No início de Fevereiro do presente ano, vários órgãos de propaganda noticiavam que uma Comissão de inquérito à TAP ia avançar. Qual o âmbito? A actuação do Governo sobre a gestão da TAP, sobretudo entre 2020 e 2022, período em que a companhia aérea se encontrava sob controlo público.
Este rasgar de vestes do regime, resultou da escandalosa indemnização de 500 mil euros que Alexandra Reis recebeu quando saiu da TAP, sendo depois – pasme-se! – nomeada presidente da NAV, outra empresa pública, e, no final do ano passado, escolhida para secretária de Estado do Tesouro. Um percurso que diz tudo.
O caso levou a que o Governo anunciasse ontem a exoneração da presidente-executiva da TAP, Christine Ourmières-Widener, e do chairman da companhia aérea, Manuel Beja. Ambos estavam na liderança da empresa desde Junho de 2021.
Aparentemente, o regime apenas se indigna com a milionária indemnização a Alexandra Reis, não acontecendo o mesmo com os escandalosos 3,2 mil milhões injectados na bancarroteira nacional nos últimos oito anos que serviriam para pagar 6.400 indemnizações de 500 mil euros; definitivamente, o coração bate-nos mais forte quando falamos de 500 mil euros.
Tenho fé e esperança que os representantes da nação irão colocar as perguntas certas, ao contrário do que fizeram durante a putativa pandemia, mas, de qualquer forma, quero aqui apresentar-lhes uma humilde sugestão de uma lista de questões a serem colocadas na Comissão de Inquérito à bancarroteira nacional:
- Após a “renacionalização” da empresa em 2015, a administração da bancarroteira nacional foi preenchida com apaniguados e amigos, todos a auferirem valores em torno de 100 mil euros brutos anuais ou mais; nenhum destes senhores indagou na reuniões de administração acerca da racionalidade económica e valores pagos pela compra de 53 aviões, num contrato que totalizava 1.600 milhões de euros? Se perguntaram, queremos conhecer o conteúdo dessas actas; caso contrário, podemos concluir que andavam lá apenas a encher os bolsos e a tomar café nas reuniões?
- A compra destes 54 aviões obrigou ao pagamento de 320 milhões em excesso; foi noticiado que o empresário David Neeleman recebeu 70 milhões de Euros da Airbus para adquirir 61% do capital da TAP através da Atlantic Gateway – detida em partes iguais por Humberto Pedrosa (50%) e David Neeleman (50%); existem agora duas hipóteses que devem ser equacionadas: (i) Humberto Pedrosa também recebeu 70 milhões de euros da Airbus, os restantes 180 milhões de euros foram para o bolso de quem? (ii) Os 70 milhões de euros da Airbus foram para os dois empresários, os restantes 250 milhões de euros foram para o bolso de quem? Gostaríamos de saber!
- Os 224,1 milhões investidos pela Atlantic Gateway no capital próprio, a título de Prestações Suplementares, isto é, dívidas a sócios, em que condições podiam ser exigidos de volta pelos accionistas privados, isto é, pela Atlantic Gateway? Seria em caso de renacionalização ou controlo dos direitos económicos por parte do Estado? Esta condição, ou condições, foi alguma vez utilizada na negociação da saída dos privados em 2020? Estas Prestações Suplementares foram alguma vez remuneradas?
- Em 2016, o empréstimo obrigacionista de 120 milhões de euros emitido pela TAP, dividido em duas séries, A e B, a primeira de 90 milhões tomada pela Azul – empresa controlada por David Neeleman, a segunda de 30 milhões tomada pela Parpública. Estas obrigações ao final de 10 anos permitiram a conversão em acções da TAP SGPS: (i) por que razão se utilizaram duas séries com direitos e deveres diferentes, em particular para a Parpública que tinha apenas alguns anos para decidir pela conversão ou não em acções, deixando de receber juros? (ii) quais os termos e condições exactos de cada série e qual a razão da sua ocultação nos relatórios e contas da TAP; (iii) quais as condições de remuneração de cada uma das séries; (iii) a Azul recebeu e está a receber 67,5 milhões de Euros em juros, correspondentes à remuneração de 90 milhões a 7% durante 10 anos; (iv) a Parpública foi efectivamente remunerada e em que condições? Recebeu os 30 milhões que emprestou à TAP SGPS?
