Recensão: Galileu em Pádua

Um romance a precisar de um “cannocchiale” para outros voos

por Pedro Almeida Vieira // Fevereiro 24, 2023


Categoria: Cultura

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Título

Galileu em Pádua

Autor

ALESSANDRO DE ANGELIS (tradução: Bárbara Villalobos)

Editora (Edição)

Gradiva (Janeiro de 2022)

Cotação

13/20

Recensão

A figura austera que a História nos deixou de Galileu Galilei não pode estar mais distante da do romance de Alessandro De Angelis, publicado no mês passado pela Gradiva. Porém, de certeza absoluta que esta obra de ficção retrata melhor do que a iconografia ou a lenda o homem que foi Galileu, sobretudo durante aqueles que, por ele, foram considerados os melhores anos da sua vida.

Mais do que um romance histórico – que tem, diga-se, desde já, muitas fragilidades –, Galileu em Pádua é um repositório cronológico de episódios da sua vida desde 1592 – quando jovem cientista chega a Pádua, centro universitário da então República de Veneza – até 1610, quando o desenvolvimento do seu cannocchiale (telescópio) lhe permitiu escrever Sidereus nuncius, a pequena grande obra que descreve as quatro luas de Júpiter e muitas outras observações astronómicas que revolucionariam a Ciência.

E quando se diz repositório é quase de forma literal, porque Alessandro De Angelis – um premiado astrofísico italiano, que ministra em na Universidade de Pádua e também no Instituto Superior Técnico, sendo aí professor catedrático convidado de Partículas e Física Nuclear – optou por apresentar, em grande parte do romance, um número considerável de epístolas (autênticas ou reconstruídas), umas atrás das outras, entre Galileu e alguns dos maiores vultos da Ciência daquele época, como Johannes Kepler, Tycho Brahe, Guidobaldo del Monte e Paolo Sarpi, além de outras envolvendo seus familiares. Ou ainda missivas onde se destaca o seu lado cortesão – no sentido bajulador do termo, mas perfeitamente contextualizado naquela época – perante os poderosos de Veneza e Florença.

Aliás, na obra destaca-se bem a intencionalidade de Galileu em agradar a Florença, para onde desejava migrar. Foi mesmo visto como uma traição, sobretudo pelo seu amigo Giovanni Sagredo – que viria a surgir como interlocutor fictício na obra Diálogo sobre os dois principais sistemas do Mundo –, Galileu não ter feito qualquer referência a Veneza no Sidereus nuncius, para além do local da impressão, dedicando a obra ao então Grão-Duque da Toscana, Cosimo II de Medici. Na verdade, os nomes das quatro luas de Júpiter, baptizadas então como “estrelas mediceias”, foram “negociados” como contrapartida para a sua contratação pela Universidade de Florença.

Não se censure esta atitude de Galileu, nem tão-pouco a forma como lidou com Marina Gamba, mulher com quem nunca casou, que lhe deu duas filhas e um filho, e que abandonou quando foi para Florença. Esse aspecto da sua vida é aflorado no romance, mas de forma muito superficial e, convenhamos, até algo pueril.

Das relações com os filhos, a abordagem no romance também é muito superficial, relevando, porém, um dos aspectos mais curiosos deste cientista: o seu apego e conhecimento de astrologia. Galileu pelo menos escreveu duas cartas astrais das suas filhas Virgínia e Lívia, que Alessandro De Angelis transcreve, estabelecendo os respectivos perfis e ânimos futuros. Também aqui nada de surpreendente para quem conhece a época: os cientistas eram, geralmente, adeptos e defensores de ciências hoje consideradas mais esotéricas, como a Astrologia e a Alquímia.

Por abordar um período tão vasto e de tamanha riqueza, até histórica, do ponto de vista político, romancear a vida de Galileu Galileu ao longo de 18 anos seria tarefa hercúlea para qualquer romancista, mesmo com créditos firmados. Exigiria um melhor contexto histórico, uma maior fluidez da narrativa, um aprofundamento psicológico dos principais personagens – a começar por Galileu – e, porventura, um “entrosamento” entre os diversos períodos destes 18 anos.

Por isso, Alessandro De Angelis é notoriamente um “amante” de Galileu e "fala" a mesma língua científica, e isto surge como uma vantagem; mas denota também dificuldades em manter um fluxo narrativo em simultâneo equilibrado e empolgante. Mostra que desejou, a toda a força, "oferecer" aos leitores as cartas de Galileu e alguns detalhes científicos das suas descobertas e invenções até às observações de Júpiter –, e isso mostra-se fatal em grande parte do romance, porque o torna desconexo, saltitando de epístola em epístola, enquanto vão surgindo, aqui e ali, por vezes a despropósito, capítulos “normais” ou comentários às cartas.

Por esse motivo, este é um romance que vale sobretudo como "documento" de divulgação da faceta de um dos “monstros” da Ciência, que alterou de forma indelével o modo como olhamos para nós e para o Universo. Nessa perspectiva, Alessandro De Angelis pode dar-se por satisfeito. Mas para romance, faltou-lhe um cannocchiale.

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