Sofisticar a linguagem legal para comprovar que distorcer a lei e incumprir a Constituição está certo – esta foi a prática comum de inúmeros políticos para justificar gastos milionários, impor medidas ditatoriais e conduzir ao colapso de muitas instituições durante a pandemia.
O objectivo do texto seguinte é, com a luz dos dados, demonstrar como estiveram errados. Primeiro as fontes do conhecimento. É preciso ter dados para depois perceber o que se está a afirmar.
A Pordata é uma plataforma de dados disponível a todos os cidadãos portugueses e internacionais, tal como o Euromomo, permitindo colher informação que temos por clara, impoluta e livre. Alguns têm sido colocados em morte aparente desde que houve polémica política na gestão da saúde.
Depois, há documentos incontornáveis, que demonstram a importância da má qualidade em saúde que se está a viver em Portugal e na Europa: má alimentação, sedentarismo, poluição, excesso de medicação estão relacionados com a má qualidade de vida de muitos jovens.
Ainda assim, os jovens morrem pouco, e morrem muito menos que os idosos. Na população prisional os jovens são a maioria com prevalência de gente abaixo de 40 anos. Os dados das plataformas referidas acima permitem a qualquer um comprovar que esta pandemia não teve qualquer impacto na mortalidade abaixo dos 40 anos, não teve qualquer alteração entre o pré e o pós-vacina, e sobretudo permite reparar que há um pico por esclarecer após Dezembro de 2022.
Ou seja, o facto de a população ser mais nova acarreta muito menos perigo dentro dos presídios. Já sabíamos isto em Maio de 2020 devido a uma massiva infecção por covid-19 num porta-aviões da Marinha norte-americana.
Sabíamos isto também em Lisboa quando centenas de migrantes contraíram covid-19 numa pensão em Lisboa e não morreram.
Impedir a visita aos presos de cônjuges não-vacinados é um desrespeito da Constituição. Uma arbitrariedade é sempre uma prepotência de quem se julga para lá da lei. Em Portugal ninguém é obrigado a vacinar-se. A Direcção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais (DGRSP) determinou que para haver contacto tinham de obrigatoriamente estarem vacinados.
Esta regra da DGRSP servia para provar a sua competência num tema: Durante a pandemia, eles tinham salvado a população de morrer nos presídios por covid-19. Assim pensa o secretário de Estado da Justiça também.
O que dizem as estatísticas? Não houve alteração de mortalidade total nas idades abaixo de 40 anos durante a pandemia. Bolas! Então, a maior causa de morte nos presídios de Portugal entre 2019 e 2023 em jovens foi de suicídio. Estamos a falar de gente presa à guarda do Estado!
A personalidade autoritária (Hannah Arendt) que decide contra a Constituição, que os presos (porque não cumpriram a lei) não podem ter visitas, acha que tem esse direito porque os está a proteger. Tem? Teremos o direito de coartar liberdade em defesa da vida?
O leão se conseguisse escolher a morte ou a jaula eterna, talvez deixasse de comer. Infelizmente durante a pandemia a predisposição autoritária (Karen Stenner) pôde viver sem qualquer contraditório, arrasando a democracia e a constituição. Legitimar o discurso para decidir contra os dados e a lei chama-se despotismo, autoritarismo e normalmente precede o fim das democracias.
Aquando do ataque às Torres Gémeas, muitos sonharam com a coartação de liberdades, muitos quiseram impor medidas draconianas sobre os islâmicos. A Democracia resistiu. A Liberdade impôs-se às histerias pela defesa da vida.
Quando permitimos o discurso sem contraditório e promovemos apenas os que repetem a nossa linguagem, construímos um mundo de autómatos, uma sociedade de religiosos vigiados por vizinhos, apontados e denunciados pelos amigos.
A DGRSP podia estar bem-intencionada, mas a sua decisão foi intolerante e antidemocrática. Coisas muito semelhantes fizeram alguns directores de lares (os presídios de velhos durante a pandemia), que tiveram acções igualmente déspotas e inconstitucionais.
Este é um problema que, infelizmente, vem da natureza humana e do seu pé que foge para o chinelo. Por esta razão, muitos pensadores têm tentado construir instituições que colocam a Democracia acima da eleição, que balizam os poderes por pressupostos legais, e por esta razão os Estados Unidos sobreviveram a Donald Trump, enquanto a Rússia, a Turquia, as Filipinas quase sucumbem aos ditadores narcísicos. Reconheço esta genética em vários comentadores do Público e do Expresso.
Diogo Cabrita é médico
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