.
– Pourquoi désires-tu le glaive de feu
– Pour chasser l’impur de la terre.
– Pourquoi désires-tu, les balances de diamant?
– Pour peser les destins de l’humanité” (s/d: 11-13).
Retemos, pela sua importância de componentes morfológicas de uma forma narrativa, os traços que Ceserani extrai da narrativa bíblica que analisa. Na sua opinião, o autor da história, inspirado pelos relatos constantes nos documentos de base, terá sido levado a tratar “os acontecimentos trágicos” como encenações dos “temas da lealdade, da traição, da intriga e do engano, enquanto estratagemas postos em acção”, não tanto inspirado por motivações políticas e partidárias, “mas pelo sentido artístico da potencialidade de uma trama dramática ou narrativa” (Ceserani, in Synapsis, 2003: 10).
Esses traços, categorias marcantes da construção da intriga, poderiam ser, igualmente, atribuíveis aos que predominam nas fabulações históricas dos relacionamentos, confrontos e manipulações cortesãs de Alexandre Dumas, cujos tópicos e dinâmicas actanciais acabam por ser o que domina, quase avassaladoramente, a sua obra. Dado o âmbito deste nosso trabalho, referiremos apenas pequenos exemplos que consideramos privilegiados.
O primeiro que nos merece destaque é a actuação de Joseph Balsamo, no princípio do romance que tem por título o nome da personagem – quase sempre publicado em vários tomos, ele próprio integrado num conjunto de romances que abordam o fim do antigo regime em França, numa série romanesca intitulada Mémoires d´un médecin – do qual, acima, demos um exemplo. Logo após as primeiras cenas, em que Joseph Balsamo é consagrado membro da ordem (que nunca é nomeada exactamente mas que reproduz, embora com bastante liberdade espectacular, os ritos de iniciação maçónicos, como transparece no exemplo que acima apresentámos), a narrativa apresenta-nos a personagem em viagem, atravessando uma região montanhosa de França, numa carruagem de amplas e complexas dimensões, uma espécie de habitação rolante no interior da qual o protagonista e um velho sábio manipulam enigmáticos frascos, fazem funcionar um forno alquímico no qual se prepara uma misteriosa transformação. À volta da carruagem desencadeia-se uma tempestade cujos aspectos e efeitos lembram uma inesperada e incontrolável fúria do Cosmos, resultando dela que um dos cavalos é morto e os viajantes têm de parar.
A descrição do acontecimento, embora obedeça aos princípios elementares do que é comum na visualização literária dos fenómenos da natureza, não tira qualquer consequência do facto de ela estar a ser observada, sentida, percebida e mesmo avaliada por dois seres de supremo saber. Os fogos celestes surgem como uma pirotecnia surpreendente de efeitos luminosos e a água torna-se numa ameaça que inunda o terreno. Para o velho alquimista a chuva apenas se manifesta como algo negativo por ameaçar apagar o fogo do forno onde se está a dar a grande transformação, pelo facto de a casa rolante não ter a chaminé devidamente coberta.
No entanto, quando, como que por acaso, o alquimista se dá conta da trovoada, é com a maior naturalidade que ele explica a Balsamo que é inteiramente possível domar as descargas eléctricas e fazê-las funcionar em proveito da técnica laboratorial. É tudo uma questão de tempo e de oportunidade. Os segredos de tal arte, porém, não são enunciados senão pela breve explicação de que “a chama eléctrica” pode “descer até ao forno”, por um sistema de “pontas” suportadas por um “papagaio artificial”. Dessa explicação, o genial discípulo, Balsamo, detentor de imensas sabedorias, não percebe nada (cf.Dumas, s/d: 46-47;vol.I).
O quadro que aqui se nos desenha é, até certo ponto, o de uma relação do homem com o Cosmos, com aquilo que poderíamos designar até, mais funcionalmente, como macrocosmo, manifestando-se tal relação, através de um sábio. No entanto, o processo surge como uma demonstração de que o desenvolvimento do saber é eticamente negativo.
De facto, o conhecimento contido pelas duas personagens, assente sobretudo numa espécie de manipulação de fórmulas tendentes a construir a transgressão, a arquitectar uma conspiração que altere um conjunto de elementos estruturadores da potência (essencialmente a política – o antigo regime é visto como uma determinada ordem emanada da transcendência, vigorando no universo imanente do perecível), não se move para lá de um quadro ou espaço fechado: o das fórmulas dos livros e dos instrumentos sagrados e/ou proibidos.
