Recensão: Punições

Kafka em dose tripla

por Pedro Almeida Vieira // Março 1, 2023


Categoria: Cultura

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Título

Punições

Autor

FRANZ KAFKA (tradução: Paulo Osório de Castro)

Editora (Edição)

Cavalo de Ferro (Fevereiro de 2023)

Cotação

19/20

Recensão

Mestre, ou até  mais do que isso, na criação de mundos sombrios e opressivos, sempre trespassados por personagens alienadas e impotentes, mas criados numa atmosfera de normalidade exasperante, Franz Kafka é um dos mais fascinantes escritores do início do século XX, que prematuramente partiu há quase um século (1924), e que nos deixa a imaginar que mais obras conseguiria conjecturar se não tivesse morrido com apenas 40 anos.

Embora tardiamente publicado em Portugal, nas últimas décadas as mais conhecidas obras de Franz Kafka têm vindo a ser sucessivamente reeditadas pelas mais diversas editoras, mas este Punições surge pela primeira vez no nosso país. Não é uma obra inédita em si mesma, mas a compilação pensada por Kafka para juntar a sua novela mais famosa, A metamorfose, originalmente publicado em 1915, a dois contos: A sentença (1913) e Na colónia penal (1919).

Embora cada uma das histórias sejam una – tanto assim que A metamorfose, publicada pela primeira vez em Portugal em 1962, se encontra no catálogo de cerca de uma dezena de editoras, e Na colónia penal tem também pelo menos três edições (a primeira em 1998, a última em 2021, pela Relógio d’Água –, é a primeira vez que estres três textos são publicados conjuntamente, o que constitui, desde logo uma mais-valia económica, e sobretudo uma oportunidade de nos embrenharmos em dose tripla no universo kafkiano.

Em A sentença – o mais curto dos três textos, que pode, mais apropriadamente ser considerado um conto –, dedicado a Felice Bauer, noiva de Kafka, surge-nos um homem condenado que ignora o motivo da sua execução, o que, convenhamos, é um ponto de partida nada incomum no universo de Kafka. Tal como sucede em O processo, esta história permite sobretudo reflectir sobre a arbitrariedade do poder e a impotência dos indivíduos perante a falta de transparência e inacessibilidade do sistema judiciário. A Justiça não deseja assim fazer justiça, sendo uma mera máquina de opressão.

Já em A metamorfose, a célebre história de Gregor Samsa, o caixeiro-viajante que acorda transformado em insecto gigante, serve sobretudo para uma análise das reacções familiares e da sociedade perante uma transformação, acabando sobretudo para expor os processos de alienação, de solidão e de incomunicabilidade.

Por fim, Na colónia penal, o leitor acaba por ser (também) o viajante que assiste às entusiásticas descrições de um oficial que supervisiona uma máquina de execução com o condão de escrever a sentença na pele do condenado (que também ignora até os crimes de que é acusado), apresentada como o símbolo da violência inerente à justiça e a uma burocracia desumanizada, que perpetuam a violência.

Porém, mais do que essas reflexões mais filosóficas, e cada vez mais actuais, destes intemporais textos de Franz Kafka, o leitor pode e deve apreciar o seu estilo literário, ainda extremamente moderno, visual e depurado. Uma leitura obrigatória, ainda mais após os distópicos tempos que (ainda) vivemos.

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