HÁ 723 MIL ALOJAMENTOS VAGOS, MAS "CASAS DE FÉRIAS" EM PORTUGAL JÁ SÃO 1,1 MILHÕES

Pacote legislativo “esquece” perturbação da residência secundária, que já tem quota de 40% no Algarve

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por Elisabete Tavares e Pedro Almeida Vieira // Fevereiro 19, 2023


Categoria: Exame

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São mais de 1,1 milhões os alojamentos em Portugal que são utilizadas exclusivamente para férias ou residência secundária. No Algarve, quase 40% do total deste património imobiliário é deste segmento. O PÁGINA UM analisou os dados sobre habitação disponibilizados pelo Instituto Nacional de Estatística (INE), onde se destaca que, no caso da região de Lisboa, apenas uma em cada 10 casas é de segunda habitação, e onde há assim menos disponibilidade imediata de alojamentos. Somando as habitações secundárias às casas que se encontram vagas, significa que um terço do parque habitacional em Portugal está, neste momento, indisponível para arrendamento ou venda. Ou seja, um total de 1,8 milhões de casas. Mas o Governo aparentemente ignora o impacte da residência secundária no mercado habitacional e sobre aqueles que apenas querem uma para viver condignamente.


São casas usadas em exclusivo em curtos períodos, para passar as férias e fins-de-semana, e superam já os 1,1 milhões de alojamentos a nível nacional. No total, as casas usadas como habitação secundária correspondem agora a 18,5% do total do parque habitacional nacional, tendo crescido 180.462 em números absolutos em duas décadas, a um ritmo de mais de nove mil por ano. As regiões Norte e Centro são aquelas onde mais se concentram residências secundárias, agregando 61% do total, mas é o Algarve que apresenta um maior peso relativo: cerca de quatro em cada 10 alojamentos desta região são de residência não-permanente.

Significa assim que, como estas casas não se encontram disponíveis no mercado, por usufruto contínuo embora intermitente dos seus proprietários, quase um quinto das habitações no país estão indisponíveis para venda ou arrendamento permanente. E o pacote legislativo, apresentado na passada quinta-feira pelo Governo, omite qualquer referência a este segmento, dando enfoque somente aos alojamentos não ocupados ou aos que estão a ser disponibilizados para alojamento local. Ou seja, quem tem casa considerada de segunda residência está livre, aparentemente, de sofrer imposições ou outras medidas coercivas do Governo para a colocar no mercado habitacional.

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Quatro em cada 10 casas no Algarve não têm ocupação permanente.

Em Portugal, o número de casas de segunda habitação – como são habitualmente designadas, mesmo quando os seus proprietários têm mais do que dois alojamentos – cresceu 20% nas últimas duas décadas, de acordo com dados censitários do Instituto Nacional de Estatística (INE) analisados pelo PÁGINA UM. Esta taxa foi ligeiramente superior ao crescimento do parque habitacional global, que foi de 19% entre 2001 e 2021.

Se somarmos as segundas casas com as habitações que se encontram vagas (ou mesmo devolutas), correspondem a um total de mais de 1,8 milhões de alojamentos. Quer então dizer que um terço das casas em Portugal não permanentemente ocupadas estão, mesmo assim, fora do mercado de venda e arrendamento.

Segundo uma análise do PÁGINA UM aos Censos, que abrangem a população e a habitação, em 2021 havia em termos líquidos, mais 180 mil casas como residência secundária do que em 2001, isto quando o património habitacional cresceu, nestas duas décadas, mais de 950 mil alojamentos.

Número de alojamentos por segmento em Portugal e por regiões em 2021. Fonte: INE / Censos de 2021.

No Algarve, o número de casas de férias disparou 42% entre 2001 e 2021, com 45 mil novas residências secundárias, mas em termos absolutos foi o Norte que mais aumentou, com 65.254 novos alojamentos neste segmento, embora com um crescimento relativo de 26%.

Mas foi no Alentejo que o segmento da segunda habitação mais cresceu desde o início do século: comparando 2021 com 2001, registou-se um aumento de 51.898 novos alojamentos, mas apenas de 4.731 para residência habitual, sendo que a residência secundária contabilizou um aumento de 21.484 e os alojamentos vagos de 25.683 alojamentos.

A região de Lisboa mostra ser aquela que registou uma evolução mais desequilibrada. Em 2001, agregava 27% do parque habitacional do país, mas apenas agregou 22% do crescimento global do país nas últimas duas décadas. Ou seja, o dinamismo na construção foi menor. O número de alojamentos vagos nesta região apenas aumentou em 10.449 alojamentos (que incluiu aqueles que estão devolutos, para venda, arrendamento ou demolição), e observa-se que o mercado imobiliário foi bastante dinâmico na habitação principal (mais 220.601 novos alojamentos), que foi mesmo “roubar” alojamentos secundários.

Peso relativo dos alojamentos por segmento em Portugal e por região em 2001 e 2021. Fonte: INE. Análise: PÁGINA UM.

Na verdade, a região de Lisboa foi a única que viu a residência secundária descer entre 2001 e 2021 (menos 16.039), em completo contraciclo com as outras regiões. Em Portugal, o crescimento do mercado da segunda habitação nas últimas duas décadas foi de 180.462 alojamentos.