Tal saber encerrado, feito e dominado de uma vez para sempre, parece nada poder acrescentar à visão poética, ficcional ou mesmo cientificamente informada, do macrocosmo. Todo o conhecimento acerca deste permite apenas domínios parciais que podem ou não ser usados para perturbar a ordem humana estabelecida.
Dentro deste quadro epistemológico, o saber do sábio (o alquimista, o mação) é sempre um movimento perverso, surgindo no discurso como eticamente negativo. Dado que é indevido no interior do sagrado, torna-se uma actuação de sacrilégio ou de violação. O desenvolvimento da narrativa de Dumas vai revelar-nos que assim é. Quanto ao romancista, na construção das perspectivas que assume como narrador, nunca atribui ao saber das ciências quaisquer perspectivas complementares que lhe permitam desenvolver ou desenhar um quadro do Cosmos que ultrapasse a observação, razoavelmente empírica, das aparências. Tudo está feito pelo grande arquitecto, é ele que assegura a coerência do Cosmos e das suas manifestações.
Por isso, ao sábio compete-lhe aprender as fórmulas da manipulação, mas não o sentido dos fenómenos, que está estabelecido de uma vez por todas. A alquimia (em sentido lato e algo metafórico que lhe dão os traços quase caricaturais com que se busca a tipificação) não anda, neste caso, muito longe da teologia. O conhecimento da incomensurabilidade da transcendência visa, sobretudo, assegurar o terror e a piedade na acção ritual.
Aliás, na poética de Dumas, mesmo a descrição elementar de quadros do mundo, sobretudo da natureza, são, comparando-os com os diálogos e as narrações de acções, por exemplo, raros. Isso, possivelmente, porque a interrogação dos mesmos, da razão de ser das suas origens (as fontes, as causas – mas também, complementar e simetricamente, as interacções e consequências), não era material que interessasse a uma tal visão do mundo[iii].
O homem de Dumas não age sobre o universo natural, nem é por ele transformado. Move-se no seu interior sem um saber científico. Quando o saber emerge, apresenta-se como uma perversão face ao sagrado, uma acção de feitiçaria. De um modo geral, as relações são mais entre as personagens e os entes mágicos ou as suas manifestações intencionais, no que respeita ao Cosmos (um ente supremo desencadeia uma catástrofe, por exemplo), do que entre as personagens e os fenómenos da natureza.
Les Mohicans de Paris (1854-1859), outra obra que não podemos esquecer no que se refere à problemática do complot, pode ser considerada um dos exemplares mais acabados de narrativa conspiracionista que foram escritos até hoje. Todo o universo de Paris é encarado como palco de maquinações que têm a ver com o poder central, com as instituições sociais dele dependentes, mas também com as afrontas familiares, os desentendimentos e segredos no interior dos grupos relacionados por parentesco ou, ainda, nas relações existentes entre companheiros de boémia e amigos.
Várias organizações são convocadas no horizonte da intriga: os maçónicos, os carbonários e as quadrilhas de marginais (de “moicanos”, no fundo) que se aliam ou confrontam ao longo da imensa narrativa de cerca de três mil páginas. Seria justo dizermos que, se pretendêssemos classificar genologicamente este romance, segundo o seu traço temático dominante, a designação apropriada poderia mesmo ser a conspiração romântica.
De facto, ao lado do termo la bohème, proveniente da narrativa contemporânea de Henri Murger (o título do romance é: Scénes da la vie de bohème – 1851), a designação que usa Dumas, les mohicans, torna-se uma das insígnias mais popularizadas, para referir o universo mítico da vida marginal da Paris oitocentista, com os seus mistérios e os seus grupos, cuja tipificação por ele realizada tornou lendários. De facto, no título escolhido pelo autor de Le Comte de Monte Cristo[iv], ressoa, francamente, a dimensão mítica da marginalidade, que foi desenvolvida, também com estrondoso sucesso editorial, por Eugène Sue, no seu Mystères de Paris, e as não menos célebres insígnias épicas, da luta pela liberdade, presentes nos romances de James Fenimor Cooper, The Last of the Mohicans.
