VISTO DE FORA

Manuel Pinho, um alegado vigarista com visão de jogo

person holding camera lens

por Tiago Franco // Março 6, 2023


Categoria: Opinião

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Dizia-me o director do PÁGINA UM, depois do meu regresso ao continente europeu e à espuma dos dias, que temas não faltavam, dada a confusão instalada. E, de facto, assim é. A enxurrada de notícias, casos e absurdos são de tal monta que poderia sentar-me a escrever de manhã à noite sem repetir um assunto. Fui ao pote… e tirei a senha… Manuel Pinho.

É um caso absolutamente genial e um óptimo exemplo dos bastidores da política e do mundo das empresas que gravitam na órbita do Estado. Os famosos DDT – leia-se, Donos Disto Tudo –, cujas histórias nos motivam sempre a produzir e pagar impostos. Especialmente numa segunda-feira.

woman in dress holding sword figurine

Manuel Pinho foi ministro da Economia do Governo de José Sócrates – o tal que foi tomar banho mais cedo quando fez uns corninhos na Assembleia da República.

Em 1994, aos 40 anos de idade, Manuel Pinho entrou para o Conselho de Administração do Grupo BES, onde exerceu vários cargos, saindo dez anos mais tarde para concorrer nas listas do PS às Legislativas. Foi nomeado ministro da Economia por José Sócrates. Poucos dias depois de chegar ao cargo, influenciou a ida de António Mexia para a EDP e, ao longo do seu mandato, concedeu vários benefícios indevidos à empresa. Em troca, a EDP sustentou a carreira profissional de Pinho como, por exemplo, aquele curso patrocinado pela eléctrica portuguesa na Universidade de Columbia, para onde Pinho foi pregar depois de sair do Governo.

Enquanto ministro da Economia ficaram famosas as suas palavras, aquando de uma visita à China, apelando ao investimento em Portugal, porque, segundo ele, éramos “um país de mão de obra barata”. Os chineses acreditaram e vieram tomar conta da EDP e da REN, entre outras empresas. António Mexia continuou a ser o homem certo no lugar certo.

Manuel Pinho fez um gesto indecoroso em 2 de Julho de 2009 em plena Assembleia da República, e que causaria a sua demissão de ministro da Economia.

Vários anos depois de sair do Governo, um pouco arrastado pelas acusações a Sócrates, Manuel Pinho foi acusado formalmente de corrupção por ter beneficiado a EDP enquanto ministro. O Ministério Público disse ainda que Manuel Pinho recebia dinheiro do BES para cuidar dos seus interesses enquanto ministro. O BES era um dos maiores accionistas da EDP.

Foi, por esta altura, que se começou a investigar o património de Pinho, e se descobriu, entre outras coisas, apartamentos em Manhattan. Uma das coisas curiosas em boa parte da classe política portuguesa é a capacidade que têm de multiplicar salários. Não sei se sabem qual é a remuneração de um deputado, de um ministro da Economia ou até de um primeiro-ministro. Posso garantir-vos, porém, que não dá para apartamentos em Paris ou Manhattan.

Como não há fumo sem fogo, e apartamentos na City não se sorteiam em pacotes de Nestum, descobriu-se que Pinho, durante os seus anos no Grupo Espírito Santo (GES), recebia salários e prémios, através de um esquema de saco azul. Uma trafulhice comum para fugir ao pagamento de impostos com o dinheiro a passar por destinos off-shore. Estima-se em mais de um milhão de euros recebidos por Manuel Pinho sem passar no crivo do fisco (que rei!).

A fraude fiscal é por demais evidente, mas Manuel Pinho começou por negá-la.

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A história melhorou quando ficámos a saber, também por investigação do Ministério Público que, durante o seu tempo na política, Manuel Pinho recebeu uma avença mensal do BES de 15 mil euros mensais. Cheira a mesada para garantir os interesses do empregador, mas o Ministério Público foi mais longe: acusou Pinho de ser um verdadeiro agente do GES infiltrado no Governo. Pinho nega tudo sem conseguir explicar muito bem que salário era aquele.

Estas “luvas” do GES nunca foram declaradas por Pinho, vá-se lá saber porquê, mas depois do início da investigação em 2017, e acusação formal em Julho de 2018, o antigo ministro de Sócrates aproveitou uma lei de perdão fiscal para regularizar a declaração do dinheiro recebido. Fê-lo em Setembro de 2018, dois meses depois de ter sido acusado.

