A lei das grades

O Ministro Bizarro

black metal fence during daytime

por Vítor Ilharco // Fevereiro 18, 2023


Categoria: Opinião

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Em 1995 foi estabelecido o Programa para a Saúde nas Prisões (Health in Prisons Programme, HIPP) da Organização Mundial de Saúde (OMS), com o intuito de “promover cuidados de saúde e políticas de promoção da saúde, junto da população reclusa, com base nas recomendações internacionais, nomeadamente nas Regras Mínimas das Nações Unidas para o Tratamento de Reclusos, conhecidas como Regras Nelson Mandela”.

O Relatório deste Organismo, há dias tornado público, com base em números facultados pelos Estados e relativos a 2020, é arrasador no que respeita a Portugal.

Ali se menciona que, no nosso país, apenas existem 33 médicos para um total de 49 estabelecimentos prisionais. Um rácio de 2,9 médicos para cada 1.000 reclusos, enquanto na população em geral esse rácio atinge os 5,3.

Relativamente aos psiquiatras, os dados da OMS sinalizaram 19 especialistas nas prisões portuguesas, o que se traduz num rácio de 1,7 por cada 1.000 presos, bem superior aos 0,1 registados para a população em geral, número demonstrativo do tipo de cidadãos que estão detidos.

Quanto ao número de dentistas, este não vai além dos 12 no sistema prisional, sendo o rácio de 1,1 igual entre a população em geral e a prisional, mas não indicam o número de horas de consultas e tratamentos por estes profissionais.

O que o Relatório não diz, provavelmente por falta de dados, é que os mais de 12.000 reclusos, espalhados pelas 49 prisões, só podem contar com menos de trinta psicólogos.

Esquece o número de doentes mentais e inimputáveis nas nossas cadeias (algo que nos deveria envergonhar já que, obviamente, o lugar destes cidadãos deveria ser o hospital) que é da ordem das muitas centenas. Garantem que ultrapassa os 10% da população em reclusão.

Omite os números da tuberculose e doenças infectocontagiosas, que são muitíssimo superiores aos da população em liberdade.

Também não refere a existência de males praticamente irradicados na sociedade, como a sarna e outros.

Não refere que muitas das doenças têm base, ou são agravadas, pela falta de higiene nos espaços prisionais e pela péssima alimentação dada aos reclusos (o Estado não distribui produtos de limpeza ou desinfectantes e paga, às empresas fornecedoras, 0,80 € por cada refeição). 

Muitos destes problemas devem-se ao facto das clínicas nas cadeias não dependerem do Serviço Nacional de Saúde e serem exploradas (e nunca o termo foi tão correcto) por empresas que concorrem a concursos que têm, como único intuito, saber qual faz o preço mais baixo.

Só assim se compreende que, há não muitos anos, a empresa vencedora pertencesse a um recluso na cadeia de Coimbra que, a partir daí, a geria.

Também não aborda a constante falta de medicação para muitas doenças graves. Ao contrário do que acontece com os ansiolíticos e a metadona.

Isto porque, há alguns anos, foi alterada a regra da aquisição dos medicamentos, que deixou de ser feita pelo Hospital Prisional de Caxias, que funcionava como “central de compras” e os distribuía por todos os Estabelecimentos Prisionais, com óbvias vantagens nos preços dos mesmos, para passarem a ser adquiridos por cada uma das prisões.

Apesar de tudo, ao tomarmos conhecimento do conteúdo do estudo, acreditámos na possibilidade dos nossos governantes se sentirem mal ao constatarem os números ali indicados e que nos colocam, também nesse campo, na cauda da Europa.

Foi com expectativa que aguardámos a reacção do Ministro da Saúde.

Questionado pelos jornalistas, este disse que “o Governo está a trabalhar para melhorar o sistema”.

Mais:

Que “o sistema de saúde nas prisões portuguesas funciona manifestamente bem. É verdade que não tem todos os médicos que deveria ter, mas tem uma dotação profissional muito adequada”.

Revelou, ainda, que foi “esta quarta-feira assinado um despacho pelo Ministério da Saúde, o Ministério da Justiça e o Ministério do Ensino Superior para que crie um grupo de trabalho para muito rapidamente produzir um relatório sobre medidas operacionais para melhorar a saúde nas prisões”.

O habitual.

Um Grupo de Trabalho que vai escrever um relatório com conclusões que todos conhecem há anos.

Desnecessário, até para o Ministro que o encomenda, já que este considera que “o sistema de saúde nas prisões portuguesas funciona manifestamente bem”.

Enfim, medidas tomadas, com a única intenção de empurrar os problemas com a barriga, por um Ministro bizarro. Tão Bizarro que até escreve, repetidamente, o seu apelido com uma gralha.

Vítor Ilharco é secretário-geral da APAR – Associação Portuguesa de Apoio ao Recluso


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