EDITORIAL

Este desavergonhado Público: do “apagão” a Pedro Girão ao “apagão” a Carmo Gomes

Editorial

por Pedro Almeida Vieira // Fevereiro 26, 2023


Categoria: Opinião

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Em 19 de Agosto de 2021, o Público escreveu, apagando, uma negra página na História do Jornalismo, “despublicando” – eufemístico termo para censura em tempos de (suposta) democracia – um artigo de opinião do médico Pedro Girão sobre tema delicado mas essencial: a vacinação de menores de idade contra a covid-19. Hoje sabemos ser questão mais do que controversa. E pior do que isso, o seu director Manuel Carvalho teve até a desfaçatez de vangloriar-se de tão vil acto, pois defendeu que “recusamos em absoluto promover juízos que tendem a negar a importância ou o relativo consenso científico em torno das vacinas”.

Não satisfeito, ontem, o jornal Público – tragicamente liderado por Manuel Carvalho, o tal director que, certo dia, decidiu ser legítimo difamar-me, porque supostamente o PÁGINA UM estaria a contrariar um suposto e necessário “consenso social” em torno da vacinação contra a covid-19 – publicou uma entrevista a Manuel Carmo Gomes, alegado epidemiologista e membro da Comissão Técnica de Vacinação contra a Covid-19 (CTVC).

A entrevista titulava-se “Toda a gente deveria tomar uma dose de vacina bivalente”, e foi um dos artigos mais lidos do Público de ontem.

Manuel Carmo Gomes

O título da entrevista foi retirada da resposta à seguinte pergunta:

A quem, fora dos grupos de risco, recomendaria a vacinação nesta fase?

E que teve a seguinte resposta:

De um modo geral, recomendaria que toda a gente tomasse uma dose da vacina bivalente [que só chegou a Portugal no último trimestre de 2022 e cujas versões mais recentes têm uma componente da Ómicron e outra do vírus original]. Esta vacina que está a ser administrada ajuda o sistema imunitário a reconhecer toda esta sopa de subvariantes que estão à nossa volta e que com o tempo vão continuar a mudar.

Portanto, a vacina é recomendada para adultos acima dos 18 anos e eu penso que é sensato as pessoas tomarem-na, porque, no que diz respeito a doença grave, ficam mais protegidas e, no que diz respeito a infecção, ficam protegidas temporariamente.

E recordo: não é boa ideia as pessoas serem infectadas pela covid, porque já percebemos que existem riscos de complicações de toda a ordem. E não é necessário ser uma infecção grave que leve ao hospital. O vírus chega praticamente a todos os órgãos internos, tem uma grande propensão para originar microtrombos na parede interna de veias e artérias, vai ao sistema neurológico, tem uma função de desregulação do sistema imunitário. Isto não é uma “gripezinha”. É verdade que o facto de já terem sido vacinadas confere às pessoas uma maior protecção. Um estudo feito em Portugal mostra que, ao fim de oito meses, a chamada imunidade híbrida (a pessoa que foi vacinada e também foi infectada) confere uma protecção de aproximadamente 60% contra infecção, comparativamente às pessoas que foram apenas vacinadas e não foram infectadas. Agora, isto não é uma segurança absoluta, não evita que as pessoas sejam infectadas.

grayscale photography of woman praying while holding prayer beads

Parte desta resposta entretanto desapareceu (os trechos acima marcados a negro em itálico), onde até se falava de uma “sopa de subvariantes” (uma parvoíce, diga-se), e a pequena entrevista viu então acrescentados os seguintes novos trechos, tendo até o título alterado para “Covid: Para pessoas saudáveis, a decisão de vacinação deve ser individual“, que não constavam, portanto, da entrevista original:

Para pessoas saudáveis com mais de 18 anos, a decisão deve ser individual. Se no caso das pessoas com factores de risco (insuficiência cardíaca, renal, pulmonar, imunocomprometidos…) a recomendação de vacinação deve ser universal, para uma pessoa saudável a vacina não tem problemas, é segura e tem vantagens, mas cada um deve fazer a sua avaliação de risco.