Os dados do INE sobre o património imobiliário por segmento mostram, aliás, que é redutor “culpabilizar” os proprietários de prédios devolutos (muitos já sem condições de habitabilidade) pela actual crise de escassez do mercado habitacional. Com efeito, do total de 5.970.677 alojamentos existentes em 2021, apenas sete em cada 10 (69,4%) têm ocupação habitual, sendo que quase duas em cada 10 são já usadas como residência secundária (18,5%) e as restantes estão vagas. Ou seja, há já muitas mais casas de segunda habitação do que casa potencialmente disponíveis para arrendamento ou venda.

As diferenças regionais são, porém, enormes – e a nível municipal ainda serão maiores, e até deveriam ser analisadas em função do dinamismo demográfico e social de cada comunidade. Em todo o caso, a região de Lisboa é aquela onde, em 2021, afinal mais casas estavam ocupadas de forma habitual em 2021 (79,6% do total), e portanto onde seria mais difícil ir buscar mais alojamentos para o mercado. Para venda ou arrendamento, segundo o INE, nesta região apenas estão disponíveis 4,7% dos alojamentos existentes (cerca de 70 mil), havendo ainda 6% que se encontram vagos mas não disponíveis no mercado. O INE não explicita quantos destes últimos se encontram sem condições de habitabilidade. O mercado de segunda residência na região de Lisboa está em declíneo, por ser uma das regiões mais caras e de maior escassez no mercado habitacional.

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A região de Lisboa tem carência habitacional a preços acessíveis, mas é a região do país com maior taxa de ocupação permanente de alojamentos.

No lado oposto, o Algarve é a região mais rendida ao mercado da residência secundária, mas pela primeira vez os Censos mostram que o segmento da residência habitual (permanente) passou a minoritária: apenas 49,4% dos alojamentos estão agora ocupados todo o ano, sendo que a residência secundária representa já 38,6%, encontrando-se vagos 12%, dos quais 8% estão para venda ou arrendamento.

O Alentejo e a região Centro são contudo as zonas de Portugal onde a percentagem de alojamentos vagos é ainda significativa, respectivamente 16,5% e 14,4%.

No Norte, a fatia de casas destinadas a residência secundária face ao total de casas existentes, subiu um ponto percentual, para 16,9%. Também no Centro se observou uma subida, de 0,5 pontos percentuais, com 23,8% das casas a servirem como casas de férias.

Ao anunciar um polémico pacote legislativo na passada semana, para dinamizar o mercado imobiliário, e permitir o acesso de famílias a casas a preços acessíveis, o Governo omitiu completamente a habitação secundária, que tem sido um dos factores mais desestabilizadores do mercado habitacional. De facto, a procura e compra de casas de segunda residência, em geral por famílias de maiores posses ou mesmo por estrangeiros, não apenas retira alojamentos do mercado habitacional como faz encarecer os preços em determinadas regiões.

Marina Gonçalves, ministra da Habitação, António Costa, primeiro-ministro, e Fernando Medina, ministro das Finanças, na apresentação do pacote legislativo para a habitação na passada quinta-feira.

O pacote de medidas “Mais Habitação” vai estar ainda em discussão pública durante aproximadamente um mês, e regressa ao Conselho de Ministros no dia 16 de Março para aprovação da proposta final, a qual será enviada à Assembleia da República.

Entre as medidas, há algumas polémicas que se teme que possam até agravar a crise no acesso a rendas a preços acessíveis, já que torna mais valiosas as licenças de alojamento local, por exemplo, fazendo com que os proprietários não queiram passar os seus imóveis para o mercado de arrendamento.

Estas medidas agora anunciadas surgem depois de anos de políticas de incentivo ao investimento no mercado imobiliário português, como os “Vistos Gold” e o alojamento local. Também foi promovida a atracção de residentes estrangeiros e dinamização do sector do turismo.

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As políticas que foram implementadas ao longo dos últimos anos, a par da manutenção pelo Banco Central Europeu de taxas de juro artificialmente negativas, fez disparar os preços das casas em Portugal para níveis recorde, com grandes fundos de investimento a juntarem ao frenesim no sector.

A procura externa fez disparar os preços das casas no país. Segundo dados divulgados pelo Confidencial Imobiliário, os preços de venda habitação em Portugal Continental subiram 18,7% no ano passado. Trata-se da “valorização anual mais elevada dos últimos 30 anos”. “É necessário recuar a 1991 para encontrar uma taxa de variação homóloga no final do ano superior à registada neste último mês de Dezembro”, segundo a mesma fonte.

Segundo dados divulgados pelo INE, no espaço de um ano, os preços das casas em Portugal dispararam 13,5%, entre o final de Setembro de 2021 e o mesmo mês de 2022, com o preço mediano dos alojamentos familiares a fixar-se em 1.492 euros por metro quadrado.

O forte aumento da procura e dos preços na habitação não foi compensado com políticas de disponibilização de habitação a preços acessíveis, nomeadamente com apoio do Estado ou das autarquias.

A crise económica e o aumento do desemprego criados pelas medidas drásticas e sem precedentes impostas em Portugal pelo Governo durante a pandemia vieram penalizar ainda mais as famílias.

Recentemente, com o aumento mais do que esperado da inflação, o Banco Central Europeu decidiu começar a subir as taxas de juro, a um ritmo que apanhou muitas famílias desprevenidas. Em 2022, a taxa de inflação média anual em Portugal fixou-se 7,8%, segundo o INE. Trata-se do valor mais alto desde 1992.

As taxas Euribor estão actualmente em níveis máximos de 14 anos, nos prazos de 6 e 12 meses, os mais usados nos contratos de crédito à habitação em Portugal, tendo esta sexta-feira ficado fixadas, respetivamente, em 3,212% e 3,572%. Sobem para novos máximos há cinco sessões consecutivas.

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