Do universo romanesco legendário de Paris oitocentista, até ao advento de Les Mohicans de Paris, faziam parte integral, junto às camadas populares atingidas pela miséria com maior intensidade (a legião de desempregados, de diminuídos físicos, de enjeitados, de pequenos proprietários e camponeses empobrecidos pelas catástrofes naturais e sociais), os grupos mais restritos da boémia, cujos membros, de origem burguesa e mesmo aristocrática, se diluíam na marginalidade, na defesa da actividade artística, desenquadrada das exigências de produtividade e submissão propugnadas pelas classes hegemónicas: a grande burguesia e a aristocracia. Neste último romance, o mais longo que escreveu, a esse submundo vem acrescentar-se a componente política.
Desse modo, muitos dos grupos que acima enumerámos passam a integrar-se na comunidade segundo uma orgânica politizada, começando algumas das personagens a ser reconhecidas não pelas características de grupo ou de classe de onde são originárias, mas pelo fazer em que se empenham afincadamente: a agitação política. Da importância dessa componente, apresentamos, em seguida, um exemplo.
“Bonapartistes, orléanistes, républicains, se trouvaient donc confondus, et, si M. Jackal avait eu les cent yeux d’Argus, il eût vu, sans doute, rayonner au fond des catacombes, dans quelque angle opposé à celui des bonapartistes, les torches des orléanistes et des républicains.
Chaque vente particulière, comme nous l’avons dit, avait un député.
C’était ce député, délégué par elle, qui formait la vente centrale.
La vente centrale, de même que la vente particulière, se composait de vingt membres, lesquels membres n’étaient autres que les vingt députés élus par vingt ventes particulières.
La vente centrale était organisée comme la vente particulière: à son tour, elle élisait un président, un censeur et un député.
Le député de cette vente était délégué près de la haute vente, laquelle se composait de toutes les notabilités militaires et parlementaires de l’époque.
Elle ne formait pas de réunion, et le député de la vente centrale n’était jamais ûélégué qu’auprès d’un de ses membres.
Aussi les affiliés eux-mêmes ne savaient-ils à peu près aucun des noms des membres de la vente suprême, et à peine, aujourd’hui, est-on certain d’en connaître la moitié.
Les principaux étaient : la Fayette, Voyer-d’Argenson, Laffitte, Manuel, Buonarotti, Dupont (de l’Eure), de Schonen, Mérilhou, Barthe, Teste, Baptiste Rouen, Boinvilliers, les deux Scheffer, Bazard, Cauchois- Lemaire, de Corcelles, Jacques Kɶchlin, etc. etc.
Finissons en répétant que les éléments dont se composait le carbonarisme étaient loin d’appartenir aux mêmes doctrines politiques, et que bourgeois, étudiants, artistes, militaires, avocats, quoique marchant dans des voies différentes, étaient dirigés par la même cause, c’est-à-dire par une haine ardente contre les Bourbons de la branche aînée.
Au reste, nous tâcherons de les montrer à l’ɶvre.
Et maintenant que nos lecteurs savent aussi bien que M. Jackal que l’orateur vient d’être délégué à la vente centrale comme député, reprenons notre récit.
Après le départ du député, ce fut un brouhaha effroyable; chacun des membres voulut parler sans attendre son tour; les uns, cherchant à se faire entendre, poussaient de cris féroces; les autres agitaient leurs torches comme si elles eussent été des sabres et des épées; enfin, ce fut une confusion terrible, el les rayons des torches agitées, en se dirigeant en mille sens divers, devinrent l’image des pensées confuses et divergentes de tous les membres de cette mystérieuse assemblée” (Dumas, 1998 : 1041-1042 – 1º vol).
