António Paulouro, uma referência no Jornalismo português, fundador do “Jornal do Fundão”, contava que, após a invasão de Goa, Damão e Dio pelas tropas indianas, Salazar reagiu dando instruções para que, em todas as cidades, a população se organizasse em “manifestações espontâneas”.
As Juntas de Freguesia alugaram autocarros, compraram lanches e garrafões de vinho, pintaram cartazes e levaram o povinho como se fosse para uma excursão.
A cidade da Covilhã não foi excepção.
Milhares de pessoas, vindas de todo o concelho, encheram o Largo da Câmara Municipal para poderem ouvir os patrióticos discursos dos políticos do partido único.
No meio dessa gente destacava-se um velho agricultor, com um cartaz enorme na ponta de um pau, que ele levantava vaidosamente para alegria do autarca da terra.
O cartaz tinha escrito: “Casegas exige acção imediata”.
Foi um “maná” para os muitos oposicionistas duma terra conhecida pela aversão à ditadura.
Entre gargalhadas comentavam:
– “Quando Neru souber desta exigência de Casegas (uma terrinha com poucas centenas de habitantes) recua imediatamente com pedidos de desculpas a Portugal”.
Lembrei-me desta cena ao assistir ao debate, na Assembleia da República, no dia em que passava um ano sobre a invasão da Ucrânia.
Os deputados que intervieram não se limitaram a condenar, a análises políticas, a críticas ou elogios.
Pelo contrário, fizeram veementes exigências em tom ameaçador e determinante.
Seria ridículo se não fosse triste pela percepção de que não têm a mais pequena noção do que valem as suas palavras.
Os optimistas pensarão que contam pouco.
Os realistas sabem que não contam para nada.
O Presidente dos Estados Unidos visitou a Ucrânia e, depois, reuniu com personalidades de diversos países.
Em primeiro lugar com o Grupo de Bucareste, que teve como anfitrião o presidente da Polónia, Andrzej Duda, e juntou, na mesma mesa, Joe Biden e os representantes dos restantes oito países que integram o grupo: Roménia, Bulgária, República Checa, Estónia, Hungria, Letónia, Lituânia e Eslováquia.
Já tinha reunido, antes disso, na Alemanha, com o grupo das sete principais nações industrializadas, e em Madrid num encontro de países membros da NATO.
Não consta que tenha mostrado interesse em saber a opinião de países europeus sem dimensão internacional.
E isso é o que nós somos, por muito que custe a alguns.
Há quem considere que o Governo Português poderia ter uma palavra sobre o conflito e algumas ideias para tentar pôr cobro a esta tragédia.
Corre o risco, se o tentar, de ser comparado com o pobre agricultor de Casegas.
O Governo Português pode colaborar na mediação para pôr cobro a esta guerra?
Mas o Governo Português nem sequer consegue uma solução para terminar com a greve dos professores.
Portugal pode ajudar a Ucrânia, no que respeita à saúde, no pós-guerra?
Mas se nem sequer conseguem cumprir a promessa de haver um médico de família para todos os portugueses.
Portugal pode ajudar no plano militar?
E quem nos levará a sério quando souberem que as nossas Forças Armadas têm mais oficiais do que “praças” e mais generais do que os Estados Unidos?
Podemos colaborar na reconstrução das infraestruturas destruídas pela guerra?
E quem aceitará, quando se souber que as obras num Hospital Militar, em Portugal, custaram 3,2 milhões de euros quando o orçamento inicial era de 750 mil, tudo com o conhecimento, e luz verde, do actual ministro dos Negócios Estrangeiros?
Nas reuniões, a sério, onde os políticos credíveis se juntarem para tentar analisar, com seriedade e competência, o fim do conflito, as condições para que se estabeleça um plano de paz efectiva e os planos de recuperação dos países destruídos por esta catástrofe, não interessa que apareçam, atrás daqueles, anões aos saltinhos e a gritarem, de modo esganiçado, “eu tenho a solução, eu tenho a solução!”, num português mais ou menos escorreito.
O mais certo é serem olhados com desdém e postos fora da sala por um qualquer porteiro mal-encarado.
Estes vaidosos não têm consciência do seu verdadeiro valor.
E isso é o cúmulo da infelicidade.
Vítor Ilharco é secretário-geral da APAR – Associação Portuguesa de Apoio ao Recluso
N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.