Celebrou-se em Março os 25 anos do filme The Big Lebowski (TBL), primeiramente lançado nos cinemas a 6 de Março de 1998 nos Estados Unidos, mas chegado a Portugal apenas a 30 de Outubro desse ano.
Dir-se-ia que foi só mais um filme, e perguntar-se-á o motivo de se escrever sobre este em particular quando tantos outros também celebram anos de existência. Pois bem: The Big Lebowski não é um filme qualquer, e os fenómenos que foi gerando à sua volta, ao longo dos anos, tornaram-se maiores do que ele próprio.
Dois anos antes, os dois realizadores, os irmãos Cohen (Joel e Ethan), tinham dado à luz o aclamado Fargo, que venceu o Óscar pelo melhor argumento e melhor actriz, para uma magnífica Frances McDormand, a fazer de polícia grávida naquela pacata cidade do Dakota do Norte. A expectativa à volta do que viria a seguir era assim grande.
Porém, nas bilheteiras The Big Lebowski foi uma desilusão e as receitas mal cobriram as despesas. As críticas também não foram meigas e apareceram as bad reviews que pareciam confirmar ser este um filme a ficar sem História.
David Denby escreveu para a New York Magazine a defender que The Big Lebowski era filme demasiado incoerente para se poder explicar e que o protagonista, Jeff Bridges, se tinha sacrificado pelo conceito derrotista dos Cohen.
O falecido Roger Ebert disse, por sua vez, em 1998 que The Big Lebowski era um filme que corria em todas as direcções e acabava por não ir para lado algum. Peter Howell escreveu, no Toronto Star, ser difícil aceitar que os realizadores eram os mesmos de Fargo.
Daphne Merkin, na sua recensão para o The NewYorker era mais uma destas vozes negativas e, embora fizesse elogios à performance de Bridges, criticava a falta de estrutura narrativa, o exagero das referências ao judaísmo e a falta de senso comum de Joel e Ethan. Dave Kehr chamou-lhe uma ideia cansada e um filme episódico e despreocupado.
Enfim, tudo parecera falhar, e The Big Lebowski estava aparentemente destinado a ser um filme que os irmãos Cohen desejariam que o Mundo esquecesse.
Porém, é o tempo que cria os clássicos, e o hoje é um mau julgador.
Existe alguma ambivalência no que toca à definição de filmes de culto. Certo é que há filmes que criaram uma legião de “cultistas” que ainda hoje perdura – isto independentemente do seu sucesso ou falta deste, nas bilheteiras.
De qualquer forma, se a “alta cultura” inicialmente condenou The Big Lebowski, automaticamente também criou as sementes para uma “baixa cultura” que não se revê nas críticas de peritos ou nas expectativas de intelectuais.
Esta “baixa cultura” é normalmente formada por pessoas que vêem os chamados midnight movies que, como indica o nome, são filmes B, transmitidos a hora tardia, geralmente com o orçamento baixo, que tiveram origem nos anos 50, mas que depois do sucesso de filmes como El topo (1970) e mais tarde The Rocky Horror Picture Show (1975) começaram a atrair mais e maiores audiências.
Ainda assim, esta legião de fãs configura uma oposição à “alta cultura” e ao mainstream, vendo-se a si mesma como “transgressora” que visiona filmes nas zonas suburbanas dos Estados Unidos a horas também elas desobedientes dos horários ditos normais, criando assim uma ritualização.
The Big Lebowski foi um desses filmes transmitidos nos midnight movies, desde o New Beverly Cinema no ano 2000, Nickelodeon Theatre em 2002, e em 2007 no New York City’s Sunshine Cinema, Milwaukee’s Rosebud Cinema Drafthouse, e no San Francisco’s Clay Theatre, cruzando assim várias regiões dos Estados Unidos.
Em 2002 na cidade de Louisville, no Estado do Kentucky, foi assim criado o primeiro Lebowski Festival a partir da ideia de dois fãs, Will Russell e Scott Shuffitt. Não foi propriamente um grande festival, uma vez que só apareceram 150 pessoas e não se podia vender bebidas alcoólicas.
Mas a semente germinou, e actualmente é um festival organizado em mais de 30 cidades americanas, com a presença dos actores principais, e onde os participantes mascaram-se com as indumentárias das personagens do filme, jogam bowling e citam frases do filme uns aos outros.
No mesmo ano do primeiro festival foi feito o lançamento de DVD de The Big Lebowski em conjunto com outro filme que abordava o tema do consumo de marijuana. Três anos depois, em 2005, foi lançado o Collector’s Edition e o Achiever’s Edition, este último já com o nome que os fãs do filme davam já a si mesmos, certificando assim The Big Lebowski como um filme de culto.
No décimo aniversário saiu mais um DVD que vendeu perto de 2,5 milhões de unidades. No vigésimo aniversário, em 2018, essas vendas duplicaram. O estatuto de filme de culto estava criado. The Big Lebowski tinha ganhado mais que uma segunda vida, era agora um fenómeno. Talvez uma vida eterna.
Mas as particularidades não se ficam por aqui. The Big Lebowski conseguiu a proeza de servir de inspiração para a “criação” de uma religião e filosofia de vida, que dá pelo nome de Dudeism – reconhecida pelo Governo norte-americano e conta com mais de 600 mil padres ordenados.
Oliver Benjamin, o seu criador, baseia esta religião no conceito de abiding, ou seja, viver no presente, sem se preocupar com o futuro, e vai buscar semelhança a filosofias orientais como o Taoismo, Budismo e Sofismo. Há apenas uma grande regra a seguir: “não sejas um idiota, trata bem as pessoas”. No website deste “culto”, por uns trocos pode tornar-se um padre, aceder a livros e até tirar um curso na Abide University.
A influência de The Big Lebowski faz-se sentir também no continente europeu. Desde restaurantes em Glasgow e Edinburgh, sob o nome Lebowskis, onde as bebidas têm o nome das personagens do filme, até ao Grand Café Lebowski em Utrecht, passando em Paris pelo Le Dude e em Dresden pelo Lebowski Bar.
É de salientar que alguns dos críticos originais de 1998 fizeram, entretanto, o seu mea culpa, e reviram os seus textos. Houve até quem dissesse, na sua revisão, que poderia ter sido consequência de falta de oxigénio e cansaço, que não lhe permitiu escrever uma recensão em condições.
Hoje, The Big Lebowski integra o National Film Registry, que é um corpo que escolhe filmes todos os anos para preservação futura devido à sua importância cultural, histórica ou estética. Ganhou, portanto, um lugar na História do Cinema.
E sobretudo mostrou que um filme pode sobreviver ao seu tempo, às (más) críticas iniciais, e não obedecer a muitas regras para ser bom.
Por outro lado, mostra-se interessante observar as diversas catalogações deste filme. Agora, uns consideram-no uma comédia, outros metem-lhe um pouco de neo-noir. De qualquer forma, não é fácil dizer qual é o tema deste filme, até porque não é a sua história que tanto fã agremiou. Foram sobretudo as personagens, os seus diálogos e o bowling. E há mais o resto, que é tudo o que se quiser inventar.