Seríamos tentados a ver, nesta assembleia, o predomínio daquela figura, que, segundo Benjamim se tornou típica da sociedade europeia oitocentista, quando estava em causa o fazer política: o conspirador profissional. Esta figura, que Benjamin delineia a partir de Marx, parece encher o imaginário da época e prestar-se a equívocos que misturam os traços das agitações sociais que, de facto, marcaram a França, intensamente, com os enigmáticos rostos que a ficção deu às figuras da marginalidade (“miseráveis”, “moicanos”, boémios), em vários momentos marcantes da vida política daquele país, durante o século XIX, desde a Revolução republicana até à Comuna, passando pelas profundas agitações em torno de episódios contra-revolucionários, como o da Restauração, e golpes de estado, como o de Luís Bonaparte. As palavras de Marx, sobre as categorias a que temos vindo a fazer referência são muito elucidativas:
“Com o incremento das conspirações proletárias surgiu a necessidade de divisão do trabalho; os seus membros dividiram-se em conspiradores de ocasião (conspirateurs d’occasion), isto é, operários que se dedicavam à conspiração apenas como actividade paralela às suas outras ocupações, que só frequentavam os encontros para poderem ficar disponíveis para comparecer nos lugares de reunião a um apelo dos chefes, e conspiradores profissionais, que se dedicavam exclusivamente à conspiração e dela viviam … As condições de vida desta classe determinam desde logo todo o seu carácter… A sua existência periclitante, a cada momento mais dependente do acaso do que da sua actividade, as suas vidas desregradas, cujos únicos pontos de referência estáveis eram as tabernas – pontos de encontro dos conspiradores –, as suas inevitáveis relações com toda a espécie de gente duvidosa, situam-nos naquela esfera de vida que em Paris dá pelo nome de bohème” (in Benjamin, 2006: 13).
A narrativa romântica da época, quer a francesa, mais presa à actualidade da Revolução, quer a inglesa, preferencialmente presa ao gosto da evocação histórica, fixou-se de tal modo no modelo conspiracionista que, de entre a multiplicidade de temas e dispositivos narrativos percorridos pelo imaginário que elabora, sobressaem aquelas obras em que o referido modelo domina. Les Misérables, de Victor Hugo, Ivanhoe, de Walter Scott, e Splendeurs et misères des courtisanes, de Balzac, poderiam ser notáveis exemplos a acrescentar aos de Dumas que acima comentámos.
Carlos Jorge Figueiredo Jorge é professor emérito da Universidade de Évora
Bibliografia
Barthes, Roland, 1957, Mytologies, Seuil, Paris
Barthes, Roland, 1966, “Introduction à l’analyse structurale des récits”, in Communications nº 8, Seuil, Paris
Benjamin, Walter, 2006, A Modernidade, Assírio & Alvim, Lisboa
Breton, André, 1955, Les vases communicants, Gallimard, Paris
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Ceserani, Remo, 2003, “L’immaginazione cospiratoria”, Synapsis (ed.), Conspiracy, complot, Le Monnier, Florença
Dumas, Alexandre, s/d, Joseph Balsamo (2 vol.), Marabout/Géant, Verviers (Belgique)
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Jorge, Carlos J.F., 2007, Cenários da Conjura, Imaginários da Intriga, Apenas Livros, Lisboa
Jorge, Carlos J.F., 2009, “A Argumentação Conspirativa – Por uma Poética da Intriga”, Dedalus, nº 13, Ass. Port. de Literatura Comparada, Lisboa
Lacombe, Roger G., 1974, Sade et ses masques, Payot, Paris
Lévi-Strauss, Claude, 1986, O olhar distanciado, Edições 70, Lisboa
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Taguieff, Pierre-André, 2005, La foire aux Illuminés, Mille et Une Nuits/Fayard, Paris
[i] Para uma perspectiva mais desenvolvida da matéria apresentada nos parágrafos anteriores, remetemos para os nossos textos de 2005 e 2007 citados na bibliografia.
[ii] Rousseau escreve a sua última obra, ainda modelo de pietismo, em 1776, Ann Radcliff publica a sua primeira narrativa em 1789 e Chateaubriand publica Atala em 1801
[iii] É evidente que esta afirmação, relativa à gigantesca e irregular produção de Dumas não pretende ser verdadeira para toda a obra que lhe é atribuída. Temos na memória, de imediato, o ciclo de D’Artagnan, o de Joseph Balsamo (ou narrativa inicial da série Mémoires d’un médecin) e Les Mohicans de Paris – qualquer deles constituído um formidável relato de engenhosas insídias, conjurados e conspirações.
[iv] Também este um romance onde a conspiração domina, desta feita a que pesa sobre um homem honesto, cuja vida foi destruída pelas maquinações de um celerado. O herói, vilipendiado e inocente, é redimido pela herança da maior das figuras conspirativa de Dumas: Joseph Balsamo, aliás, Cagliostro, aliás, Monte Cristo…