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Os bisnetos de Norton

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Foi há perto de 30 anos que o escritor Orlando da Costa lançou o romance Os netos de Norton. Seria apresentado como “um fresco histórico de uma geração que nasce para a política em 1949”, altura da candidatura presidencial do general Norton de Matos. Pretexto para aprender com um escritor que foi o pai do actual primeiro-ministro e do director-geral de Informação do Grupo Impresa. Ouça também esta crónica no P1 PODCAST.


O Jornal de Letras de 8 de Março de 1994 anunciava, com destaque de primeira página, o regresso de Orlando da Costa ao romance, após 30 anos desde o seu último livro do género. O lançamento da obra estava marcado para as 19 horas do dia 10, na Livraria Barata, à Avenida de Roma. Teria como título Os netos de Norton e o autor explicava que era algo que trazia na cabeça há muitos anos, sobretudo desde que fizera uma viagem à Índia das suas raízes familiares em Dezembro de 1974, ano da revolução de Lisboa.

Descrito como “um fresco histórico de uma geração que nasce para a política em 1949”, percebe-se que o Norton do título é o general Norton de Matos, o homem que enfrentou o regime de Salazar em 1949, quando foi candidato a Presidente da República.

Intrigado com a descrição e conteúdo da obra, decidi, 30 anos depois, procurar este livro. E ainda bem que o fiz, pois acabei por descobrir que até estava dedicado aos dois filhos do autor: António Costa e Ricardo Costa – sim, o actual primeiro-ministro e o irmão, director-geral de Informação do Grupo Impresa (que incluiu, entre outros órgãos de Comunicação Social, a televisão SIC e o semanário Expresso).

O romance conta a história de quatro amigos durante os anos 60 do Estado Novo, até à revolução de 1974. Temos o ambiente da Lisboa dos estudantes, dos seus amores, dos artistas. O pai de António e Ricardo tinha 20 anos em 1949. Os netos de Norton seriam aqueles que estariam na casa dos 20 anos na etapa final do Estado Novo. À medida que avancei na leitura, não encontrei em “Os Netos de Norton” algo que se possa dizer como sendo particularmente revelador dos agora bisnetos de Norton, ou seja, os filhos de Orlando da Costa.

É uma ficção assumida, mas tem lá a verdade da geração do pai. Não dei o meu tempo por perdido, pois diverti-me a destacar ensinamentos em algumas passagens da obra publicada em 1994 – isto é, um ano depois do actual primeiro-ministro ter ficado famoso por ter organizado a corrida entre um burro e um Ferrari durante a sua candidatura falhada à Câmara de Loures.

Apreciei, de sobremaneira, que Orlando da Costa tenha feito referência a um dos mais cruéis filmes neo-realistas italianos que vi. Espero que o actual primeiro-ministro e o seu irmão jornalista também tenham aprendido com pai o valor dessa obra. Estou a falar do filme de 1952 de Vittorio de Sica, “Umberto D.”, que retrata de forma crua o fim de vida de um velho viúvo, que tem apenas por companhia um cão.

Sorri, depois, ao ler sobre aquele “burguês envergonhado e infeliz, um cosmopolita que não consegue passar o dia sem ouvir as notícias da BBC e sem ler os jornais – quanto mais estrangeiro melhor”, mais as manhas de como sacar dinheiro aos pais a trabalharem em territórios ultramarinos. Havia um que tinha um conluio com um alfaiate e, assim, “fazia dois ou três fatos por ano e cobrava contas de seis ou mais”.

Esta era a geração onde as letras da sigla KGB não serviam para designar a polícia secreta da extinta União Soviética, mas sim os apelidos dos escritores americanos Jack Kerouac, Allen Ginsberg e William Burroughs. Agora, a frase que acabei por reter da leitura desta obra e que, a partir de agora, também a irei dedicar aos bisnetos de Norton, António e Ricardo, é esta que o pai deles escreveu várias vezes no livro: “Hoje estamos bêbados, amanhã seremos uma força moral”.

Não quero ainda deixar de apresentar uma frase dita por um personagem que é agente da PIDE – e que, na realidade, é ele quem acaba por crismar os quatro personagens com o nome que dá o título à obra: “São estimados pelas famílias da metrópole que os acolhem. Têm-se por elites e à custa das mesadas que recebem fazem-se intelectuais da farra e tornam-se sem o saberem agentes do bolchevismo e da rebelião da negritude, como lhe chamam. Mulatos ou brancos, não falam nenhuma língua nativa, mas acamaradam, ao bilhar, com os pretos nos cafés do Conde Redondo. Odeio-os!”

Finalmente, também não me escapou um diálogo da obra onde um dos personagens diz que “o Tejo não está aí para consolar apenas os derrotados das colónias, os emigrantes e os que hão-de retornar um dia… Está aí para nós também, nós os próximos instalados, os humilhados de ontem, os amargurados de amanhã. Está aí a chegar a hora da nossa geração”. E pergunta depois o outro: “Instalados? Que queres tu dizer com isso?” Como resposta, ouve: “Deixa lá, rapaz, não é nada. Qualquer dia explico-te, ou melhor, qualquer dia tu vais perceber. Todos, um dia, percebemos”. E, digo eu agora: já percebemos.

Obrigado, Orlando da Costa, por esta lição sobre uma geração. Aprendi muito contigo ao ler este Os netos de Norton. Não sei se o António ou o Ricardo também aprenderam alguma coisa, mas mantenho a esperança de que ainda vão a tempo.

Frederico Duarte Carvalho é jornalista e escritor


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