Recensão: Memorial de Aires

A melancolia da vida enquanto se envelhece

por Pedro Almeida Vieira // Março 16, 2023


Categoria: Cultura

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Título

Memorial de Aires

Autor

MACHADO DE ASSIS

Editora (Edição)

Tinta da China (Setembro de 2022)

Cotação

17/20

Recensão

Última obra escrita pelo grande Machado de Assis, Memorial de Aires é de uma delicadeza contemplativa, lírica mas irónica, que, ainda hoje, deslumbra quem lê este romance.

Não tem a loucura e sarcasmo de Memórias póstumas de Brás Cubas nem o drama angustiante de Dom Casmurro, mas não lhe fica atrás, sobretudo por via de uma narrativa contemplativa mas crítica de um Brasil no último quartel do século XIX, a que acresce a forma como aborda a melancolia da vida enquanto parte do envelhecimento.

Romance epistolar, diarístico, este memorial do conselheiro Aires, diplomata aposentado que aparecera no romance anterior, Esaú e Jacó (1904), onde era personagem e autor ficcional. consiste num vasto conjunto de cartas a um seu amigo imaginário, relatando aspectos da vida quotidiana na cidade do Rio de Janeiro, entremeadas com reflexões sobre a sociedade brasileira, ainda marcada pela escravidão e por uma forte influência europeia.

Mas mais do que essas contemplações de um “refomado”, o romance deambula por uma série de personagens secundários, entre os quais o casal Aguiar (e a sua "orfandade às avessas") e sobretudo a jovem viúva Fidélia – misteriosa, enigmática e supostamente inalcançável –, por quem o conselheiro Aires acaba por se apaixonar.

A relação entre os dois transforma-se em ambiguidade e tensão, tornando-se asssim o romance numa reflexão sobre o amor e sobre as relações entre homens e mulheres naquela época.

Sendo uma óbvia ficção, em Memorial de Aires vemos talvez a mais autobiográfica das obras de Machado de Assis, sentindo-se a envelhecer, e desse modo se encontra ali depurado toda a sua ironia e sarcasmo para, dessa forma, estabelecer uma crítica contundente à hipocrisia e ao oportunismo e aos demais vícios da natureza humana.

Leitura imprescindível no século XXI, embora seja obrigatório ler, antes ou depois, as outras obras de Machado de Assis, incluindo os seus contos, em especial após a fase romântica.

Destaque também para o posfácio de Abel Barros Baptista e Clara Rowland, que coordenam a colecção da Tinta da China dedicada à literatura brasileira, intitulada "Os melhores deles todos",  e que entretanto já integra as obras Vai, Carlos!, de Carlos Drummond de Andrade, e Primeiras histórias, de João Guimarães Rosa.

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