Um taxista, uma pessoa que trabalha numa caixa de supermercado, pessoas que têm contacto com o público, correm um risco maior de ser infectados, enquanto para alguém que vive mais na sua bolha familiar e com apenas algum contacto com colegas de trabalho, o risco é menor. As pessoas devem fazer a sua avaliação sobre até que ponto estão expostas à infecção e isso deve entrar na decisão de se vacinarem ou não.

Tudo isto feito acompanhado apenas por uma simples nota de editor – aditando que Carmo Gomes “entendeu clarificar a sua posição inicial” – pouco lhes importando que, hélas, se fez um injustificável “apagão” em concreto, pois o jornal fez desaparecer o que antes fora dito, como se nunca tivesse sido dito. Felizmente, mesmo no digital, nada se apaga definitivamente. Nem a vergonha.

Variações das declarações de Carmo Gomes na entrevista ao Público. As primeiras 13 linhas e meia da versão original desapareceram e foram substituídas por outras declarações, modificando mesmo o título.

Este “apagão” da resposta de Carmo Gomes (não houve “clarificação; houve uma pessoa sem vértebras a “fugir com o rabo à seringa” do que disse na entrevista) é tanto ou mais grave do que o “apagão” cometido contra Pedro Girão há cerca de ano e meio. Onde com o “apagão” ignominioso do texto de Pedro Girão houve censura, no “apagão” a favor de Carmo Gomes houve deslealdade aos leitores. E leitores, esses, que podem pensar ser isto (“apagar” frases quando se mostram inconvenientes) uma prática comum no jornalismo. Não é. Não pode ser. Não quero admitir que seja.

Um verdadeiro jornalista, um jornal sério, deve saber que há princípios sagrados, ainda mais numa entrevista. Textual. Deve corrigir-se um evidente erro ou um lapso, se for da responsabilidade do jornalista. Por exemplo, uma transcrição malfeita, uma edição das frases que as tornam ambíguas ou com sentido contrário. Mas nada mais. Assim dito, assim fica dito. Doa a quem doer.

Arrependendo-se o entrevistado daquilo que disse – e que foi publicado –, não pode JAMAIS um jornal sério, um jornalista credível, um director decente, aceitar APAGAR alguma coisa nem sob tortura ou encerramento. Apagar é reescrever a História; é condescender com os poderes, que, assim, podem sempre dar o dito por não dito, com o contributo de jornalistas-fantoches, disponíveis invertebrados, sempre prontos a “rectificações”, se entretanto as reacções públicas ou privadas assim o aconselharem.

man sitting on chair holding newspaper on fire

O Público não é um jornal qualquer. Podem agora os jornalistas que lá estão, o seu director e o editor que fez este intencional “apagão”, um favorzinho, ou mais do que isso, desejar a morte do jornalismo sério e respeitável, que tem o dever de ser fiel apenas aos leitores. Mas não podem aguardar que jornalistas sérios aceitem os seus actos com candura, dizendo: “mais uma do Público”.

O Público não é – pelo seu percurso, pela qualidade dos jornalistas que lá passaram, e por alguns poucos que ainda lá estão – um jornal qualquer. Deve saber que não pode mudar a História, ainda mais as histórias que publicou. Isto aplica-se a este caso, relacionado com a pandemia, e a qualquer outra.

Vai o Público fazer o mesmo se António Costa um dia pedir para se apagar trechos de uma entrevista?

Ou vai o Público mudar uma citação de algum ministro que, no dia seguinte, reparou que afinal devia ter dito Z em vez de Y?

Ou… quem paga mais, hein?!

Enfim, não pode hoje o Público, ou outro qualquer órgão de comunicação social, publicar uma notícia ou uma entrevista, qualquer que seja o tema, e depois afinal “rectificar” aquilo que se disse, porque afinal conveio modificar o discurso, apagando o original, e abusivamente fazê-lo porque o online aparentemente facilita esse acto.

person burning paper

Deve um jornal sério aceitar a alteração de uma opinião, destacando-a até, mas nunca pode aceitar apagar o que fora dito, porque isso é reescrever a História.

E reescrever a História, apagando actos e frases inconvenientes, não é uma função do Jornalismo. Pelo contrário.

Se isso for feito, como aqui se mostra no caso do Público, então estamos não perante um jornal, mas sim um pasquim. E daqueles que matam o Jornalismo.

O jornalismo independente DEPENDE dos leitores

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