Tinta de Bisturi

A revolução é sair da cadeira

stainless steel scissor

por Diogo Cabrita // Fevereiro 19, 2023


Categoria: Opinião

minuto/s restantes


Os deputados gozam do direito de livre-trânsito, considerado como livre circulação em locais públicos de acesso condicionado, mediante a exibição do cartão próprio, além de possuírem ainda o direito a passaporte diplomático por legislatura, renovado em cada sessão legislativa.

Esta é a revolução mais extraordinária que os deputados podiam fazer e nunca foi feita. Um deputado pode chegar a um hospital e exigir entrar e verificar in loco o que se está a passar na instituição. O seu mandato é o voto legítimo do povo e a sua representação é a garantia da democracia.

Os deputados podem entrar quando e à hora que quiserem num presídio e verificar os dados tremendos que a Direção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais (DGRSP) publica sem medo e sem cessar, sobre a verdade das cadeias.

Estive num evento da Organização Mundial de Saúde em 15 e 16 de Fevereiro em representação da Associação Portuguesa de Apoio ao Recluso (APAR) onde se falou de saúde nas prisões.

Os deputados portugueses se procedessem à visita sem aviso prévio de muitas instituições eram um garante da democracia. O exercício desta acção surpreenderia os absentistas, os que se acham acima da lei, os que impõem regras antidemocráticas nos lugares onde foram colocados para gerir.

Os deputados não são vigilantes, não são empresas de avaliação e certificação, mas têm o direito de ir ver, irromper e ser testemunhas da coisa pública.

man in black long sleeve shirt raising his right hand

Por esta razão os deputados podiam ser muitos mais, contrariamente ao que afirma alguma demagogia. Um deputado que fosse à porta do estabelecimento prisional de Lisboa, pedisse para entrar, descobria que é mentira que temos 12 mil celas para cumprir as penas de privação de liberdade. Temos é celas para um que estão declaradas para três, o que é uma manifesta aldrabice, e que surge em relatórios exaustivamente repetidos.

Um eleitor pediria a um deputado que fosse ver como o estão a tratar na CP, ou na Brisa e o gesto de aparecer faria diferença, porque os cobardes temem a autoridade, os velhacos temem as consequências dos seus atropelos. A perpetuação de muitas ilegalidades deve-se ao rabo sentado de muitos dos eleitos pelo povo para os representar.

Num país onde a certificação é sinónimo de compadrio, e actualmente de negócio, onde a auditoria é sinónimo de simpatia e ganhos secundários, onde a palavra vigiar é feia, avaliar chefias é mal interpretado, só uma acção individual pode alterar as coisas.

stainless steel spiral bulb wire

Desafio os deputados do CHEGA a percorrerem as cadeias de Portugal. Desafio-os a levarem colegas do PCP e depois fazerem um documento menos demagógico sobre o que é preciso mudar na justiça portuguesa. O documento de 500 páginas está bem feito e compõem-se dos dados que são feitos chegar aos relatores; o problema é quando os dados não são exactamente aquilo que a observação directa demonstrariam.

Recordem sempre que Mandela esteve preso 28 anos. Recordem que todos podemos ir parar a um presídio.

Diogo Cabrita é médico


N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

O jornalismo independente DEPENDE dos leitores

Gostou do artigo? 

Leia mais artigos em baixo.