Em 2020 foi acusado de ter sido subornado por Mexia, na EDP e, em 2021, foi formalmente indiciado por corrupção, por favorecimento à Odebrecht na obra da barragem do Baixo Sabor. Ainda em 2021 foi detido para interrogatório e ficou a aguardar julgamento em prisão domiciliária, por se recusar a pagar a caução de seis milhões de euros.

Agora, em 2023, algum advogado de Manuel Pinho lhe deve ter explicado que era mais fácil assumir o crime de que se podia safar – a fraude fiscal – e defender o mais perigoso – a corrupção. E sabem que mais? É absolutamente brilhante.

Pinho veio revelar, arrependido como se quer nestas ocasiões, que recebeu dinheiro sem pagar impostos, e que esta era uma prática comum no GES. Ou seja, recebiam todos pequenas fortunas e deixavam os impostos para mim, para ti, para quem os quisesse pagar.

Lembrem-se que enquanto os administradores fugiam aos impostos e enriqueciam, os contribuintes tiveram de ser chamados a pagar durante 13 anos o caos que lá ficou instalado. Isto é quase poético e revelador da impunidade entre quem verdadeiramente manda e quem deve obedecer.

Pinho acrescentou ainda que tinha regularizado o dinheiro malparado no tal perdão fiscal de 2018 e, por isso, já não podia ser acusado de nada. Ou nas palavras dele: “o que já está, já está”.

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Não sou advogado, mas espero que este argumento faça jurisprudência. Imaginem uma sociedade onde a cada roubo, cada crime, cada assassinato se pudesse dizer: “pronto, o que já está, já está… agora há que olhar em frente e seguir caminho”.

Imaginem um mundo onde a impunidade dos ricos se propaga aos pobres, como se fosse um vírus respiratório. Que maravilha!

A estratégia de Pinho e dos seus advogados é, de facto, brilhante, porque, tal como nós, eles sabem que estão em Portugal, o país onde é muito difícil ser-se condenado por corrupção. E quando tal sucede é com penas doces.

Sempre que virem uma notícia de um rico indiciado por corrupção, lembrem-se do desfecho do caso Bragaparques, quando José Sá Fernandes era vereador do Bloco de Esquerda na Câmara de Lisboa. Tentaram comprar o homem para que beneficiasse uma empresa de construção civil com uma obra de um parque de estacionamento em Lisboa. Quiseram dar-lhe uma mala de dinheiro. O deputado fez queixa, dizendo que o estavam a tentar corromper e fez uma gravação com o irmão Ricardo Sá Fernandes.

book lot on black wooden shelf

Um tribunal chegou a condenar os dois irmãos a pagar uma multa por gravação ilícita, e um outro tribunal até absolveu o empresário Domingos Névoa porque estaria a tentar corromper quem não tinha tutela nas decisões autárquicas. Ou seja, o dono da mala, para ser condenado, teria de ir a uma reunião de vereadores e perguntar: “Ouçam!!! Quem é que aqui trata do urbanismo?? És tu?? Então toma lá esta mala!!”

Isto ainda foi corrigido, com Domingos Névoa a ser condenado, mas pelo Supremo Tribunal de Justiça, embora com mão leve: multa de 200 mil euros para não ir para a prisão por cinco meses. E o empresário continuou a sua vidinha, que lhe correrá bem, até porque já este ano comprou o Shopping Cidade do Porto por 28 milhões de euros.

Portanto, Pinho sabe que jamais cairá por corrupção num país (ainda) de brandos costumes para os corruptos, e como a fraude fiscal está resolvida no perdão, há mesmo a hipótese de sair disto limpinho como um rabinho de bebé depois de três Dodot.

person standing near the stairs

Absolutamente brilhante. A prova cuspida de que existe uma justiça para ricos e outra para pobres, até porque pobre nem deve ter dinheiro para ter acesso à Justiça, sendo um bom exemplo o recente chumbo na Assembleia da República da redução das taxas e custas judiciais. Bem sei que é um conceito estafado, mas visto assim de perto, ao vivo, tem sempre outro impacto.

Como mantemos esta aparente indiferença, e deixamos esta gente safar-se, uma e outra vez, é que continuo sem conseguir compreender.

Tiago Franco é engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)


N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

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