- Em 2016, no regresso das Caravelas do século XXI ao Estado português, quem da tutela aprovou o acordo que atribuía 5% dos direitos económicos ao Estado português, apesar deste possuir 50% do capital? Para dar um exemplo, no caso de 100 milhões de euros de lucros, correspondiam apenas 5 milhões de Euros à Parpública, apesar de deter 50% do capital! Esta renacionalização tinha apenas como objectivo recuperar sinecuras e negócios para amigos e apaniguados do regime? Qual a lógica, servia apenas para proporcionar empregos?
- A Dra. Maria Teresa Lopes, promovida a administradora em 2014, ainda debaixo do controlo Estatal, e que saiu em 2017 para o lugar de Consultora da Administração, auferia em 2015 – último ano onde havia transparência a este respeito – 255 mil euros brutos. Por essa “despromoção”, em 2017, recebeu uma indemnização de 1,2 milhões de euros – pobre Alexandra Reis! Também será solicitada a devolução da indemnização a esta senhora, tal como parece estar a acontecer com Alexandra Reis?
- O escritório de advogados de Pedro Rebelo de Sousa, irmão do Sr. Presidente da República, que negociou a indemnização milionária atribuída a Alexandra Reis, também vai devolver o montante que recebeu da TAP por ter intermediado aquela negociação? Ou vai indemnizar a TAP pelos danos financeiros e de imagem e reputação provocados pelo pagamento indevido da indemnização?
- Em 2020, durante a negociação da saída de David Neeleman, as Prestações Suplementares foram usadas por este como arma negocial? Os 55 milhões de euros que recebeu pela venda da sua participação de 22,5% – indirecta através da Atlantic Gateway – incluía as ditas prestações suplementares, nomeadamente metade dos 224,1 milhões de Euros? É verdade que recebeu 45 milhões de euros de Humberto Pedrosa pela sua participação de 50% na Atlantic Gateway? A holding de Humberto Pedrosa, a HPGB, SGPS, tornou-se proprietária de 50% destas prestações suplementares, ou seja, de 112,05 milhões de euros?
- Tal como consta na auditoria realizada pelo Tribunal de Contas à TAP, na sua nota 125, temos o seguinte: “Em todas as opções de compra e venda das ações da Atlantic Gateway, a Parpública adquire também os créditos acionistas da Atlantic Gateway, incluindo-se nestes as prestações acessórias submetidas ao regime das prestações suplementares e suprimentos sobre a sociedade.” Na negociação da saída de Humberto Pedrosa – o empresário patriota – do capital da TAP, qual o valor que este recebeu pelas Prestações Suplementares? 169,1 milhões de euros?
- Em caso de uma liquidação da bancarroteira nacional, que parte da dívida financeira – em 2021 era de 1,5 mil milhões de euros – está garantida com um aval da República portuguesa. Como podemos imaginar, não há nenhuma instituição financeira disponível para emprestar dinheiro a tal desastre, como é óbvio o Joaquim do restaurante, a Maria do cabeleireiro, irão sempre pagar todos os desmandos. A pergunta é simples: em caso de calote à banca, qual o montante com garantia do Estado?
- Por fim, e talvez a questão de maior importância. Os órgãos de propaganda, uma vez mais, ignoraram por completo que os contribuintes são agora accionistas a 100% – quase, há uma parte da TAP SGPS que pertence aos desgraçados dos trabalhadores – de duas empresas: (i) a TAP SGPS, a holding de participações que deixou de ter qualquer participação na TAP S. A! (ii) a TAP S.A. Agora, nem relatórios e contas publicam em relação à TAP SGPS, nem tão pouco esclarecem o porquê da administração ser remunerada através de uma holding que nada tem! Para que serve a TAP SGPS, para ocultar os negócios favoráveis a favor dos privados, para pagar por “debaixo da mesa” aos administradores, para ocultar o não pagamento de juros à Parpública, para ocultar vergonhas e desmandos?
Estas perguntas não deviam ser colocadas pelos deputados da Nação, mas pela polícia, pois a bancarroteira nacional é, há muito, simplesmente um caso de polícia.
Luís Gomes é gestor (Faculdade de Economia de Coimbra) e empresário
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