PÁGINA UM QUER CONDENAÇÃO DO MINISTÉRIO DA SAÚDE POR LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ

Manuel Pizarro já está na fase de se “borrifar” para ordens do Tribunal Administrativo

clear glass bottles on white background

por Pedro Almeida Vieira // Março 7, 2023


Categoria: Exame

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Depois de apagar literalmente contratos públicos no Portal Base, o Ministério da Saúde ignora agora um despacho da juíza do processo de intimação do PÁGINA UM para o acesso aos contratos de compra das vacinas contra a covid-19 e às comunicações com as farmacêuticas. Em causa estão compras públicas que ascendem a quase 700 milhões de euros, mas que Manuel Pizarro tudo anda a fazer para esconder os contratos. O PÁGINA UM pediu, na sexta-feira, a condenação do Ministério da Saúde por litigância de má-fé. O gabinete jurídico do ministro foi logo a “correr” requerer à juíza a retirada da queixa, mas continua sem responder ao despacho da magistrada para mais esclarecimentos sobre a (evidente) existência dos contratos.


O ministro da Saúde, Manuel Pizarro, elevou este mês ao absurdo os padrões de obscurantismo deste Governo no acesso à informação de documentos administrativos públicos: depois de ter “apagado” contratos da Direcção-Geral da Saúde (DGS) no Portal Base, agora já nem sequer cumpre determinações dos tribunais, chegando até a exigir que sejam retiradas acusações de litigância de má-fé por falta de cooperação para o apuramento da verdade.

Num processo de intimação do PÁGINA UM – que deu entrada no último dia do ano passado – face à recusa de disponibilizar os contratos assinados entre a DGS e as farmacêuticas para a compra de vacinas contra a covid-19, o Ministério de Manuel Pizarro começou por alegar a existência de uma auditoria em curso à gestão das vacinas, algo que nunca comprovou nem justificou, e que nem conflitua com uma consulta. E também tentou convencer o Tribunal Administrativo de Lisboa de que não existiam contratos entre entidades públicas portuguesas e as farmacêuticas.

Manuel Pizarro, ministro da Saúde, já nem ordens do Tribunal Administrativo de Lisboa respeita.

Tanto num ofício da DGS, assinado por Graça Freitas, enviado ao PÁGINA UM em Dezembro, como num requerimento de defesa do Ministério da Saúde, argumenta-se que, no âmbito da aquisição de vacinas contra a covid-19 se “estabeleceu um processo de contratação central”, através dos denominados Advance Purchase Agreements (APAs), entre a Comissão Europeia e as farmacêuticas, acrescentando que isso “dispensa[ria] os Estados-membros de qualquer procedimento adicional de contratação”.

Mas isso não é verdade, como comprovou o PÁGINA UM. Durante cerca de dois anos, constaram quatro contratos no Portal Base assinados pela DGS: dois com a Pfizer e outros dois com a Moderna. Os quatro contratos originais encontram-se no servidor do PÁGINA UM.

Porém, estes quatro contratos abrangiam uma percentagem minoritária das cerca de 45 milhões de doses supostamente adquiridas pelo Governo, razão pela qual o PÁGINA UM requereu o acesso aos outros contratos, bem como às guias de transporte e às comunicações entre farmacêuticas e Ministério da Saúde. O objectivo também é de saber se existem indicações sobre compras obrigatórias futuras e cláusulas sobre responsabilidades futuras em caso de reacções adversas graves.

Ministério da Saúde já nem responde às solicitações da juíza do processo, mas foi a “correr” pedir que retirasse a queixa por litigância de má-fé. Mas continua sem responder ao pedido inicial da juíza.

Recorde-se que Portugal terá já gastado mais de 675 milhões de euros com vacinas contra a covid-19, mas está em risco de deitar para o lixo mais de oito milhões de doses, no valor estimado de 120 milhões de euros, face ao desinteresse manifestado nos últimos meses pelos portugueses na toma dos denominados boosters. Além disso, os acordos assumidos pela Comissão von der Leyen – e que tanto polémica já suscitam – poderão obrigar o Estado a assumir compras obrigatórias de mais 500 milhões de euros de vacinas mesmo que não as administre.

Face às manifestas mentiras do Ministério da Saúde, o PÁGINA UM remeteu ao Tribunal Administrativo de Lisboa um conjunto de provas documentais sobre a existência dos quatro contratos do início de 2021, bem como do “apagão” desses documentos no Portal Base ordenado pelo Ministério da Saúde. Em consequência, a juíza do processo, Telma Nogueira, exarou um despacho no passado dia 20 de Fevereiro com o seguinte conteúdo: “Notifique a Entidade demandada [Ministério da Saúde] para, em cinco dias se pronunciar sobre o teor do requerimento apresentado pelo Autor [PÁGINA UM] em 06.02.2023, nomeadamente, quanto à existência dos contratos cujo acesso é peticionado nos autos, cf. doc. n.º 1 junto com a Petição Inicial.”

Mas o Ministério da Saúde decidiu agora simplesmente ignorar uma ordem do Tribunal, nem sequer respondendo à juíza Telma Nogueira, consubstanciando assim a prática de litigância de má-fé. De facto, de acordo com o Código do Processo Civil, um litigante de má-fé é a parte que, “com dolo ou negligência grave”, por exemplo, tenha “alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa” ou “tiver praticado omissão grave do dever de cooperação”.

Ora, considerando o PÁGINA UM que o Ministério da Saúde pretendeu, com intencionalidade, alterar a verdade dos factos – “apagando” quatro contratos (de entre um número desconhecido) do Portal Base – e não está a cooperar para se fazer justiça – nem sequer cumprindo um despacho da juíza do processo de intimação –, o recurso a este procedimento tem como objectivo uma penalização deste tipo de actos.

Certo é que, tendo o PÁGINA UM apresentado este requerimento à juíza Telma Nogueira na sexta-feira passada – solicitando a condenação do Ministério de Manuel Pizarro por litigância de má-fé e o correspondente pagamento de uma indemnização –, a defesa do Ministério da Saúde reagiu já ontem. Mas não para cumprir a ordem da juíza emanada no dia 20 de Fevereiro, mas sim somente para pedir que não seja admitido, “nos presentes autos”, o requerimento do PÁGINA UM pedindo a condenação do Ministério da Saúde por litigância de má-fé.

No processo de intimação constam já, enviados pelo PÁGINA UM, tantos os primeiros contratos integrais assinados em Dezembro de 2020 e Janeiro de 2021 entre a DGS e as farmacêuticas Pfizer e Moderna, como também os mesmos documentos entretanto rasurados (“apagados”) por ordem política. O PÁGINA UM exige acesso a estes contratos e aos seguintes, que já terão totalizado quase 700 milhões de euros, bem como guias de transportes e comunicações entre as partes.

A defesa de Manuel Pizarro diz que o requerimento do PÁGINA UM deve simplesmente “ser desentranhado e devolvido ao apresentante”, considerando que o Tribunal Administrativo de Lisboa tem já todos os elementos para decidir em favor do Governo. No breve requerimento, o Ministério da Saúde reitera que o argumento de “impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide”, um jargão jurídico que significa que o pedido é impossível de cumprir ou já foi cumprido.

Em suma, o Ministério da Saúde quer simplesmente que a juíza Telma Nogueira, e o Tribunal Administrativo de Lisboa, encerrem o assunto, colocando uma “cortina negra” sobre contratos públicos assinados por entidades públicas no valor de várias centenas de milhões de euros.


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